sábado, 16 de novembro de 2019

A vida como ela é


Katya still life, Zenaida Serebriakova, 1923



- Mãe, não gosto de repolho.
- Coma, é o que tem.

Houve um tempo em que, na minha iluminada ignorância, achava que, no mundo, deveriam existir apenas as coisas que fossem do meu gosto e agrado.

Invariavelmente chateado por ter de comer aquilo que repugnava meu “nobre” paladar, ficava a imaginar porque o mundo era assim... Por que quiabo, maxixe, abóbora, tomate, alho, espinafre, agrião, beterraba, cenoura e repolho existiam?

E imediatamente, me punha a inventar um mundo onde tais “coisas desagradáveis” haviam sido eliminadas e restasse apenas o paraíso, isto é, um mundo feito exclusivamente de confeitos, salgadinhos, sorvetes, bifes e muito macarrão.

Mas aí cresci e, embora defeituoso, um dia lembrei daquele diálogo com minha pragmática e sábia mãe e compreendi que a vida é feita também daquilo que me desagrada e que, de nada presta esbravejar, sair por aí pedindo a destruição das verduras e legumes, a proibição de seu comércio nas feiras e supermercados, a erradicação definitiva de suas lavouras, a prisão, tortura e morte daqueles que as cultivam... Não, nada que eu faça, impedirá que vegetais continuem a fazer parte de dieta saudável, mesmo que eu continue a preferir um sanduba ao invés de uma bela e quentinha sopa de cebolas.

Idealmente posso pensar um mundo apenas com as coisas do meu agrado, mas a vida irá sempre colocar diante do meu nariz tudo que me desagrada.

E mais, se busco destruir aquilo que me aborrece, corro o risco de destruir a mim mesmo, pois gosto e desgosto fazem parte de um mesmo ecossistema: destruindo um, inevitavelmente destruo também o outro.

A verdade é que devo ser forte, amar a vida como ela é: só assim consigo penetrar nesse mundo de contrastes evitando acabar condenado a sobreviver na superfície, fraco, solitário, marginal, intolerante e triste.



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