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sábado, 30 de novembro de 2019

O apresentador e eu


Autorretrato, Nam June Paik, 1983



O apresentador lê a notícia. Sobe o tom e, com ele, os pontos da audiência. Vende bem o peixe, o menino… Conforto para o bolso de acionistas, anunciantes, publicitários… doce colírio para o olhos de debutantes.
E num passe de mágica, eu sou o apresentador. Desfaço a sombra por um instante e confio. E pouco importa os fatos, pouco importa…
Eis que o apresentador é família… e eu sou ele, meu próprio astro, meu galã. Acima dos olhos, ocupo da sala, grave e solene… Fruo o gozo ao tinir o martelo da justiça enquanto cascavelo a narrativa estudada: poema bem feitinho para conduzir manada.
Quão humana é a minha (nossa) simpatia; vigorosa e sólida honestidade… Penso que talvez inexista alguém tão fácil assim, inteiramente construído de respostas. Alguém suporia outra intenção senão aquela que me (nos) sai da fala?
Apenas o amor constrói… Corra atrás dos teus sonhos… Invisível é a mão do mercado… A cada um, o seu mérito… Contra caspas, o inofensivo xampu de babosa vai bem, obrigado…
Ah, o espetáculo… essa roda viva onde a liberdade de expressão é mero artifício, inacreditavelmente realista, forjada verdade. Quantas dificuldades desumanas (?) que nos fogem nessa obra imensa de deus?… E os toques coloridos, sexy e perfumados que desenho em minha (nossa) pele... essa alegria e certeza fabricadas sob medida para o meu (nosso) figurino.
Porém, não demora e tudo se esvai. É quando fico (ficamos) abarrotado (s): há mais mundo do que posso (podemos) suportar. E é agora, que nós (o apresentador e eu), por força do hábito, sobramos como resto de sobremesa sobre a mesa, saciados, a par de tudo, lindos, arrumados, puros…
E antes do costumeiro boa noite, naquele instante em que olhamos finalmente nos olhos um do outro, silenciosamente nos arrepia o fato de que perdemos a capacidade de nos darmos conta de que a boniteza tem sido proporcional à nossa perversidade.
Mas, infelizmente, não há tempo para lamentar, não há mais tempo: um comercial nervoso está programado para nos atropelar, imediata e automaticamente.

sábado, 23 de novembro de 2019

A vagaba, o biltre e a fuzarca


Um casal, Fernando Botero, 1982



No Condomínio Bafafá, era uma vez, um carcamano das cavernas inventou de juntar armas com uma baranga e suas muitas horas de voo.
Com um crowdfunding realizado na igrejinha que os uniu, foram tirar proveito da lua de mel na Casa de Noca.
Feliz da vida, a pechenga enlouqueceu (no bom sentido) com a volta da tão acalentada dita dura.
O conúbio ia bem, com os dois concordando em jogar os podres para debaixo do tapete.
Porém, com o passar do tempo, a pulga foi ficando cada vez mais inquieta detrás da orelha da bruaca.
A conclusão inevitável era de que estava sendo passada pra trás, deixada de lado, esquecida num canto… essas coisas…
E decidiu vigiar as saídas à direita do estrupício com o qual dividia o sabonete.
E não é que a vagaba descobriu que o biltre gostava de uma fuzarca.
Até mantinha um quitinete, o bilontra, devidamente arrumada, para abater gente nas horas vagas.
A jabiraca não aguentou: montou guarda, grampeou telefones, instalou câmeras…
Ao fim e ao cabo, viu com seus próprios olhos que entrava de um tudo naquele antro de fodelança.
Uma hora era uma recatada, outra era uma do lar; teve a vez de uma limpinha, cheirosinha… e pintou até um halterofilista – miliciano chefe do tráfico de pornografia local.
Com um dossiê completo nas mãos, a mocreia resolveu enfiar aquele calhamaço nas fuças do traste.
Para que?! Nem bem articulou um dramático why?, sentiu suas amígdalas voarem na direção do olho da rua.
Decidida a buscar reparação, deu entrada no quartel mais próximo e registrou queixa crime de maus tratos afetuoso.
Conseguiu, com ajuda de alguns pariceiros, a formação de uma cúpula jurídico-midiática-militar para estudar o caso.
Após mútuas e demoradas consultas, acabaram por decidir pelo arquivamento do processo sob tutela do princípio de que “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”.
Publicado o acórdão em três vias, a coisa medonha levou pra casa a recomendação de que deveria pensar melhor, buscar meios mais civilizados de reparação.
Mas, como já não havia mais meios civilizados, cogitou derramar água quente no ouvido do bandalho nefando e escroto.
Salvou-os um fariseu farmacopola, dublê de impostor trambiqueiro, que os fez pronunciar em voz alta, a gosto, todo dia, um novo, sonoro e tonitruante palavrão, insulto ou ofensa daquelas bem gratuitas.
E assim, viveram infelizes para sempre, para desespero dos vizinhos.



sábado, 16 de novembro de 2019

A vida como ela é


Katya still life, Zenaida Serebriakova, 1923



- Mãe, não gosto de repolho.
- Coma, é o que tem.

Houve um tempo em que, na minha iluminada ignorância, achava que, no mundo, deveriam existir apenas as coisas que fossem do meu gosto e agrado.

