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sábado, 6 de outubro de 2018

Fábula Estúpida


Personagens do Mamulengo Presepada, Brasília-DF



No Reino do Bafafá, era uma vez, um capetão da cavernas (também conhecido como o inominável) que um belo dia, na padaria da esquina, onde toda tarde tomava um sisudo cafezinho, encontrou uma viúva (conhecida na vizinhança como a baranga histérica) e logo deram de trocar umas ideias. Conversa vai, conversa vem, decidiram (para espanto geral) que era hora de juntarem armas.
Feitos os acordos, emendaram os fios dos bigodes e após tomarem posse da vaquinha arrecadada pela seita que os uniu, foram passar a lua de mel na Casa de Noca - reduto de uma massa destra e bastante fashion, a crème de la crème de uma seleta brava gente de patrióticos e brancos corações.
Quando chegou a hora do onça beber água, quer dizer, na hora de botar a rotina pra funcionar, ela, dona de uma rede de mercadinhos, louca de pedra pelo retorno da dita-dura (que a tempos não curtia) começou a perceber que dois e dois não resultavam quatro e tratou de botar olheiros para monitorar as escapadelas do varão.
E não é que o belo saía para se encontrar ora com uma loira recatada e do lar, ora com uma ruiva limpinha e cheirosa… e houve vezes até que foi filmado, gravado e fotografado dentro de uma quitinete (devidamente preparada para abater incautos de qualquer sexo) com um halterofilista desempregado conhecidíssimo na baixada pela alcunha de prepúcio glande.
A bocca chiusa comenta-se que, o musculoso levantador de pesos mortos, após acalentar a baioneta, por várias e repetidas vezes, diante de um público ávido por emoções baratas, conseguira do capetão (agora presidente da cadeia varejista de secos e molhados da mulher) uma boquinha como gerente de marketing encarregado de criar frases de efeitos para serem esculpidas em letras de fogo logo acima das tabelas de preços.
Na hora, sem pensar, o bruto e serelepe prepúcio cuspiu algo que vivia guardado a sete chaves em seu caderno de notas com jeitão de diário: “Literatura, Filosofia, Sociologia e Arte são ótimas para libertar a mente mas quem precisa de liberdade se a boa e velha Sacanagem nos mantém com os pés no chão”.
Encantado com a perspicácia e charme do seu tonitruante auxiliar o capetão se riu tanto que estourou-lhe as pregas. Estimulado, prepúcio aproveitou a oportunidade para tecer elogio ao seu tripé macroeconômico, declarando-se pronto para desenvolver, para gáudio da indústria nacional, uma potente e monumentosa produtora de filmes educativos sexualmente, totalmente customizados e ao gosto do cliente.
Fula da vida (porque puta ela não podia ficar, sob pena de pisotear seus próprios princípios) a baranga histérica, que tudo vira e ouvira, sem pestanejar, em sua tela de plasma e agora, absoluta e definitivamente recalcada, vendo que seus encantos de fêmea de nada lhe valiam, resolveu enfiar o dedo nas fuças do marido, chamando-o, na cara dura de, nada mais nada menos, um tremendo viado boiola e baitola desmunhecado da silva, logo que ele lhe pedisse para servir o jantar. Vixe, praquê! Suas amídalas foram parar do outro lado do Atlântico, vítimas de um cirúrgico pescoção nos cornos.
Decidida a buscar justissa a qualquer preço, deu uma chegada no quartel mais próximo de casa e registrou queixa, em nome da moral e dos bons costumes. Porém, a cúpula judiciária-midiática-militar, sorteada para julgar o caso, baseada da teoria da dependência, decidiu pela nulidade do processo sob a alegação de que o principio “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”, supera todas as disposições em contrário.
A baranga histérica ainda cogitou buscar outros meios de reparação mas, como haviam sido revogados todos os outros meios, engendrou derramar água quente no ouvido do cônjuge. E foi assim que viveram infelizes para sempre.
Moral da história: em terra dos tais homens de bem, ninguém vale um vintém.



