sábado, 3 de setembro de 2016

Passo a passo para se tornar um medalhão golpista ou Machado de Assis que me desculpe mas, Bentinho, no seminário, fez troca troca com Escobar.


Hell, Hans Menling, 1485



  1. Nasça em berço de ouro (ou pirita, tanto faz).
  2. Seja um calhorda de vocação ou escolha. Ignóbil também serve - tem bastante aceitação. 
  3. Fale, desde cedo, a linguagem da força, da potência e da pressão. Comece furtando merenda dos coleguinhas, batendo nos mais fracos e odiando os diferentes.
  4. Repita pra si, diante do espelho, centenas de vezes ao dia: herança é mérito… herança é mérito… herança é mérito… Na falta da herança, repita várias vezes que o trabalho dignifica, principalmente quando estiveres na balada ou no sagrado banho de campagne (espumante não pode).
  5. Nunca, jamais, em hipótese alguma, nem em sonho, bata um prego numa estopa ou tenha a veleidade de realizar trabalhos manuais; compre todas as provas e trabalhos escolares; não esqueça de investir algum na aquisição da carteira de motorista.
  6. Durante a puberdade, faça questão de mostrar aos desavisados que você tem pai poderoso e costas quentíssimas. Na ausência de pai poderoso, pode ser um padrinho mesmo, daqueles que, no futuro, lamberás o solado das botas com o maior gosto e prazer, gesto que te ensinará a ser humilde e sempre beijar a mão que te esbofeteia.
  7. Seja generoso ao espalhar medo e terror ao seu redor: tudo que não for do teu interesse, ou a favor deles, considere crime de lesa pátria - coisa de comunistas e bolivarianos comedores de criancinhas (pode ser dito bem assim, de boca cheia, sem papas na língua). Acredite no seu direito à impunidade e jamais, jamais aceite colaboração de outrem (a não ser que pagues em dinheiro vivo ou depósito em conta, em nome de laranjas, nos paraísos fiscais). Lembre-se, finalmente, que: favor com favor se paga; é dando que se recebe; na vida é: toma lá, dá cá...
  8. Mantenha-se sempre limpinho e cheiroso. Beleza e recato é fundamental. Desenvolva e aprimore um linguajar polido, pomposo e, de preferência, vazio. Lembre-se: saber e cultura produzem efeitos colaterais deletérios à saúde do bolso se não for administrada em doses homeopáticas, devidamente prescritas por autoridades reconhecidas pelas melhores casas do ramo. Jamais diga palavrões ou faça gestos fora do figurino estrito da boa e velha aristocracia espiritual ou seja lá isso signifique, entende?
  9. Para não parecer fanático, jamais leia mais que dois episódios da bíblia na vida. Professe a crença num deus vingativo; apoie com isenções e privilégios (mesmo sendo laico o estado) a cambada do fã clube dessa entidade, que engravidou uma moça casada, pregou o fruto deste adultério numa cruz, instituiu os 10% para sua obra e inventou o fogo do inferno para quem discordar desta papagaiada. Em contrapartida, exija de todo mundo o exercício da perdão, da misericórdia e da caridade cristã para com os teus malfeitos sob pena de tornares a cristofobia crime hediondo.
  10. Tenha sempre um álibi à disposição. Adote o discurso da ordem, da obediência e da hierarquia. Não seja honesto, pareça. Tendo acumulado recursos, é uma boa medida criar, financiar e/ou apoiar algumas agremiações político-religiosas, de programas e credos variados e flexíveis, para que tenhas sempre estendida aquela mão amiga que sabe-se regada a módicas e prestimosas prestações.
  11. Sempre que possas (e quando não possas também) tome dinheiro emprestado. Nada melhor para financiar seus gastos do que a grana alheia. Porém, só pague quando puder – ainda mais quando o emprestador for um ente público. Neste caso, avoque sua inadimplência baseado no princípio bonus privato onus colletivus.
  12. Viva sempre em reunião; tenha um repertório de desculpas esfarrapadas para chegar atrasado ou faltar a um compromisso – de preferência que culpem a ineficiência do poder público e à ação legítima dos prejudicados.
  13. Nunca se sabe o dia de amanhã, por isto mantenha sempre fornida uma tropa de advogados, daqueles bem caros, bem vestidos, bem calçados e bem relacionados nas mais altas cúpulas de todo e qualquer poder de qualquer natureza. Sacuda fora todo e qualquer escrúpulo, senso ético ou princípio moral. Estas coisas só servem para emperrar negociações e provocar impasses. Lembre-se que filosofia não enche barriga, não contribue em nada na compra de nenhum jatinho, nem sustenta a viagem da outra, todo ano, pra Miami e as férias de verão da patroa com as crianças na Disneylândia.
  14. Como o seguro morreu de velho e ninguém é santo, trate de montar uma fábrica de dossiês, com gente de bem, assalariados e/ou cupinchas teus, recrutados a dedo nos meios policial, acadêmico, jornalistico, juridico... É de suma importância possuir tais armas letais até mesmo para o exercício legítimo do poder de barganha nas horas incertas e tempestuosas.
  15. Para manter o bom humor e o physique du role, dê, ao menos uma vez por semana, uma bela carteirada nalgum subalterno. Recomenda-se também processar, uma hora ou outra, o porteiro do teu prédio que se recusa, em pensamento, a te chamar de doutor.
  16. Use e abuse da ruma de batedores de bumbo e porta-vozes autorizados pelo Ibama, devidamente alocados no teu grupo de comunicações, para detonar, em alto e bom som e sem medo de ser feliz, qualquer tentativa de taxar o andar de cima, qualquer movimento no sentido de reduzir a desigualdade social gerada pela atividade concentradora, monopolizadora e manipuladora que desenvolves a partir de uma concessão pública conseguida em troca de um financiamento privado de campanhas políticas de apaniguados teus devidamente credenciados pelos guardiões dos bons costumes, da propriedade, da livre iniciativa e do bom e velho lucro acima de 60%, descontados, é claro, os royalties e o reembolso dos acionistas...