Invariavelmente chateado por ter de comer aquilo que repugnava meu “nobre” paladar, ficava a imaginar porque o mundo era assim... Por que quiabo, maxixe, abóbora, tomate, alho, espinafre, agrião, beterraba, cenoura e repolho existiam?

E imediatamente, me punha a inventar um mundo onde tais “coisas desagradáveis” haviam sido eliminadas e restasse apenas o paraíso, isto é, um mundo feito exclusivamente de confeitos, salgadinhos, sorvetes, bifes e muito macarrão.

Mas aí cresci e, embora defeituoso, um dia lembrei daquele diálogo com minha pragmática e sábia mãe e compreendi que a vida é feita também daquilo que me desagrada e que, de nada presta esbravejar, sair por aí pedindo a destruição das verduras e legumes, a proibição de seu comércio nas feiras e supermercados, a erradicação definitiva de suas lavouras, a prisão, tortura e morte daqueles que as cultivam... Não, nada que eu faça, impedirá que vegetais continuem a fazer parte de dieta saudável, mesmo que eu continue a preferir um sanduba ao invés de uma bela e quentinha sopa de cebolas.

Idealmente posso pensar um mundo apenas com as coisas do meu agrado, mas a vida irá sempre colocar diante do meu nariz tudo que me desagrada.

E mais, se busco destruir aquilo que me aborrece, corro o risco de destruir a mim mesmo, pois gosto e desgosto fazem parte de um mesmo ecossistema: destruindo um, inevitavelmente destruo também o outro.

A verdade é que devo ser forte, amar a vida como ela é: só assim consigo penetrar nesse mundo de contrastes evitando acabar condenado a sobreviver na superfície, fraco, solitário, marginal, intolerante e triste.



sábado, 9 de novembro de 2019

Silêncio


Nina Akin, Alemanha


Três lugares que não gosto de entrar: delegacia, hospital e repartição pública. Devo ter entrado umas duas vezes numa delegacia por motivos que fugiam totalmente ao meu controle. E justamente por motivos que escapam ao nosso controle é que entramos num hospital. Já numa repartição pública, em geral, costumamos perder o controle.
Certa feita levei Mainha a um pronto socorro: Insuficiência respiratória e cansaço extremo a torturavam. Descobriram tratar-se de coisa grave, com consequências nada promissoras para os sistemas pulmonar, renal e cardíaco.
Decidiu-se pela internação imediata e lá fui eu, compulsoriamente, alojar-me numa poltrona ao lado do leito, por duas semanas, dormindo não mais de quatro horas por noite - com sorte.
Entre uma voltinha e outra para arejar a cabeça, senti falta de algo. Algo que não vejo há tempo. Bem, não faz tanto tempo assim, se levarmos em conta o nosso curto tempo da vida.
Falo de um item obrigatório em toda e qualquer parede de hospital: uma foto (ou seria gravura?) de uma enfermeira com o dedo indicador sobre os lábios a nos solicitar silêncio, a nos informar tratar-se ali de um local de circunspecção.
É certo que hospitais surgiram do esforço de comunidades religiosas e foram durante muito tempo administrados por religiosos. Daí surgir, certamente, aquela reverência diante da dor e da morte exigida pela moça de branco.
Porém, com a mercantilização da medicina, a piedade e a misericórdia saíram de fininho pela porta de trás. E na mercantilização da vida, administrada por uma burocracia insensível e desumana, a reverência cedeu lugar a informalidade do banal.
Dessacralizar o exercício da medicina, levar o paciente a sentir-se em casa, talvez ajude na recuperação... Porém, constato que o tom de voz nas dependências de um hospital, ultimamente, está alguns decibéis acima daquilo que a simpática enfermeira indicava.
Não raro, vemos em salas de visitas televisores sintonizados, em programas policiais, novelas ou ante sala dalguma celebridade, enquanto pacientes, enfermeiros, auxiliares, pessoal da limpeza, vigilantes, administrativos, residentes, etc., etc., trocam impressões como se estivessem num botequim ou no portão de suas casas. Nos supermercados somos mais reverentes.
Dirão que exagero… E que cada povo busca afirmar-se em seus próprios valores, atitudes e ideais. E justamente por sermos o país do carnaval e do futebol, somos assim tão expansivos, inquietos e exuberantes… Concordo plenamente. Mas por quanto tempo ainda preferimos tagarelar feito maritacas? E aí, olho pra mim e vejo o quanto sou impulsivo, o quanto me assusta o que não sei, o quanto me apavora e exaspera aquilo que não é igual.
De qualquer modo, o atendimento excedeu as minhas expectativas em se tratando de um hospital público. Sinto-me agradecido e dou vivas as nossas melhores qualidades e aos profissionais que as exercitam sem deixar de mencionar aquela pequena autoridade que nos recebe na entrada com um angustiante “na onde o senhor vai?”
Em momentos tais, costumo ficar dividido: Somos um caso de polícia, uma questão de saúde pública ou apenas um erro de português?



sábado, 28 de setembro de 2019

Mural das Indiscrições VII


Marching Women, Alaa Award, 2012



Toda religião um dia será mitologia.

Uma imaginação imperfeita é fonte maior de prazeres.

Louco é aquele que tenta nos convencer da sua sanidade.

Tudo se faz por amor, inclusive errar.

Apenas o amor vale a pena e a pressa; o resto é angústia do tempo.

Somos todos mulheres, porém algumas tem útero.

O medíocre busca sempre transformar privilégio em direito.

Antes de levar um soco todo homem é autossuficiente.