sábado, 18 de agosto de 2018

Comer e pensar é só sentar


Sailor at Breakfast, Diego Rivera, 1914


Circunstâncias me obrigam a almoçar em boteco. Todo santo dia, lá me vou em busca de um bom comercial, numa das inúmeras bodegas que pululam na minha rua, mesmo sabendo que terei que engolir um acompanhamento bastante desagradável: a televisão ligada - em geral, naquele canal que não gosto de pronunciar o nome. Hoje não foi diferente. Quer dizer, foi. Fui tomado por estranha, irresistível e inexplicável necessidade de me sentar diante de uma tela de plasma.
À primeira garfada, me chamou atenção um quadro no qual uma especialista em mercado de trabalho (ou mais precisamente, em desemprego) respondia perguntas de pessoas devidamente selecionadas justamente por se encontrarem (a bastante tempo) na incômoda situação de ter que procurar sarna pra se coçar, ups… trabalho.
E, a cada um, a profissional convidada dedicou assertivas que me fizeram crer que o problema do desemprego é de responsabilidade única e exclusivamente do indivíduo desempregado. Foram conselhos do tipo “aceite redução de salário”; “conte com a tua rede de amigos”; “elabore um currículo atraente, detalhe cada experiência”; “considere contratar um coaching”… que não deixaram dúvida quanto a ausência de responsabilidade dos governos e dos empresários. Deste modo, na sua abalizada opinião (e certamente na da apresentadora e da emissora que a emprega), só fica desempregado quem quer. E esta foi a mensagem do programa que foi encerrado ao som de um vetusto cantor de iê-iê-iê romântico, renascido das cinzas para abrilhantar aquele final de manhã assombrosamente friorenta com queda sistemática de energia (a conta não falha nunca!).
Junto aos meus botões, que insistem em pensar na nossa elite maligna e mesquinha, me vem à mente aquele personagem classe-média que beija o chicote que o açoita por preguiça, ignorância, medo, masoquismo ou (mais provável) pura má-fé. Quase engasgo com um bocado de purê com um pouco de um suposto molho de camarão.
E ao abocanhar o último pedaço do filé de peixe empanado, lembrei de uma matéria recente num informativo online na qual o articulista, numa constatação apocalíptica, menciona que os dois grandes agentes responsáveis pela educação popular no Brasil, são as igrejas evangélicas e a televisão. E dado o estrago já causado, qualquer esforço para reverter este quadro resultará inútil.
Paguei a conta e saí com o compromisso de revirar os programas de todos candidatos a alguma coisa nas próximas eleições só pra sentir o que os nossos futuros representantes têm a dizer sobre o assunto. Não que a opinião deles vá mudar alguma coisa. Não vai. Cogitei, num gesto de desespero, procurar então candidatos que defendesse a seguinte plataforma: se tudo é iniciativa individual, se não existe resposta coletiva às nossas mazelas, entreguemos de vez o governo das coisas à alguma empresa privada e vamos todos em busca de especialistas que possam dar um upgrade nas nossas vidas.
No caminho de volta pra casa, percebi o quanto sou tardo. Isto já acontece bem diante dos nossos olhos e barbas. As grandes empresas, religiosas ou não, já trazem tudo dominado. E, de acordo com o melhor modelo de gestão, importado diretamente dos grandes centros de decisão, o voto deve ser facultativo e a única censura deve ser a do controle remoto. Afinal, toda boa empresa que se preze, oferece exatamente o que o mercado consumidor necessita: um governo qualificado, governo dos melhores, governo de notáveis, absolutamente vacinado contra a corrupção, a mentira e a falsidade.
A requalificadora no programa matinal que o diga.



sábado, 31 de março de 2018

programa para uma política majoritariamente sem vergonha



Horse Political, Alexander Roitburd, 2009




  • coloque-se acima de todos, com uma boa margem de segurança (não interessa como)
  • bote um deus no coração e a classe média no bolso
  • divida o mundo entre mocinhos e bandidos
  • invente um bode expiatório e fixe nele a pior imagem de si mesmo
  • persiga pornograficamente uns e blinde desavergonhadamente outros
  • distribua botons com a bandeira da ordem, da pátria e da família
  • demonize as minorias
  • culpe sempre a vítima
  • terceirize a morte de, pelo menos, um pobre por dia
  • humilhe, sem trégua e sem remorso, os sobreviventes até que desistam de si e passem a acreditar que, longe do teu tacão, não existe salvação
  • dissemine ódio e nojo a tudo que lhe for contrário
  • jamais preste contas dos teus feitos, afinal o indivíduo é livre para fazer o que bem entender e, pensando bem, ninguém paga tuas contas
  • mantenha e aprofunde o sistema de classes e a isto chame de meritocracia
  • transforme em virtude todo que for banal, venal e/ou imoral
  • injete montanhas de recursos, a fundo perdido, numa mídia que infantilize e imbecilize o maior número de mentes disponíveis
  • sempre que fizeres um mal feito, aponte imediatamente o mal feito do outro
  • dê rédeas soltas ao sistema judiciário, ao complexo militar e, principalmente, ao capital estrangeiro e seus derivados
  • para satisfação das massas tenha sempre à mão: sexo, drogas e muita música chiclete
  • possua uma trupe de exímios especialistas que prove por a mais b que toda riqueza tem dono e por isto TUDO deve ser privatizado
  • nunca brigue suas brigas, mande sempre alguns pistoleiros, e/ou pelotão de choque, resolver a questão
  • desdenhe, mas desdenhe com gosto… fale mal, cuspa diariamente na mão que te alimenta, para que nunca te acusem de conivência com o atraso, com a ignorância ou com o subdesenvolvimento
  • jamais assuma tua torpeza (ou erros de português), porque o segredo do sucesso é acreditar piamente na própria mentira (sem contudo morrer por ela) 



