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sábado, 25 de março de 2017

Forró Enluarado

Forró Pé de Serra, Xilogravura de J.Borges



Mangue Seco vivia uma estiagem braba. A vida estava virando pó… Todo dia alguém partia pro beleléu pra morar na cidade de pé junto e comer capim pela raiz por não encontrar um gole d’água pra beber.
Mestre Funéreo Asa Preta, sentiu de longe a catinga do fim. Ligeiro, voou alto e, ao ver aquele sucesso, uma montoeira de carniça espalhada pelo chão, estimou que não conseguiria dar conta do recado. Danou-se a pensar numa solução e, após pousar no galho de um umbuzeiro, decidiu que era hora de ter uma conversinha com dona Morte. A senhora do sono eterno havia de segurar a onda, era preciso dar um tempo naquela estripulia e permitir que a vida voltasse ao normal.
A indesejada das gentes disse que não tinha culpa no cartório, apenas cumpria sua obrigação de cortar o fio da vida e levar as almas pros campos do vai-num-torna. E que nesse negócio de seca, a responsabilidade era de Lua e Rio que andavam de mal um com o outro… Só quando eles fizessem as pazes, a chuva voltaria a molhar o chão.
Urubu se pôs no caminho da justiça e descobriu, em conversa com uns calangos que batiam em retirada daquele solo esturricado, que Lua era ele e se chamava Luiz e Rio era ela e se chamava Jaci; que eram dois apaixonados, espelho um do outro; que, da noite pro dia, viraram a cara um pro outro, por causa do ciúme que Lua sentia de ver a querida do seu coração de deleite com o Mar.
– Ando muito chateado com tudo isso e mais triste ainda porque a minha sanfona foi roubada. Só posso lamentar essa situação… É muita agonia ficar sem poder tocar minhas músicas, não contar com o meu instrumento para animar Rio a ter olhos só pra mim. Disse Lua a soluçar, escondido num canto escuro do seu quarto.
Funéreo andou mais um pouco na sua investigação e acabou por descobrir que a bendita sanfona fora roubada por dois empesteados que infernizavam os ouvidos da população com uma moda dos estranja, um som destrambelhado apelidado de sertanejo pesado. Por serem muito rudes no trato com a música, inchados de pretensão e vaidade, acabavam por arranhar as notas feito gatos brabos brigando dentro de uma cristaleira. Jeitoso, o esperto Asa Preta conseguiu convencê-los a mudarem o rumo das coisas. Como gostavam de batucar, lembrou-se duma zabumba e triângulo que viu num monturo e, depois de dar um trato nos petrechos, ensinou os dois a tocarem com maestria, comprometendo-se a conseguir que Lua os aceitasse como companheiros de serestas.
Lua Luiz, ao receber de volta seus oito baixos, botou o fole pra gemer. Quando Rio Jaci ouviu os acordes arrepiou-se todinha e começou a derramar água pelos olhos de tanta alegria. As lágrimas evaporaram e alcançaram as nuvens que, de tão pesadas, não tiveram escolha senão abrir as comportas do céu e deixar que a chuva caísse de mansinho sobre a terra sofrida. 
O amado, satisfeito, transformou-se em Lua Cheia, presenteou a amada com um lindo manto prateado e, durante uma semana, um forró enluarado animou a cidade com as mais belas músicas e canções. Foi tanto contentamento que a turma decidiu mudar o nome da localidade. O que antes era um mangue seco passou a se chamar Jaciobá que, na língua da floresta, quer dizer espelho da lua.
O povo, com a alma aliviada e o coração refrescado, encheu potes e moringas e sorriu de felicidade diante das cacimbas fartas, cisternas topadas, lagoas abarrotadas, açudes transbordantes… É, finalmente a vida e a beleza voltaram a reinar soberanas e até hoje, toda vez que mandacaru fulora lá na serra, é dia de festa no sertão: sinal que a Morte entrou de férias e Urubu Rei pode tirar um merecido cochilo depois do almoço. 

