sábado, 1 de julho de 2017

Silêncio


The Flying Bed, Frida Kahlo, 1932


Três lugares que não gosto de entrar: delegacia, hospital e repartição pública. Devo ter entrado umas duas vezes numa delegacia por motivos que fugiam totalmente ao meu controle. E justamente por motivos que fogem ao nosso controle entramos num hospital. Já numa repartição pública, em geral, perdemos o controle.
Na semana retrasada levei minha mãe a um pronto socorro: Insuficiência respiratória e cansaço extremo a torturavam. Descobriram tratar-se de coisa grave, com consequências nada promissoras para os sistemas pulmonar, renal e cardíaco.
Decidiu-se por internação imediata e lá fui eu, compulsoriamente, internar-me numa poltrona ao lado do leito, por duas semanas, dormindo não mais de quatro horas por noite - com sorte.
E não é que, entre uma voltinha e outra para arejar a cabeça, senti falta de algo. Algo que não vejo há muito tempo. Bem, não faz tanto tempo assim, se levarmos em conta o nosso curto tempo de vida.
Falo de um item obrigatório em toda e qualquer parede de hospital uma foto (ou seria gravura?) de uma enfermeira com o dedo indicador sobre os lábios a nos solicitar silêncio, nos informando tratar-se ali de um local de circunspecção.
É certo que hospitais surgiram do esforço de comunidades religiosas e foram durante muito tempo administrados por religiosos. Daí surgir, certamente, aquela reverência diante da dor e da morte exigida pela moça de branco.
Porém, com a mercantilização da medicina, a piedade e a misericórdia saíram de fininho. E na mercantilização da vida, administrada por uma burocracia insensivelmente desumana, a reverência cedeu lugar a informalidade do banal.
Dessacralizar o exercício da medicina, levar o paciente a sentir-se em casa, ajuda na recuperação, lembram-me. E logo em seguida constato que o tom de voz nas dependências de um hospital está alguns decibéis mais alta.
Não raro, vemos em salas de visitas, televisores com volumes altíssimos, em programas policiais, novelas e antessala dalguma celebridade, enquanto pacientes, enfermeiros, auxiliares, pessoal da limpeza, vigilantes, administrativos, residentes, etc., etc., trocam impressões como se estivessem num botequim. Nos supermercados somos muito mais reverentes.
Dirão que exagero… Que cada povo deve buscar afirmar-se em seus próprios valores, atitudes e ideais e justamente por sermos o país do carnaval e do futebol, somos assim expansivos, inquietos e exuberantes… Concordo plenamente. Mas por quanto tempo ainda preferimos tagarelar ao invés de praticarmos o sábio exercício da introspecção? E aí, olho pra mim e vejo o quanto sou impulsivo, o quanto me assusta o que não sei, o quanto me apavora e exaspera aquilo que não é igual.
De qualquer modo, registro aqui que o atendimento excedeu as minhas expectativas em se tratando de um hospital público. Sinto-me agradecido e dou vivas as nossas melhores qualidades e aos profissionais que as exercitam. Contudo, não posso deixar de mencionar aquela pequena autoridade que nos recebe na entrada com um angustiante “na onde o senhor vai?”
Em momentos como esse fico dividido: Somos um caso de polícia, uma questão de saúde pública ou apenas um erro de concordância?


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