sábado, 1 de julho de 2017

Silêncio


The Flying Bed, Frida Kahlo, 1932


Três lugares que não gosto de entrar: delegacia, hospital e repartição pública. Devo ter entrado umas duas vezes numa delegacia por motivos que fugiam totalmente ao meu controle. E justamente por motivos que fogem ao nosso controle entramos num hospital. Já numa repartição pública, em geral, perdemos o controle.
Na semana retrasada levei minha mãe a um pronto socorro: Insuficiência respiratória e cansaço extremo a torturavam. Descobriram tratar-se de coisa grave, com consequências nada promissoras para os sistemas pulmonar, renal e cardíaco.
Decidiu-se por internação imediata e lá fui eu, compulsoriamente, internar-me numa poltrona ao lado do leito, por duas semanas, dormindo não mais de quatro horas por noite - com sorte.
E não é que, entre uma voltinha e outra para arejar a cabeça, senti falta de algo. Algo que não vejo há muito tempo. Bem, não faz tanto tempo assim, se levarmos em conta o nosso curto tempo de vida.
Falo de um item obrigatório em toda e qualquer parede de hospital uma foto (ou seria gravura?) de uma enfermeira com o dedo indicador sobre os lábios a nos solicitar silêncio, nos informando tratar-se ali de um local de circunspecção.
É certo que hospitais surgiram do esforço de comunidades religiosas e foram durante muito tempo administrados por religiosos. Daí surgir, certamente, aquela reverência diante da dor e da morte exigida pela moça de branco.
Porém, com a mercantilização da medicina, a piedade e a misericórdia saíram de fininho. E na mercantilização da vida, administrada por uma burocracia insensivelmente desumana, a reverência cedeu lugar a informalidade do banal.
Dessacralizar o exercício da medicina, levar o paciente a sentir-se em casa, ajuda na recuperação, lembram-me. E logo em seguida constato que o tom de voz nas dependências de um hospital está alguns decibéis mais alta.
Não raro, vemos em salas de visitas, televisores com volumes altíssimos, em programas policiais, novelas e antessala dalguma celebridade, enquanto pacientes, enfermeiros, auxiliares, pessoal da limpeza, vigilantes, administrativos, residentes, etc., etc., trocam impressões como se estivessem num botequim. Nos supermercados somos muito mais reverentes.
Dirão que exagero… Que cada povo deve buscar afirmar-se em seus próprios valores, atitudes e ideais e justamente por sermos o país do carnaval e do futebol, somos assim expansivos, inquietos e exuberantes… Concordo plenamente. Mas por quanto tempo ainda preferimos tagarelar ao invés de praticarmos o sábio exercício da introspecção? E aí, olho pra mim e vejo o quanto sou impulsivo, o quanto me assusta o que não sei, o quanto me apavora e exaspera aquilo que não é igual.
De qualquer modo, registro aqui que o atendimento excedeu as minhas expectativas em se tratando de um hospital público. Sinto-me agradecido e dou vivas as nossas melhores qualidades e aos profissionais que as exercitam. Contudo, não posso deixar de mencionar aquela pequena autoridade que nos recebe na entrada com um angustiante “na onde o senhor vai?”
Em momentos como esse fico dividido: Somos um caso de polícia, uma questão de saúde pública ou apenas um erro de concordância?


sábado, 3 de dezembro de 2016

História Pequenina

Grandfather with Child, 
Norval Morrisseau, s/data



Para netos e porvindouros


Um dia, uma garota chamada Virginia, passeava triste num jardim de esperanças, quando viu caído um passarinho de penas multicoloridas, moribundo. Reparou que lhe faltava uma das pernas - talvez arrancada por algum predador, pensou. 

Delicada, aconchegou o pequenino em suas mãos e correu pra pedir a um doutor que lhe dissesse como tratar as feridas do pobrezinho… 

Depois de muitos cuidados, ao cabo de algum tempo e contrariando todas as previsões, eis que o mortiço encontrou o caminho de volta à vida. 

Tranquilo e gentil, logo decidiu preencher a casa com a sua cantoria cheia de alegria e mágoa… Diamante era, diamante assim foi batizado. 

Porém, em manhã clara, um descuido da menina fez a porta da gaiola abrir o olho do seu Diamante que, manquitola, naturalmente voou… Sumiu no céu azul. 

A garota, diante da janela por onde viu escapar sua joia, desejosa de não sentir tanta falta daquele sereno gorjeio, imaginou esses versinhos solitários…

Diamante foi embora
Adeus meu cantador
Foi viver a liberdade
Deixou comigo uma dor.

Ai, ai, meu Diamante
Voa, voa sem parar
A saudade ó meu lindo
Restará em teu lugar.

Me lembro, dia claro
Tu, caído, moribundo
Uma perna já não tinhas
Ó que miséria de mundo

Uma nuvem de esperança
Te trouxe pra minha casa
E agora, somes assim
Num simples bater de asa?

Ai, ai, meu Diamante
Voa, voa sem parar
Só não voes pro céu da boca
De quem quer te devorar.



 

sábado, 26 de novembro de 2016

(des)Aforismos II


Collage, David Berliuk, 1914



Eu quase que nada não sei.
Mas desconfio de muita coisa.
Guimarães Rosa



Quando a inteligência recua a emoção impera.


Eis o tempo da pós-verdade: aguarda-se anulação da lei da gravidade.


Apesar das nossas vergonhas prósperas e gloriosas, continua vantajoso projetar safras de abonados escândalos belos e complexos.


Medíocres, em geral, ostentam grandes sentenças.


Pelo ritmo da dança, parece não haver justiça - apenas julgadores.


Os perversos, por suas péssimas condições morais, não conseguem descansar.


O futuro é o resultado do inexorável passado imerso na inconstância do presente.


O si mesmo é uma ficção, uma história que nos contaram.


A desnecessidade fere o conteúdo e desperdiça o olhar.


Viver é bem melhor que sobreviver. Afinal, estar enredado no agora, perplexo diante da irresolução da eternidade, é morte que não sabe morrer.


O poema não é saudade, não é tristeza… O poema, senhoras e senhores, é o ritmo natural das coisas. 





sábado, 15 de outubro de 2016

Manhã de Carnaval


Carnival, Diego Rivera, 1936




Perdido na floresta
Com o braço esquerdo quebrado,
Acossado por monstruosidades,
Penso apenas em acordar deste pesadelo.