sábado, 11 de março de 2017

A Fome do Bode Velho


O Casamento do Bode, J.Borges


Aos netos e netas




Bode Velho andava acabrunhado, se arrastando pelos cantos, desejoso de inexistir. Cansado de tanta tristeza, encostou-se debaixo de pé de pau pra ver se descansava os pensamentos e, quando pensou que não, garrô num sono profundo e logo se viu no céu dos caprinos – lugar pra vivente nenhum botar defeito: árvore pra todo lado, grama viçosa, água gostosa de beber, rios de leite, córregos de mel, cachoeiras e mais cachoeiras de caldo de cana e suco de cajá. Sentindo-se em casa, passeou por aquele paraíso e, ao chegar numa praça, teve um ataque de alegria. Encontrou um monte de amigos que gritaram surpresa, diante de uma mesa posta, cheiinha de fartura da melhor qualidade. Bode Velho, matou a saudade, matou a fome e quando estava no bem-bom do forró com uma cabrita serelepe, uma jaca mole lhe caiu sobre a cabeça e ele acordou.
Amargurado, correu até a funerária e se enfiou no primeiro caixão que estava em exibição.
– Pode baixar a tampa e jogar terra por cima, que não quero mais…
– Que houve, Bode Velho, por que essa agonia?
– Não aguento mais essa vida, seu Urubu.
– Pera lá, não é assim que a banda toca, não. Primeiro vamos ter que examinar bem a situação. E buscou os cuidados da Chica da Loca, a rezadeira.
– Sei não… disse a velha, dependurada no seu cachimbo. - Deve de ser quebranto… Mas também pode ser espinhela caída… Melhor benzer.
Urubu interveio: – Bode Velho precisa de um remédio para aflição.
– Quem sabe o compadre Bacurau num tenha… Agora: vamos benzer ou não?
– A senhora pode ir benzendo no caminho, disse o Urubu já pegando o cabrão pelo braço. - Vamos, vamos procurar o velho Estrigídeo. Talvez ele tenha cura pro seu estado mortiço.
Estrigídeo Bacurau, era um corujão que vivia no oco de um angico desde que o mundo é mundo. Descobrira com os saguis que essa árvore produzia uma resina que era mais doce que mel e logo se empoleirou por ali, certo da garantia de um suprimento de comida pro resto da vida. A parte disto, ou quem sabe por conta disso, era conhecido como o mais famoso conhecedor de coisas desconhecidas, o maior adivinhador de enigmas e sabia, como ninguém, ler os alfarrábios.
Depois de muito alisar as poucas penas da cabeça, Bacurau exclamou:
– Difícil essa resposta… Penso que isso é coisa pro Encourado resolver.
– Mas o Encourado não tem lugar certo de estar, a gente vai passar um bocado de tempo procurando por ele, informou Urubu sem reparar que Bode Velho lambia os beiços enquanto cheirava um e outro livro.
– Não se a gente carregar, cada um, um chocalho, replicou Estrigídeo. - Ao ouvir o telengotengo do badalo, esteja onde estiver, o Encourado, pensando ser um bezerro desgarrado, corre pra te ajudar.
Bode Velho, Urubu, Chica da Loca e o velho Bacurau foram pro meio do mato badalar seus chocalhos. Não demorou nem um minuto, o Encourado empinou seu cavalo. Forrado de couro dos pés a cabeça (para se proteger dos galhos traiçoeiros da caatinga), mais parecia um guerreiro de outro mundo dentro de daquela armadura colorida, coberta de enfeites de metal e vidro e com um chicote na mão direita pra espantar cascavel e tirar silêncio do ar.
– Vocês não parecem bezerros, foi logo dizendo o Encourado. - O que vieram fazer neste fim de mundo?
Urubu se adiantou mas, foi Estrigídeo quem falou: – Bode Velho anda pelos cantos mortificado de tristeza. E tu, que és um sujeito andado e viajado…
Encourado deu uma chicotada no ar, desceu do cavalo e foi examinar de perto o doente.
– Que se passa meu amigo, por que esse desgosto todo?
– Sabe que num sei… É uma coisa que nasce aqui, no miolo da cabeça e vai se espalhando pela cacunda, passa pela caixa dos peito, atravessa as costelas, toma conta dos quartos e quando penso que não, me acontece uma vontade danada de desviver.
– Deixa que dar uma olhada aqui no meu caderninho, onde anoto umas bestagens…
Enquanto examinava, o Encourado notou que Bode Velho cheirava o caderninho e lambia os beiços…
– Ora, ora, ora… O compadre Bode Velho tem mesmo é fome… Fome de livros. Vamos até o casarão, que já dou um jeito nisso.
Encourado teve o maior gosto de tratar do Bode Velho. Conseguiu que ele se instalasse na biblioteca (que não era miúda nem raquítica) e devorasse quantos livros quisesse e aguentasse.
Depois de um tempo mastigando clássicos de histórias, Bode Velho começou a andar pela vizinhança arrotando sentenças graves (às vezes com muita graça) e, logo, o sertão percebeu a diferença. Além de recuperar a saúde e a confiança em si mesmo, Bode Velho encontrou uma namorada – uma raposa que gostou muito da sua conversa espichada e cheia de belezura.
Enquanto isso, Urubu mudou de profissão e decidiu aprender música; Chica da Loca foi estudar medicina na Capital; o velho Estrigídeo Bacurau saiu pelo mundo plantando árvores onde os tratores derrubavam; o Encourado continuou no seu propósito de ajudar bezerros desgarrados e eu – que não tinha entrado na história – vou muito bem, obrigado.