Em geral, o ser humano, é educado antes de ser rude.

Na mídia, todo idiota é altamente qualificado.



sábado, 21 de setembro de 2019

Fábula com notas


O Futuro chegou faz pouco, Fede Biagioli, Argentina



Como se ocorresse num conto futurista (no velho e mundialmente consagrado estilo science-fiction opera), meia dúzia de cópias piratas de personagens mal-ajambrados e toscos invadem a cidade e causam um tremendo estrago com sua linguagem chula, injúrias e insultos pornograficamente inaceitáveis.

Através de edital, o chefe da polícia convoca o Homem “Branquinho” - super-herói pau-para-toda-obra e professor particular de gramática, para dar um jeito naquelas monstruosidades atentatórias aos costumes talentosamente criativos do povo do lugar.

Pintada como o combate do século, pelas forças de segurança(1), a porrada come solta em cada canto, cada beco, cada brecha da lei, sem nunca se atrever disputar audiência com a novela das nove por justa e legítima reivindicação da primeira e única rede de mídia nacional.

E tal qual nos conflitos épicos típicos, o herói apanha pra chuchu no começo para somente no final conseguir realizar seu objetivo que, coincidentemente (2), devido a providencial ajuda das mais requintadas agências de propaganda, é o mesmo da população que o assiste e acompanha através das redes sociais e dos costumeiros noticiários e comerciais.

Chegado neste ponto, imediatamente após o estupro da liberdade de expressão pela intolerância, o herói oficial consegue finalmente apagar do sistema, um a um, as esdrúxulas criaturas – não sem deixar um rastro de más recordações e péssimas lembranças, o que é perfeitamente normal e aceitável, já que, diz o adágio popular, não se faz omelete sem quebrar alguns ovos.

Com o tempo ficamos sabendo que tudo não passou de uma cortina de fumaça. Tinha sido o prefeito, dono de empreiteira, o cérebro por trás daquelas criaturas. Tudo fizera para destruir a cidade, com o propósito de pressionar a população na aprovação de novas e vultosas verbas para a construção de um novo empreendimento que atraísse turistas do mundo inteiro para a sua rede de hotéis temáticos arrendados a preço vil para um conglomerado de mídia internacional, exatamente o mesmo encarregado de transmitir ao vivo, através de sua cadeia de televisão, toda a movimentação de tropas pela libertação da rua de baixo das garras sangrentas e ignóbeis dos autonomistas prejudicados que atuam em conluio com uma legião de multifacetados criadores de trovas e quadrinhas.

Em meio aquela confusão, o alcaide não só embolsou a grana como, pê da vida, ateou fogo em tudo e foi curtir a boa vida, de braços dados com Madame (aquele caso perdido que não vale a pena discutir), no paraíso fiscal conhecido como La House of Nooca, longe e a salvo dos mosquitos, saúvas e cucarachas.
E todos – uma fauna e flora exuberantes e com alta taxa de diversidade – viveriam infelizes para sempre, sem nunca encontrarem o rumo de casa, não fosse o pessoal de Bacurau chegar a tempo de impedir que aquela lambança continuasse.

No apagar das luzes, quando já estávamos prontos para a subida dos créditos, a comunidade serenamente irritada, de saco mui cheio e com uma peixeira nos dentes, pegaram o prefeito, sua curriola e cupinchas dos naipes executivo, legislativo e judiciário, botaram pra pentear macacos, catar coquinho, chupar pregos até virar tachinhas e foram aplaudir o pôr do sol porque o amanhã, entre nós, reza a lenda, fica pra depois e nada é tão urgente que não possa esperar uns cinco minutinhos.


Notas
(1) As mesmas que, na ausência de um inimigo externo, faz com que seus generais, visando manter as tropas em prontidão, insistam na velha e surrada manobra de inventar um saco de pancada local no qual - tais cachorros loucos - possam descarregar seu ódio na porção mais fraca da raça humana. Dizem os mais proeminentes psicanalistas, tratar-se de uma profunda negação do self, misturado com um alto teor de vergonha pequeno-burguesa, pelo fato de serem todos filhos da tia do cafezinho com o motorista do patrão.

(2) Na tenra idade, talvez anterior ao útero, aprendemos que privilégios são inatos. Desta forma, certos uns (segundo a teoria da meritocracia e chancelada pelo personagem mítico conhecido pela alcunha de meupapai) não têm o que temer quando se trata de disputar o filé na Colina dos Recursos Escassos.



sábado, 7 de setembro de 2019

Da Religião


Vaca Sagrada, José Luiz Guerrero, México



Robert M. Pirsig, filósofo: “Quando uma pessoa sofre de um delírio, isso se chama insanidade. Quando muitas pessoas sofrem de um delírio, isso se chama Religião”

Isaac Asimov, escritor: “Todas as religiões são a verdade sagrada para quem tem a fé, mas não passam de fantasia para os fiéis das outras religiões”

Anatole France, escritor: “A religião prestou ao amor um grande serviço, fazendo dele um pecado”

William Shakespeare, dramaturgo: O  diabo pode citar as Escrituras quando isso lhe convém”

Edir Macedo, empresário da fé: “Ela (a religião) é a criação satânica mais nefasta da face da Terra”

José Saramago, escritor: “O problema não é um Deus que não existe, mas a religião que o proclama”

Franz Kafka, escritor: “O inferno só existe onde existe religião”