Hoje, mais um desgraçado escoiceará um mendigo, mais um bom menino ateará fogo num índio, mais um estuprador fará da vítima culpada, mais um corrupto venderá a pátria e irá ao shopping com a família pegar um cineminha porque ninguém é de ferro enquanto um oportunista ganhará um nababesco bônus aplicando na bolsa a favor desse caos…

Hoje, mais uma escola será fechada, mais uma merenda roubada, mais um mestre esquecido, mais um hipócrita se locupletará sorridente e consagrado, mais uma alma sebosa se iniciará na vida pública à cata de privilégios e espaço nobre na mídia, enquanto a desigualdade prosperará à sombra desses enormes e fedidos cabedais…

Hoje, não faltarão programas de TV que exibirão exorcismos, demonizações, exaustivas mortes, assassinatos, assaltos, guerra entre gangues e entre vizinhos, brigas no trânsito, na escola, dentro de casa, montanha de drogas, toneladas de armas enquanto retroalimentam o ciclo vicioso que nos mantém reféns da violência, da crueldade e da desesperança…

Hoje, mais uma vez a doença será inventada e patenteada a cura em nome de um monopólio, mais um excluído haverá de morrer, totalmente dispensável, sem mérito e sem quinhão, direto pro beleléu apenas pra saciar a sanha perversa dos capitães-do-mato, cachorros loucos que vicejam às custas do Estado que lhe promove a guardiões…

Hoje, mais uma vez se crucificará um diferente no altar da sacrossanta opinião, mais uma vez a história se repetirá inexoravelmente como farsa, uma seita intolerante se engrandecerá com um discurso de ódio e um anticristo saído de suas hostes profetizará a irreversível desordem para que um exército lhe sustente o apetite por poder, dinheiro e sangue…

Hoje, mais um juiz não admitirá contestação à sua divindade, uma otoridade carente dará outra carteirada, uma sugar-babyfantasiada de barbiegarfará mais um escroto, um salafrário jurará que é honesto e lhe será concedido outro mandato enquanto experts inflacionarão o futuro em prol da liberdade dos ricos ficarem mais ricos e os pobres mais pobres.

Hoje, a mais valia continuará, saudável e sossegada, seu regime de engorda sob a promessa de que um dia o bolo será repartido pois se existimos a dois passos do paraíso é necessário foco no mérito, redobrado esforço, palestra motivacionais, livros de autoajuda, compromisso com metas e uma boa dose de covardia que é o que mais se compra hoje em dia…

Hoje, mais uma vez percebo que Ordem vale exclusivamente para muitos e que o Progresso é privativo de poucos (incluso a velhinha rentista da Ilha de Manhattan) e compreendo que estando condenado a uma relação assimétrica, onde as coisas fluem numa única direção, não tenho para onde fugir: vivo o fim do mundo, numa república de bananas sequestrada por canalhas.




sábado, 1 de outubro de 2016

Anônimos Parachoques II


Truck, Andy Warhol, 1964



Macho que é macho não navega na internet: atravessa a nado.


Peito de mulher é igual autorama: feito para criança mas só adulto brinca.


Onde quer que você esteja, você sempre estará lá.


É melhor duas abelhas voando do que uma na mão.


A mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer.


Todo mundo tem cliente. Apenas analista de sistemas e traficante possui usuário.


O mundo precisa de mais gênios humildes. Hoje em dia somos poucos.


Não confundas capitão de fragata com cafetão de gravata.


As nuvens são como chefes: quando desaparecem, o dia fica lindo.


Bebo pouco, mas este pouco me transforma em outra pessoa que bebe muito.





sábado, 17 de setembro de 2016

(des)Aforismos


Aphorism, Kurt Schwitters, 1923



A forma humana básica é feminina.
A masculinidade talvez seja um defeito de nascença.
Stella Gibson
(The Fall, série de TV)





1 – Antes havia tempo, hoje relógios.

2 – O preço da ordem é a eterna burocracia.

3 – Fazer a coisa certa exige uma vida de treinamento.

4 – Ato falho não tarda.

5 – Quando a solução é mágica, a crise é psíquica.

6 – A ira é o idioma dos perversos.

7 – Os ignorantes não se sentem culpados.

8 – Por natureza, o ser humano é neurótico.

9 – Tudo deriva do fato de que o mistério nos morde.

10 – Chega uma hora que é preciso se dar liberdade para esquecer.


sábado, 3 de setembro de 2016

Passo a passo para se tornar um medalhão golpista ou Machado de Assis que me desculpe mas, Bentinho, no seminário, fez troca troca com Escobar.