  17. Sonegue, sonegue e sonegue… Afinal, quem usa serviço público que pague por ele, inclusive educação, saúde e transporte...
  18. Convicções são para fracos, seja sempre pragmatico no amor e nos negócios.
  19. Permita-se tudo no reservado, inclusive putaria, sacanagem e outros petiscos de menor idade.
  20. Consiga por todos os meios à tua disposição uma posição de alto comando; e aqui, vale tudo mesmo, até vender a mãe a preço de banana para o primeiro cafetão de olhos azuis que aparecer.
  21. Jamais leves desaforo para casa. Se chamado de filho da puta, responda sempre com o maior poder de fogo que as bombas de efeito moral, balas de borracha e o dinheiro possam juntos comprar.
  22. Lute, com todas as tuas forças, para que a casa nunca caia sobre tua cabeça. Em tempo: teu telhado deve ser de vidro temperado, blindado e resistente a munição de grosso calibre.
  23. Dê esmolas de vez em quando, de preferência com o dinheiro dos outros. Conseguida a bufunfa, deixe ficar no molho nalgum plano de investimento durante certo tempo para que lucres uma nesga. Afinal, quem esperou até agora pode esperar um pouquinho mais. Apenas cuidado… não vá viciar o cidadão. Nestes casos, é recomendável nunca dá o peixe mas exigir que o governo de plantão ensine a pescar.
  24. Construída uma trajetória de roubo, matanças, mentiras e corrupção mantenha envolvida a maior quantidade de pessoas nesta tua rede bonitinha porém ordinária. Devote-se aos amigos, digo: aos sócios. Afinal para eles tudo, aos outros a letra fria da lei de preferência feita por você mesmo ou por alguém que come na tua mão. Importante: Use a linguagem dos covardes quando tratar com algum mais poderoso que tu.
  25. Ao perceber uma nova força política nascente junte-se a ela para não perder o bonde da história e continuar desfrutando do bem bom. Faça valer teus cabedais. Por conta da tua experiência, podes dar uma mãozinha para que tudo mude exatamente para continuar igual. Porém, na primeira oportunidade que tiver, traia, mas traia bonito, legal, em plena luz do dia. Compreenda, esta é a tua natureza e não deves fazer questão nenhuma de esconder. Aí, num gesto cinematográfico, culpe a vítima por tua traição, transforme-a num ogro algoz. Desconstrua, atropele, impeça de todas as maneiras a continuidade do seu (dela) propósito. Compre um parecer de baixo orçamento e contrate uma canastrona para sacudir as melenas, com fingida indignação, diante de claque uniformizada, ao som de panelas e caçarolas; apresente à fina flor do patronado (ávido de descobrir de que buraco virá a verba que quite o pato) o enredo de um espetacular julgamento que cumpra todos os prazos e rituais constantes nos códigos (desta forma terás condições de apregoar nas colunas sociais que o processo, embora político, é ato jurídico perfeito e que a vítima cometeu mesmo os crimes que inventaste na calada da noite com ajuda de procuradores que só acham aquilo que interessa ao teu consórcio). É de bom alvitre que a pretensa imparcialidade jurídica presida o tribunal em troca de 41,5% de aumento nos seus obesos privilégios. Instaurada a sessão e formada a rede, ouça com cara de bunda e ar de paisagem (não olvides do punhal nas mãos e rajadas de sangue nos olhos) toda a peroração da defesa. Repita para as câmeras que apesar da culpa inequívoca da ré, a presença do contraditório, por si só, ilustra o altíssimo nível democrático que alcançamos. Vocação de que tu e os partidos da tua base aliada não arredam pé. Ao final, depois de meses de rebuliço, marchas e contramarchas, milhares de horas de noticiários, miríade de comentários, montanhas de papéis, toneladas de pães de queijo, litros e litros de café, centenas de garrafas do bom e velho uísque escocês (que ninguém é de ferro) e o custo final estimado na casa de centenas de bilhões, tu na maior cara de pau e no alto do seu pedestal, declara, em nome de toda a nação (inclusive dos que votaram nela - ato falho que não é reparado porque está todo mundo preocupado com a redução da velocidade nas marginais) que a ré é culpada mesmo e pronto, que a defesa foi inócua e não trouxe nenhum fato novo que pudesse influenciar o julgamento. Para coroar teu êxito, rode uma bela, boa e velha baiana diante da assistência ao ouvir a palavra golpe e, imediatamente, mande esvaziar o plenário a golpes de cassetetes recém comprados sem licitação de empresa israelense sediada nos Estados Unidos. Mostre com todo rigor e vigor, através de uma declaração pública, que se os fatos forem contra ti, devem danarem-se os fatos. Finalmente, nomeie-se protetor perpétuo do teu grupo e - após a aferição do ibope - em nome da sanidade, racionalidade e funcionalidade política-econômica, lance um plano ponte que desfaça tudo que de positivo foi feito até então e, como um super-homem, recrie o universo à sua própria imagem e semelhança e vá, finalmente pegar teu filho na escola que já bateu o sinal e avinha-se a hora da onça beber água. Se manterás o controle sobre a coisa e evitarás que o trem degringole numa enorme lavagem de roupa suja, depende apenas de conseguires arrancar este alvo que colocaste na tua testa. É o tal negócio, o diabo ajuda mas cobra um preço considerável.

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