Miguel Couto, médico: “Vinte séculos de cristianismo não fixaram o homem na humanidade”

Edir Macedo, industrial da fé: “O Espirito Santo não quer que você bata palmas. Ele quer que você meta a mão no bolso e pague as nossas contas

Napoleão Bonaparte, líder político e militar: “A religião é aquilo que impede os pobres de matarem os ricos”

Stendhal, escritor: “Todas as religiões são fundadas sobre o temor de muitos e a esperteza de poucos”  

Jonathan Swift, escritor:Nós temos a religião suficiente para nos odiarmos, mas não a que baste para nos amarmos uns aos outros”

Mahtama Gahdhi, pacifista: “Eu seria cristão sem dúvida, se os cristãos o fossem 24 horas por dia”

Mário Quintana, escritor: “O milagre não é dar vida ao corpo extinto, ou luz ao cego, ou eloquência ao mudo… Nem mudar água pura em vinho tinto. Milagre é acreditarem nisso tudo”

Shoron Brous, rabina: “Sabemos que a religião é parte do problema. Mas, será que ela é parte da solução?”

Para-choque de caminhão: “Jesus é o caminho. Edir Macedo é o pedágio”

Antinômico de Alexandria, o transparente: “Dê-me mil razões para crer em Deus e te darei outras mil para não acreditar”

 



sábado, 17 de agosto de 2019

Manifesto


Is It True What Say Abaout Dixie
Rosalyn Drexler, 1966



Para uma política descaradamente sem vergonha, em tempos de verdades nuas, cruas e bestiais, sem qualquer papas na língua, sem freios, sem nenhum controle de qualidade mas com deus no coração, pela moral e bons costumes…

  • Divida o mundo entre o bem e o mal e fique acima dos dois com uma boa margem de segurança
  • Invente um bode expiatório e pregue nele a pior imagem que tiveres de ti mesmo
  • Ataque alguns pornograficamente e defenda desavergonhadamente outros
  • Demonize as minorias
  • Nunca brigue diretamente suas brigas, tenha sempre um pelotão do choque a postos para resolver a questão
  • Culpe sempre a vítima
  • Terceirize a morte de, pelo menos, um prejudicado por dia
  • Humilhe os sobreviventes, sem trégua e sem remorso, até que desistam de si e passem a acreditar que, longe de ti, não há salvação
  • Dissemine ódio e nojo a tudo que for singular, diferente e/ou divergente
  • Jamais dê satisfação a quem quer que seja, afinal tua liberdade é sagrada e ninguém paga tuas contas
  • Mantenha e aprofunde o sistema de classes e a isto chame de meritocracia
  • Sempre cordial com os amigos e cruelmente perverso com os inimigos (mesmo que eles sejam apenas adversários)
  • Transforme em virtude tudo o que em ti é banal, venal e/ou imoral
  • Tenha sempre à mão uma mídia que infantilize e imbecilize o maior número de mentes disponíveis
  • Sempre que fores flagrado em mal feito, aponte imediatamente o mal feito de outro
  • Faça de um tudo para destruir o Estado sem que isto o impeça, no entanto, de tirar dele o máximo proveito
  • Explore, mas explore muito, sem deixar de acusar os explorados de preguiçosos, vagabundos e indolentes
  • Jamais assuma tua torpeza (ou seus erros de português), porque o segredo do sucesso é acreditar piamente na própria mentira
  • Não vá para o inferno sozinho, dê um jeito de levar muitos seguidores




sábado, 3 de agosto de 2019

Relembrando diálogo teclado no dia da eleição


A Time for Fear, Jimmy Ernst, 1949



Tinha achado na rede social uma foto da letra B, em verde e amarelo (de tal modo a lembrar o número 13), mandei imediatamente para uma prima lá nas extremas. Alguns minutos depois, teclei:
– Gostou da propaganda subliminar?
– Você hein? Tá vendo coisas moço..... é um B maiúsculo do tamanho de um gigante.
– É que a letra B forma o número 13… não reparaste, olhe direito.
– Meu primo, com todo respeito, vermelho no centro do verde e amarelo não combina, concorda?
– Tá bom… que o 13 continue sendo o vosso pior pesadelo… bom domingo… ah, quando, eventualmente – tua fé te proteja – precisares de uma transfusão de sangue, exija sangue amarelo, combinado?
– Moço de Deus, apelar não vale.
– Apelando, eu? Vocês querem transformar o país numa pátria de canalhas, oportunistas, misóginos, racistas, homofóbicos e torturadores confessos e tem o desplante de dizer que apelo? Que o futuro tenha piedade de nós. Diga-me uma coisa, prima: num futuro governo desse sujeito, por minha consciência, serei considerado alguém passível de perseguição, tortura, desaparecimento e até morte… pergunto: você me defenderá?
– Ah, primo, suposição não vale…
– Vai vendo, prima… vai vendo… depois não diga que não foste avisada… é bom ir se preparando para o pior… ganhando ou perdendo, teu candidato ficará como uma nuvem radioativa pairando sobre nossas cabeças a assombrar o futuro.
– Só Deus para nos salvar… o que eu escuto é que: só os fora da lei estão apavorados… na questão política, não entendo nada, sou uma verdadeira alienada. A única coisa que vejo é que estamos vivendo num mar de lama e que alguém tem que por ordem nessa baderna. Seja quem for, assim é que não pode permanecer.
– Beleza, prima… continue sem entender nada, faz bem à vista. E obrigado por me considerar um fora da lei, isto me deixa muito mas muito apavorado mesmo. Ah, espero que mantenhas tua coerência e não votes no candidato a governador do teu estado, eleito por três vezes e muito bem avaliado nacionalmente. Ele é 13, sabia? E tem o desplante de manter um programa vagabundo chamado Samu Aéreo que, semana passada, teve a ousadia de ir até a cidade dos nossos avós buscar a (…) para realizar um cateterismo na capital. Tens toda razão, precisamos livrar o Brasil dessa baderna.