Hell, Hans Menling, 1485



  1. Nasça em berço de ouro (ou pirita, tanto faz).
  2. Seja um calhorda de vocação ou escolha. Ignóbil também serve - tem bastante aceitação. 
  3. Fale, desde cedo, a linguagem da força, da potência e da pressão. Comece furtando merenda dos coleguinhas, batendo nos mais fracos e odiando os diferentes.
  4. Repita pra si, diante do espelho, centenas de vezes ao dia: herança é mérito… herança é mérito… herança é mérito… Na falta da herança, repita várias vezes que o trabalho dignifica, principalmente quando estiveres na balada ou no sagrado banho de campagne (espumante não pode).
  5. Nunca, jamais, em hipótese alguma, nem em sonho, bata um prego numa estopa ou tenha a veleidade de realizar trabalhos manuais; compre todas as provas e trabalhos escolares; não esqueça de investir algum na aquisição da carteira de motorista.
  6. Durante a puberdade, faça questão de mostrar aos desavisados que você tem pai poderoso e costas quentíssimas. Na ausência de pai poderoso, pode ser um padrinho mesmo, daqueles que, no futuro, lamberás o solado das botas com o maior gosto e prazer, gesto que te ensinará a ser humilde e sempre beijar a mão que te esbofeteia.
  7. Seja generoso ao espalhar medo e terror ao seu redor: tudo que não for do teu interesse, ou a favor deles, considere crime de lesa pátria - coisa de comunistas e bolivarianos comedores de criancinhas (pode ser dito bem assim, de boca cheia, sem papas na língua). Acredite no seu direito à impunidade e jamais, jamais aceite colaboração de outrem (a não ser que pagues em dinheiro vivo ou depósito em conta, em nome de laranjas, nos paraísos fiscais). Lembre-se, finalmente, que: favor com favor se paga; é dando que se recebe; na vida é: toma lá, dá cá...
  8. Mantenha-se sempre limpinho e cheiroso. Beleza e recato é fundamental. Desenvolva e aprimore um linguajar polido, pomposo e, de preferência, vazio. Lembre-se: saber e cultura produzem efeitos colaterais deletérios à saúde do bolso se não for administrada em doses homeopáticas, devidamente prescritas por autoridades reconhecidas pelas melhores casas do ramo. Jamais diga palavrões ou faça gestos fora do figurino estrito da boa e velha aristocracia espiritual ou seja lá isso signifique, entende?
  9. Para não parecer fanático, jamais leia mais que dois episódios da bíblia na vida. Professe a crença num deus vingativo; apoie com isenções e privilégios (mesmo sendo laico o estado) a cambada do fã clube dessa entidade, que engravidou uma moça casada, pregou o fruto deste adultério numa cruz, instituiu os 10% para sua obra e inventou o fogo do inferno para quem discordar desta papagaiada. Em contrapartida, exija de todo mundo o exercício da perdão, da misericórdia e da caridade cristã para com os teus malfeitos sob pena de tornares a cristofobia crime hediondo.
  10. Tenha sempre um álibi à disposição. Adote o discurso da ordem, da obediência e da hierarquia. Não seja honesto, pareça. Tendo acumulado recursos, é uma boa medida criar, financiar e/ou apoiar algumas agremiações político-religiosas, de programas e credos variados e flexíveis, para que tenhas sempre estendida aquela mão amiga que sabe-se regada a módicas e prestimosas prestações.
  11. Sempre que possas (e quando não possas também) tome dinheiro emprestado. Nada melhor para financiar seus gastos do que a grana alheia. Porém, só pague quando puder – ainda mais quando o emprestador for um ente público. Neste caso, avoque sua inadimplência baseado no princípio bonus privato onus colletivus.
  12. Viva sempre em reunião; tenha um repertório de desculpas esfarrapadas para chegar atrasado ou faltar a um compromisso – de preferência que culpem a ineficiência do poder público e à ação legítima dos prejudicados.
  13. Nunca se sabe o dia de amanhã, por isto mantenha sempre fornida uma tropa de advogados, daqueles bem caros, bem vestidos, bem calçados e bem relacionados nas mais altas cúpulas de todo e qualquer poder de qualquer natureza. Sacuda fora todo e qualquer escrúpulo, senso ético ou princípio moral. Estas coisas só servem para emperrar negociações e provocar impasses. Lembre-se que filosofia não enche barriga, não contribue em nada na compra de nenhum jatinho, nem sustenta a viagem da outra, todo ano, pra Miami e as férias de verão da patroa com as crianças na Disneylândia.
  14. Como o seguro morreu de velho e ninguém é santo, trate de montar uma fábrica de dossiês, com gente de bem, assalariados e/ou cupinchas teus, recrutados a dedo nos meios policial, acadêmico, jornalistico, juridico... É de suma importância possuir tais armas letais até mesmo para o exercício legítimo do poder de barganha nas horas incertas e tempestuosas.
  15. Para manter o bom humor e o physique du role, dê, ao menos uma vez por semana, uma bela carteirada nalgum subalterno. Recomenda-se também processar, uma hora ou outra, o porteiro do teu prédio que se recusa, em pensamento, a te chamar de doutor.
  16. Use e abuse da ruma de batedores de bumbo e porta-vozes autorizados pelo Ibama, devidamente alocados no teu grupo de comunicações, para detonar, em alto e bom som e sem medo de ser feliz, qualquer tentativa de taxar o andar de cima, qualquer movimento no sentido de reduzir a desigualdade social gerada pela atividade concentradora, monopolizadora e manipuladora que desenvolves a partir de uma concessão pública conseguida em troca de um financiamento privado de campanhas políticas de apaniguados teus devidamente credenciados pelos guardiões dos bons costumes, da propriedade, da livre iniciativa e do bom e velho lucro acima de 60%, descontados, é claro, os royalties e o reembolso dos acionistas...
  17. Sonegue, sonegue e sonegue… Afinal, quem usa serviço público que pague por ele, inclusive educação, saúde e transporte...
  18. Convicções são para fracos, seja sempre pragmatico no amor e nos negócios.
  19. Permita-se tudo no reservado, inclusive putaria, sacanagem e outros petiscos de menor idade.
  20. Consiga por todos os meios à tua disposição uma posição de alto comando; e aqui, vale tudo mesmo, até vender a mãe a preço de banana para o primeiro cafetão de olhos azuis que aparecer.
  21. Jamais leves desaforo para casa. Se chamado de filho da puta, responda sempre com o maior poder de fogo que as bombas de efeito moral, balas de borracha e o dinheiro possam juntos comprar.
  22. Lute, com todas as tuas forças, para que a casa nunca caia sobre tua cabeça. Em tempo: teu telhado deve ser de vidro temperado, blindado e resistente a munição de grosso calibre.
  23. Dê esmolas de vez em quando, de preferência com o dinheiro dos outros. Conseguida a bufunfa, deixe ficar no molho nalgum plano de investimento durante certo tempo para que lucres uma nesga. Afinal, quem esperou até agora pode esperar um pouquinho mais. Apenas cuidado… não vá viciar o cidadão. Nestes casos, é recomendável nunca dá o peixe mas exigir que o governo de plantão ensine a pescar.
  24. Construída uma trajetória de roubo, matanças, mentiras e corrupção mantenha envolvida a maior quantidade de pessoas nesta tua rede bonitinha porém ordinária. Devote-se aos amigos, digo: aos sócios. Afinal para eles tudo, aos outros a letra fria da lei de preferência feita por você mesmo ou por alguém que come na tua mão. Importante: Use a linguagem dos covardes quando tratar com algum mais poderoso que tu.
  25. Ao perceber uma nova força política nascente junte-se a ela para não perder o bonde da história e continuar desfrutando do bem bom. Faça valer teus cabedais. Por conta da tua experiência, podes dar uma mãozinha para que tudo mude exatamente para continuar igual. Porém, na primeira oportunidade que tiver, traia, mas traia bonito, legal, em plena luz do dia. Compreenda, esta é a tua natureza e não deves fazer questão nenhuma de esconder. Aí, num gesto cinematográfico, culpe a vítima por tua traição, transforme-a num ogro algoz. Desconstrua, atropele, impeça de todas as maneiras a continuidade do seu (dela) propósito. Compre um parecer de baixo orçamento e contrate uma canastrona para sacudir as melenas, com fingida indignação, diante de claque uniformizada, ao som de panelas e caçarolas; apresente à fina flor do patronado (ávido de descobrir de que buraco virá a verba que quite o pato) o enredo de um espetacular julgamento que cumpra todos os prazos e rituais constantes nos códigos (desta forma terás condições de apregoar nas colunas sociais que o processo, embora político, é ato jurídico perfeito e que a vítima cometeu mesmo os crimes que inventaste na calada da noite com ajuda de procuradores que só acham aquilo que interessa ao teu consórcio). É de bom alvitre que a pretensa imparcialidade jurídica presida o tribunal em troca de 41,5% de aumento nos seus obesos privilégios. Instaurada a sessão e formada a rede, ouça com cara de bunda e ar de paisagem (não olvides do punhal nas mãos e rajadas de sangue nos olhos) toda a peroração da defesa. Repita para as câmeras que apesar da culpa inequívoca da ré, a presença do contraditório, por si só, ilustra o altíssimo nível democrático que alcançamos. Vocação de que tu e os partidos da tua base aliada não arredam pé. Ao final, depois de meses de rebuliço, marchas e contramarchas, milhares de horas de noticiários, miríade de comentários, montanhas de papéis, toneladas de pães de queijo, litros e litros de café, centenas de garrafas do bom e velho uísque escocês (que ninguém é de ferro) e o custo final estimado na casa de centenas de bilhões, tu na maior cara de pau e no alto do seu pedestal, declara, em nome de toda a nação (inclusive dos que votaram nela - ato falho que não é reparado porque está todo mundo preocupado com a redução da velocidade nas marginais) que a ré é culpada mesmo e pronto, que a defesa foi inócua e não trouxe nenhum fato novo que pudesse influenciar o julgamento. Para coroar teu êxito, rode uma bela, boa e velha baiana diante da assistência ao ouvir a palavra golpe e, imediatamente, mande esvaziar o plenário a golpes de cassetetes recém comprados sem licitação de empresa israelense sediada nos Estados Unidos. Mostre com todo rigor e vigor, através de uma declaração pública, que se os fatos forem contra ti, devem danarem-se os fatos. Finalmente, nomeie-se protetor perpétuo do teu grupo e - após a aferição do ibope - em nome da sanidade, racionalidade e funcionalidade política-econômica, lance um plano ponte que desfaça tudo que de positivo foi feito até então e, como um super-homem, recrie o universo à sua própria imagem e semelhança e vá, finalmente pegar teu filho na escola que já bateu o sinal e avinha-se a hora da onça beber água. Se manterás o controle sobre a coisa e evitarás que o trem degringole numa enorme lavagem de roupa suja, depende apenas de conseguires arrancar este alvo que colocaste na tua testa. É o tal negócio, o diabo ajuda mas cobra um preço considerável.