sábado, 20 de julho de 2019

Estado Policial S.A. - Um paraíso liberal


Google Imagens 



A democracia é um regime de equilíbrio delicado. Em meio a tiranos esclarecidos, bandidos inteligentes, democratas frouxos e estúpidos de todas as cores, vicejam os manjados liberais: aqueles que jamais se arriscam em mudanças (a não ser que vejam polpudas vantagens em seus horizontes) e por isso são chamados de abomináveis. Foi da boca de um deles que saiu a frase: em bolso que está ganhando não se mexe.
Vez por outra, surgem abalos no tecido frágil da democracia. E dado que nós, brasileiros, temos pouca experiência nesta área, além de uma prática de baixíssima qualidade, tudo indica que caminhamos novamente em direção de uma singularidade.
E desta vez, o horizonte nos aponta uma inusitada distopia: um estado policial governado por… banqueiros – os sujeitos mais liberais do mundo, coadjuvados por gorilas de todos os tamanhos e coturno além de uma malta de badboysaqueles tais que sempre surgem das sombras do fundo da sala com a salvadora promessa de dar um “corretivo” na vadia da democracia.
E aí me vem à lembrança o filme Robocop – O policial do futuro. Sobretudo, salta da memória o fato de, naquela ficção, o serviço de segurança opera entregue à iniciativa privada.
Assalta-me então a perspectiva de termos Forças Armadas (Exército, Marinha, Aeronáutica) e mesmo Serviços de Inteligência e Contra-Inteligência do Estado, geridos por executivos oriundos das melhores business school do planeta… sentiram o drama?
Um estado policial urgido pelo deus-mercado. Com ações na bolsa e sujeito às flutuações monetárias. O estado dos sonhos de todos os liberais do planeta. Um mundo onde até a repressão, prisão, tortura e morte transforma-se em negócio lucrativo controlado pelo Banco Central e respaldado pela doutrina da prosperidade contida nas pregações dos melhores e mais ricos televangelistas da paróquia.
E não haverá remorso (exceção à perda de capital) porque, num mundo assim, sem choro nem vela, tudo estará escancarado, não haverá pudor e deus é conosco. Ninguém terá vergonha de investir suas economias nas melhores e mais competentes tiranias e ditaduras existentes pelo mundo afora, desde que elas façam crescer o nosso patrimônio.
Afinal, do Estado não se espera mais nada. Mesmo porque prescindirá de cidadãos para legitimá-lo, agora que teremos apenas acionistas, investidores e dizimistas à cata de uma razoável taxa de retorno.



sábado, 8 de junho de 2019

humano demasiado humano


Face and Space, Nina Tokhtaman Valetova, 2015



… o inimigo público número um lê a bíblia todo dia
o torturador aprecia música clássica e livro de autoajuda
o mestre da infâmia adora ajudar velhinhas a atravessar a rua
o homem cordial não tem um pingo de empatia
o sonegador de impostos exige nota fiscal
o cara mais rico do mundo tem baixíssima autoestima
o ateu empedernido não abandona seu patuá
o dono da verdade não consegue fazer amigos
o abnegado filantropo é um tremendo mão de vaca
o cara mais honesto da paróquia adora uma fofoca
o moralista de plantão é rude com a mãe
o gênio da raça adora cheirar o próprio peido
o maior poeta vivo come caca de nariz
a mulher mais bonita do planeta tem um mau hálito incurável…



sábado, 16 de março de 2019

O instrumento


Project design stage for a fitness, Fernand Lager, 1935



Mandaram a minha instrutora embora: corte de custos. Fiquei sozinho nesse mundo mecânico de moldar e manter músculos. Estou triste. Com quem irei trocar beijinhos, três vezes por semana?
Com o novo instrutor é que não - eis um gritador, marcador de movimentos, como se estivesse nalgum filme de superação – daqueles bem piegas… Larga do meu pé, sujeito chato, chega de mantras e exortações… 1,2,3,4… 4,3,2,1… Vamos lá!
Preciso de mais carinho. Preciso que a Lilian volte. Porém, o sistema diz que ela é um ponto fora da curva do lucro e portanto foi dispensada, assim, sem dó nem piedade.
E nós ficamos… a menina do violino, o garoto do carro branco, o executivo de férias, a família que malha unida… solos e mudos, sem olhar nos olhos dos outros…
Os donos estão bem, nós é que não.
Caí numa armadilha. Deixei de caminhar duas horas no parque da Universidade e agora tenho que ficar levantando peso, um quilometro distante de casa, por culpa do cardiologista da clínica de geriatria que adquiriu controle sobre a minha vida baseado numa única preocupação: evitar que eu baixe hospital e venha a dê despesa pro governo.
Quero voltar ao começo. Quando disse pra Lilian que tinha colocado uma ponte de safena e que precisava ganhar força e ela me disse, sem que eu perguntasse, que era casada com outra menina e estavam felizes em busca de um novo apartamento e que eu lembrava seu pai mas que era diferente por conta de que ele nunca aceitara seu convite de treinar pra perder a barriga… naquela tarde bateu uma química. Logo que chegava, vinha eu com minha saudade e ela ofertava seu sorriso doce e a vida ficava maravilhosa por alguns minutos.
Agora estou triste. Cada vez mais difícil fazer amigos. Temo que acabarei sozinho, ao lado daquele instrutor meia boca, que só sabe gritar, ser antipático e trabalhar para produzir instrumentos fortes e burros.