sábado, 20 de agosto de 2016

Frases II


Sem Título
Mira Schendel, 1965


Quando estou com preguiça, escondo-me num baú




Guimarães Rosa, escritor: Viver de graça é mais barato.


José Saramago, escritor: Não fosse falarem as mulheres umas com as outras, já os homens teriam perdido o sentido da casa e do planeta.


Stella Gibson, protagonista na série The Fall: Uma mulher perguntou a um amigo porque os homens se sentiam ameaçados pelas mulheres. Ele respondeu que eles tinham medo que as mulheres rissem deles. Quando ela perguntou a um grupo de mulheres porque se sentiam ameaçadas pelos homens, elas disseram: “Temos medo que eles nos matem”.


Victor Frankenstein, personagem na série Penny DreadfullÉ muito fácil ser um monstro. Difícil é ser humano.


Gordon Wood, historiador: Senso trágico não é ser pessimista, mas compreender a vida em todas as suas limitações.


Provérbio Tibetano: Se um problema tem solução não há porque se preocupar. E se não há solução é inútil preocupar-se.


José Bonifácio de Andrada e Silva, Patriarca da Independência: Defendo o fim do tráfico negreiro; abolição dos escravos; reforma agrária pela distribuição de terras improdutivas; estímulo à agricultura familiar; tolerância política e religiosa; educação para todos; proteção das florestas; tratamento respeitoso com os índios; e a transferência da capital do Rio de Janeiro para algum ponto no Centro-Oeste.


Alduos Huxley, escritor: Setenta e duas mil repetições criam uma verdade.


José Honório Rodrigues, historiador: Ao esboço de revolução, vem a contrarrevolução que reprime e extrai algumas poucas teses do movimento inovador e as aplica ao seu modo, conciliando e esvaziando o conteúdo histórico.


Steven Weinberg, físico: A religião é um insulto à dignidade humana. Com ela teríamos gente boa fazendo coisas boas e gente ruim fazendo coisas ruis. Mas, para que gente boa faça coisas ruins, é preciso religião.


Nélson Rodrigues, dramaturgo: A televisão matou a janela.


José Paulo Neto, professor: Não existe capitalismo sem pauperização.


João Claudio Moreno, humorista: Identidade é tudo que nos forma quando não nos dão nada e tudo que nos sobra quando nos tiram tudo.


sábado, 6 de agosto de 2016

Analfabeto Político


Detalhe de Cartoon do Simanca, 2016




Um jovem questiona o avô:
- Defina analfabeto político?
E o vovô, imediatamente responde:
- Define-se como analfabeto político aquela pessoa que, a despeito da privatização do patrimônio nacional; do sucateamento da educação; da precarização da saúde; da demonização da política; da partidarização da justiça; da seletividade de denúncias; do lucro é nosso, o prejuízo é de vocês; dos mensalões; dos trensalões; do roubo de merenda; das carteiradas; das verbas nababescas para políticos e apaniguados; das entradas de serviço; da impossibilidade do capitalismo sem pobres; da cultura do estupro; da bancada de bala, da bíblia e do boi; da uma mídia comprometida apenas com seus interesses econômicos; de um bando de corja, bandidagem das brabas, comandando os destinos do país… sai às ruas gritando “somos todos cunha”, “porque não mataram todos em 64?”; “professor não é educador”, “corruptos, mas íntegros”, “escola sem partido”, “intervenção militar já”, “bolsonaro presidente”, “Letícia Sabatella é puta” e outras aleivosias do gênero…
E o rapaz, coçando a cabeça:
- É muito complicado, vô. Dá pra simplificar?
- Dá. Pensa num pato.
- Que tipo de pato?
- Um pato do tipo fascista... Raivoso, cheio de ódio. Pensa num sujeito que defende quem o engana; ou aquele que beija a bota do agressor; ou aquele que elogia quem o assalta; ou aquele que se apaixona pelo estuprador; ou aquele que lambe a mão que o esbofeteia; ou ainda aquele que agradece e exalta o golpe que o apunhala…
- Mas, pessoa assim existe? Alguém, em sã consciência, desejaria ser chamado de burro, doente, idiota ou covarde…
- Aí está: não só existe como se reproduz numa velocidade assustadora.
- Existe um antídoto contra tal praga?
Difícil… atualmente estão em maioria e crescendo...
- Mas, segundo a teoria dos jogos, quando um grupo torna-se hegemônico dentro de uma sociedade, tende a devorar-se a si mesmo.
- Opa… Ajudá-lo-emos, então.


sábado, 16 de julho de 2016

Mácula


Navio Negreiro, Geledés.org.



Morrer é o de menos.
Viver sob a injustiça é que são elas.



Após um longo jejum, decidi assistir dois espetáculos teatrais: Brasil, O Futuro Que Nunca Chega - Princesa Isabel e Dom Pedro II. Obra escrita e dirigida pelo dramaturgo Samir Yasbek que, já em As Flores do Cedro, me havia surpreendido pelo precioso trabalho com as palavras. Com estas duas obras atuais, o autor nos conclama a uma reflexão sobre a escravidão no Brasil e traça um paralelo com a questão dos imigrantes. Bastante precisa a maneira com que ressalta o aspecto como a monarquia encarou o assunto e as consequências trágicas para a sociedade brasileira da não integração do negro na cidadania, pois, contrariando o bom senso, acreditou-se que a questão seria resolvida “largando os negros por aí”. E, acrescento, atingiu-se o ápice do contrasenso quando, na sequência, o estado brasileiro opta por indenizar os proprietários escravocratas sob alegação de que precisavam recuperar seus ativos” e fazer face ao pagamento de salários aos imigrantes que aqui desembarcavam para as lavouras de café. Percebe-se que daí pra cá o nosso Estado não tem feito outra coisa senão fazer recair sobre a maioria do povo brasileiro o ônus das más políticas implementadas por aqueles que vivem do bônus.