domingo, 7 de outubro de 2018

Diálogo no dia da eleição


Google Imagens



(Alguém publica, numa rede social, uma foto da letra B, em verde e amarelo, de tal modo a lembrar o número 13)
- Propaganda subliminar: tem um 13 nessa letra… kkkk
- Você hein? Tá vendo moço..... é um B maiúsculo do tamanho de um gigante.
- É que a letra B forma o número 13… não reparaste, olhe direito.
- Meu primo, com todo respeito, vermelho no centro do verde e amarelo não combina, concorda?
- Tá bom… que o 13 continue sendo o vosso pior pesadelo… bom domingo… ah, quando, eventualmente – tua fé te proteja – precisares de uma transfusão de sangue, exija sangue amarelo, combinado?
- Moço de Deus! Apelar não vale.
- Apelando, eu? Vocês querem transformar o país numa pátria de canalhas, oportunistas, misóginos, racistas, homofóbicos e torturadores confessos e tem o desplante de dizer que apelo? Que o futuro tenha piedade de todos nós. Diga-me uma coisa, prima: num futuro governo Bolsonaro, por minha consciência, serei considerado alguém passível de perseguição, tortura, desaparecimento e até morte… pergunto: você me defenderá?
- Ah, primo, suposição não vale…
- Vai vendo, prima… vai vendo… depois não diga que não foste avisada… é bom ir se preparando pro pior… ganhando ou perdendo, teu candidato ficará como uma nuvem radioativa pairando sobre nossas cabeças a assombrar o futuro.
- Só Deus para nos salvar… o que eu escuto é que: só os fora da lei estão apavorados… na questão política, não entendo nada, sou uma verdadeira alienada. A única coisa que vejo é que estamos vivendo num mar de lama e que alguém tem que por ordem nessa baderna. Seja quem for, assim é que não pode permanecer.
- Beleza, prima… continue a lavar as mãos… e obrigado por me considerar um fora da lei, porque estou muito, mas muito apavorado mesmo. Ah, espero que mantenhas tua coerência e não votes no candidato a governador do teu estado, eleito por três vezes e muito bem avaliado nacionalmente. Ele é 13, sabia? E tem a cara de pau de manter um programa vagabundo chamado Samu Aéreo que, semana passada, teve a ousadia de ir até a cidade dos nossos avós buscar a nossa prima para realizar um cateterismo na capital. Tens toda razão, o Brasil precisa mesmo do teu bom cristão, alguém que tenha trabalhado tanto pelo seu estado que por lá, hoje em dia, não existe viva alma que não usufrua da paz, a paz dos cemitérios.


sábado, 6 de outubro de 2018

Fábula Estúpida


Personagens do Mamulengo Presepada, Brasília-DF



No Reino do Bafafá, era uma vez, um capetão da cavernas (também conhecido como o inominável) que um belo dia, na padaria da esquina, onde toda tarde tomava um sisudo cafezinho, encontrou uma viúva (conhecida na vizinhança como a baranga histérica) e logo deram de trocar umas ideias. Conversa vai, conversa vem, decidiram (para espanto geral) que era hora de juntarem armas.
Feitos os acordos, emendaram os fios dos bigodes e após tomarem posse da vaquinha arrecadada pela seita que os uniu, foram passar a lua de mel na Casa de Noca - reduto de uma massa destra e bastante fashion, a crème de la crème de uma seleta brava gente de patrióticos e brancos corações.
Quando chegou a hora do onça beber água, quer dizer, na hora de botar a rotina pra funcionar, ela, dona de uma rede de mercadinhos, louca de pedra pelo retorno da dita-dura (que a tempos não curtia) começou a perceber que dois e dois não resultavam quatro e tratou de botar olheiros para monitorar as escapadelas do varão.
E não é que o belo saía para se encontrar ora com uma loira recatada e do lar, ora com uma ruiva limpinha e cheirosa… e houve vezes até que foi filmado, gravado e fotografado dentro de uma quitinete (devidamente preparada para abater incautos de qualquer sexo) com um halterofilista desempregado conhecidíssimo na baixada pela alcunha de prepúcio glande.
A bocca chiusa comenta-se que, o musculoso levantador de pesos mortos, após acalentar a baioneta, por várias e repetidas vezes, diante de um público ávido por emoções baratas, conseguira do capetão (agora presidente da cadeia varejista de secos e molhados da mulher) uma boquinha como gerente de marketing encarregado de criar frases de efeitos para serem esculpidas em letras de fogo logo acima das tabelas de preços.
Na hora, sem pensar, o bruto e serelepe prepúcio cuspiu algo que vivia guardado a sete chaves em seu caderno de notas com jeitão de diário: “Literatura, Filosofia, Sociologia e Arte são ótimas para libertar a mente mas quem precisa de liberdade se a boa e velha Sacanagem nos mantém com os pés no chão”.
Encantado com a perspicácia e charme do seu tonitruante auxiliar o capetão se riu tanto que estourou-lhe as pregas. Estimulado, prepúcio aproveitou a oportunidade para tecer elogio ao seu tripé macroeconômico, declarando-se pronto para desenvolver, para gáudio da indústria nacional, uma potente e monumentosa produtora de filmes educativos sexualmente, totalmente customizados e ao gosto do cliente.
Fula da vida (porque puta ela não podia ficar, sob pena de pisotear seus próprios princípios) a baranga histérica, que tudo vira e ouvira, sem pestanejar, em sua tela de plasma e agora, absoluta e definitivamente recalcada, vendo que seus encantos de fêmea de nada lhe valiam, resolveu enfiar o dedo nas fuças do marido, chamando-o, na cara dura de, nada mais nada menos, um tremendo viado boiola e baitola desmunhecado da silva, logo que ele lhe pedisse para servir o jantar. Vixe, praquê! Suas amídalas foram parar do outro lado do Atlântico, vítimas de um cirúrgico pescoção nos cornos.
Decidida a buscar justissa a qualquer preço, deu uma chegada no quartel mais próximo de casa e registrou queixa, em nome da moral e dos bons costumes. Porém, a cúpula judiciária-midiática-militar, sorteada para julgar o caso, baseada da teoria da dependência, decidiu pela nulidade do processo sob a alegação de que o principio “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”, supera todas as disposições em contrário.
A baranga histérica ainda cogitou buscar outros meios de reparação mas, como haviam sido revogados todos os outros meios, engendrou derramar água quente no ouvido do cônjuge. E foi assim que viveram infelizes para sempre.
Moral da história: em terra dos tais homens de bem, ninguém vale um vintém.



sábado, 18 de agosto de 2018

Comer e pensar é só sentar


Sailor at Breakfast, Diego Rivera, 1914


Circunstâncias me obrigam a almoçar em boteco. Todo santo dia, lá me vou em busca de um bom comercial, numa das inúmeras bodegas que pululam na minha rua, mesmo sabendo que terei que engolir um acompanhamento bastante desagradável: a televisão ligada - em geral, naquele canal que não gosto de pronunciar o nome. Hoje não foi diferente. Quer dizer, foi. Fui tomado por estranha, irresistível e inexplicável necessidade de me sentar diante de uma tela de plasma.
À primeira garfada, me chamou atenção um quadro no qual uma especialista em mercado de trabalho (ou mais precisamente, em desemprego) respondia perguntas de pessoas devidamente selecionadas justamente por se encontrarem (a bastante tempo) na incômoda situação de ter que procurar sarna pra se coçar, ups… trabalho.
E, a cada um, a profissional convidada dedicou assertivas que me fizeram crer que o problema do desemprego é de responsabilidade única e exclusivamente do indivíduo desempregado. Foram conselhos do tipo “aceite redução de salário”; “conte com a tua rede de amigos”; “elabore um currículo atraente, detalhe cada experiência”; “considere contratar um coaching”… que não deixaram dúvida quanto a ausência de responsabilidade dos governos e dos empresários. Deste modo, na sua abalizada opinião (e certamente na da apresentadora e da emissora que a emprega), só fica desempregado quem quer. E esta foi a mensagem do programa que foi encerrado ao som de um vetusto cantor de iê-iê-iê romântico, renascido das cinzas para abrilhantar aquele final de manhã assombrosamente friorenta com queda sistemática de energia (a conta não falha nunca!).
Junto aos meus botões, que insistem em pensar na nossa elite maligna e mesquinha, me vem à mente aquele personagem classe-média que beija o chicote que o açoita por preguiça, ignorância, medo, masoquismo ou (mais provável) pura má-fé. Quase engasgo com um bocado de purê com um pouco de um suposto molho de camarão.
E ao abocanhar o último pedaço do filé de peixe empanado, lembrei de uma matéria recente num informativo online na qual o articulista, numa constatação apocalíptica, menciona que os dois grandes agentes responsáveis pela educação popular no Brasil, são as igrejas evangélicas e a televisão. E dado o estrago já causado, qualquer esforço para reverter este quadro resultará inútil.
Paguei a conta e saí com o compromisso de revirar os programas de todos candidatos a alguma coisa nas próximas eleições só pra sentir o que os nossos futuros representantes têm a dizer sobre o assunto. Não que a opinião deles vá mudar alguma coisa. Não vai. Cogitei, num gesto de desespero, procurar então candidatos que defendesse a seguinte plataforma: se tudo é iniciativa individual, se não existe resposta coletiva às nossas mazelas, entreguemos de vez o governo das coisas à alguma empresa privada e vamos todos em busca de especialistas que possam dar um upgrade nas nossas vidas.
No caminho de volta pra casa, percebi o quanto sou tardo. Isto já acontece bem diante dos nossos olhos e barbas. As grandes empresas, religiosas ou não, já trazem tudo dominado. E, de acordo com o melhor modelo de gestão, importado diretamente dos grandes centros de decisão, o voto deve ser facultativo e a única censura deve ser a do controle remoto. Afinal, toda boa empresa que se preze, oferece exatamente o que o mercado consumidor necessita: um governo qualificado, governo dos melhores, governo de notáveis, absolutamente vacinado contra a corrupção, a mentira e a falsidade.
A requalificadora no programa matinal que o diga.