Dias mais tarde, leio um artigo no site do cineasta gaúcho Jorge Furtado, assinalando que não acredita que iremos “sair da condição degradante de país mais injusto do planeta sem educação de qualidade e sem que a nossa riqueza, que é imensa, seja distribuída de forma justa, com taxas progressivas de imposto de renda, com impostos justos sobre herança, lucro e renda, combate à sonegação e aos paraísos fiscais, com punição aos sonegadores”. E que “sem isso, continuaremos sempre um país de senhores e escravos”.

Daí a chegar no site Geledés – Instituto da Mulher Negra, foi um clique. Lá deparei-me com uma matéria relatando uma pesquisa delicada realizada pela Universidade de Emory (EUA) e reunida no site slavevoyages.org que achei por bem reproduzir aqui uma pequena parte.

Inicia o artigo: “Tudo na escravidão nos envergonha. E dói ainda mais saber que, dentre os que promoviam o comércio de seres humanos, havia alguns que acreditavam que estavam fazendo um bem, que aquilo era obra de deus, que estavam ajudando a resgatar as almas dos africanos tirando-os de uma terra onde imperava o paganismo para entregá-los à cristandade”.

Penso que pouco importava ou importa a motivação, se o dinheiro ou a religião. O fato é que promoveram uma diáspora, sujeitaram pessoas a trabalhos forçados e degradantes, cometeram crime de lesa humanidade - um crime sem punição e sem reparação que permanece como chaga aberta em nosso tecido social.

E conclui: “Ademais, o cinismo dos que lucravam com aquele comércio, o cinismo escancarado. Aqueles navios, verdadeiros infernos flutuantes, tinham nome, nomes dissimulados que serviam a único propósito: intimidar”.

Em seguida apresenta uma lista com alguns dos mais nojentos nomes de barcos que transportaram cativos para o Brasil:

1. Amável Donzela - Galera de bandeira portuguesa. Trouxe muita gente para a lavoura de algodão do Maranhão cuja produção era exportada para a Grã Bretanha que encontrava-se em pleno desenvolvimento industrial. Entre 1804 e 1806, desembarcou mais de 1.700 seres humanos no Rio de Janeiro e Pernambuco.

2. Boa Intenção - Galera de bandeira portuguesa, cuja “boa intenção” foi a de despejar 769 cativos na Bahia e Rio de Janeiro.

3. Brinquedo de Meninos – Bergatim de bandeira portuguesa. Transportou 3.179 cativos com destino à Bahia.

4. Caridade – Bergatim de bandeira portuguesa/espanhola; realizou 20 travessias; transportou 6.263. Foram quatro embarcações com este nome. O último navio Caridade, navegando com bandeira espanhola mostrou toda crueldade que escondia. No extremo sudeste de onde hoje é a Nigéria, o barco foi capturado pelo britânicos no trajeto para o Brasil. Quando contaram o número de transportados, uma surpresa: dos 112 cativos, 71% eram crianças.

5. Feliz Destino – Bergatim de bandeira portuguesa; Todas as viagens desta embarcação foram para o Nordeste brasileiro onde desembarcou 1.139 seres humanos cujo destino foi o de serem moídos pelos engenhos de açúcar. De todas as viagens deste barco, a mais mortal foi a de 1821, conduzida pelo escroque Prudêncio Vital de Lemos. Dos 416 cativos, apenas 377 chegaram.

6. Feliz Dias a Pobrezinhos – Bergatim de bandeira portuguesa; no dia 17 de dezembro de 1811, o barco, comandando pelo patife conhecido como Vitorino da Luz e Almeida, deixou a Africa com 355 cativos. O barco estava superlotado. Provavelmente assolados por uma epidemia furiosa, morreram 120 africanos, mais de um por dia.

7. Graciosa Vingativa – Iate a vela de bandeira portuguesa; realizou 10 travessias; transportou 1.257. Nesta época o Haiti já tinha dado fim à escravidão, os Estados Unidos haviam proibido o comércio. Nos territórios britânicos houve a abolição e o cerco se fechava contra a prática escravista no Brasil. Daí os traficantes apostarem em embarcações mais leves, capazes de fugir dos barcos estrangeiros. Não que a intenção de todas as forças estrangeiras fossem humanitária. Muitas vezes, a perseguição aos navios negreiros se dava por disputa econômica mesmo.

8. Regeneradora – Houveram três embarcações com este nome. Todas de bandeira portuguesa. Escuna, brigue e corveta. Realizaram 7 travessia; transportaram 1.959. Quatro destas viagens foram comandadas pelo canalha Bento José Francisco Fortes que também era comerciante de farinha, feijão e fumo para o sul do país.

Pois é, o inferno brasileiro (onde torturadores e assassinos orgulham-se de suas ações e encontram respaldo) está cheio de nomes bonitos, boas intenções e principalmente, muita propaganda enganosa. E ao contrário do que desejam os promotores da “escola sem partido”, só a educação, conjugada com uma profunda autocrítica, será capaz de nos salvar.