sábado, 31 de março de 2018

programa para uma política majoritariamente sem vergonha



Horse Political, Alexander Roitburd, 2009




  • coloque-se acima de todos, com uma boa margem de segurança (não interessa como)
  • bote um deus no coração e a classe média no bolso
  • divida o mundo entre mocinhos e bandidos
  • invente um bode expiatório e fixe nele a pior imagem de si mesmo
  • persiga pornograficamente uns e blinde desavergonhadamente outros
  • distribua botons com a bandeira da ordem, da pátria e da família
  • demonize as minorias
  • culpe sempre a vítima
  • terceirize a morte de, pelo menos, um pobre por dia
  • humilhe, sem trégua e sem remorso, os sobreviventes até que desistam de si e passem a acreditar que, longe do teu tacão, não existe salvação
  • dissemine ódio e nojo a tudo que lhe for contrário
  • jamais preste contas dos teus feitos, afinal o indivíduo é livre para fazer o que bem entender e, pensando bem, ninguém paga tuas contas
  • mantenha e aprofunde o sistema de classes e a isto chame de meritocracia
  • transforme em virtude todo que for banal, venal e/ou imoral
  • injete montanhas de recursos, a fundo perdido, numa mídia que infantilize e imbecilize o maior número de mentes disponíveis
  • sempre que fizeres um mal feito, aponte imediatamente o mal feito do outro
  • dê rédeas soltas ao sistema judiciário, ao complexo militar e, principalmente, ao capital estrangeiro e seus derivados
  • para satisfação das massas tenha sempre à mão: sexo, drogas e muita música chiclete
  • possua uma trupe de exímios especialistas que prove por a mais b que toda riqueza tem dono e por isto TUDO deve ser privatizado
  • nunca brigue suas brigas, mande sempre alguns pistoleiros, e/ou pelotão de choque, resolver a questão
  • desdenhe, mas desdenhe com gosto… fale mal, cuspa diariamente na mão que te alimenta, para que nunca te acusem de conivência com o atraso, com a ignorância ou com o subdesenvolvimento
  • jamais assuma tua torpeza (ou erros de português), porque o segredo do sucesso é acreditar piamente na própria mentira (sem contudo morrer por ela) 



sábado, 1 de julho de 2017

Silêncio


The Flying Bed, Frida Kahlo, 1932


Três lugares que não gosto de entrar: delegacia, hospital e repartição pública. Devo ter entrado umas duas vezes numa delegacia por motivos que fugiam totalmente ao meu controle. E justamente por motivos que fogem ao nosso controle entramos num hospital. Já numa repartição pública, em geral, perdemos o controle.
Na semana retrasada levei minha mãe a um pronto socorro: Insuficiência respiratória e cansaço extremo a torturavam. Descobriram tratar-se de coisa grave, com consequências nada promissoras para os sistemas pulmonar, renal e cardíaco.
Decidiu-se por internação imediata e lá fui eu, compulsoriamente, internar-me numa poltrona ao lado do leito, por duas semanas, dormindo não mais de quatro horas por noite - com sorte.
E não é que, entre uma voltinha e outra para arejar a cabeça, senti falta de algo. Algo que não vejo há muito tempo. Bem, não faz tanto tempo assim, se levarmos em conta o nosso curto tempo de vida.
Falo de um item obrigatório em toda e qualquer parede de hospital uma foto (ou seria gravura?) de uma enfermeira com o dedo indicador sobre os lábios a nos solicitar silêncio, nos informando tratar-se ali de um local de circunspecção.
É certo que hospitais surgiram do esforço de comunidades religiosas e foram durante muito tempo administrados por religiosos. Daí surgir, certamente, aquela reverência diante da dor e da morte exigida pela moça de branco.
Porém, com a mercantilização da medicina, a piedade e a misericórdia saíram de fininho. E na mercantilização da vida, administrada por uma burocracia insensivelmente desumana, a reverência cedeu lugar a informalidade do banal.
Dessacralizar o exercício da medicina, levar o paciente a sentir-se em casa, ajuda na recuperação, lembram-me. E logo em seguida constato que o tom de voz nas dependências de um hospital está alguns decibéis mais alta.
Não raro, vemos em salas de visitas, televisores com volumes altíssimos, em programas policiais, novelas e antessala dalguma celebridade, enquanto pacientes, enfermeiros, auxiliares, pessoal da limpeza, vigilantes, administrativos, residentes, etc., etc., trocam impressões como se estivessem num botequim. Nos supermercados somos muito mais reverentes.
Dirão que exagero… Que cada povo deve buscar afirmar-se em seus próprios valores, atitudes e ideais e justamente por sermos o país do carnaval e do futebol, somos assim expansivos, inquietos e exuberantes… Concordo plenamente. Mas por quanto tempo ainda preferimos tagarelar ao invés de praticarmos o sábio exercício da introspecção? E aí, olho pra mim e vejo o quanto sou impulsivo, o quanto me assusta o que não sei, o quanto me apavora e exaspera aquilo que não é igual.
De qualquer modo, registro aqui que o atendimento excedeu as minhas expectativas em se tratando de um hospital público. Sinto-me agradecido e dou vivas as nossas melhores qualidades e aos profissionais que as exercitam. Contudo, não posso deixar de mencionar aquela pequena autoridade que nos recebe na entrada com um angustiante “na onde o senhor vai?”
Em momentos como esse fico dividido: Somos um caso de polícia, uma questão de saúde pública ou apenas um erro de concordância?