 

sábado, 31 de dezembro de 2016

O Tigre e a Borboleta

Ilustração, Enkel Dika, 2009





Com ajuda do Jorge Luis Borges



Certa feita, um tigre sonhou que era uma borboleta.
Ao acordar, não sabia se era um tigre que tinha sonhado ser uma borboleta ou uma borboleta que agora sonhava ser um tigre.
Por três vezes isso aconteceu.
Curioso, o tigre decidiu procurar o Buda que, sereno e simpático, disse que, infelizmente, não possuía a resposta. Nunca tal sonho lhe ocorrera e jamais falaria de algo que nunca tivesse experimentado.
Porém, para que o tigre pudesse iniciar a busca pelo entendimento daquele embaraço psíquico, sugeriu que considerasse ser ora um ora outro.
Nos dias pares, fosse uma borboleta, nos dias ímpares, um tigre.
E, após um tempo, avaliasse seus sentimentos… A resposta à sua questão lhe surgiria naturalmente.
E foi assim que, um dia, ao olhar-se no espelho d’água e perceber a simetria do seu rosto, o tigre encontrou uma borboleta estampada nele.




  

sábado, 27 de agosto de 2016

A Difícil Vida da Narrativa


Drawing or Writing
Vicent van Gogh, 1886



- É o que consegui…
- ???
- Coloque-se no meu lugar. Tente encontrar o interruptor.

Tudo do mesmo. Variam os eventos mas, em essência, permanece a luta. Os adjetivos colorem, vibram, evocam fantasias… Verbos impedem a inércia. Advérbios são especiarias enquanto os substantivos, suscetíveis à vontade, aos humores, aos interesses, buscam nomear um mundo inominável. Mas por onde chegar? Importaria, não andasse com a cabeça no final do mês. E pensar que são necessárias habilidades que não estão ao alcance da mão… Desespero para quê, se é impossível qualquer independência dos pronomes e do emprego. - Continuas no negócio de mágica?

Dê-lhe uma história, senhor. Por amor, por piedade, um capítulo… Nas mãos, uma caderneta encardida e a súplica por uma historinha que seja, carrocinha que fosse... Todos pensam o melhor de si, ainda mais se se está em algum degrau acima da rés do chão. O problema é que jamais acertamos a dose. Gostamos mesmo é de avançar. Sem limite. O normal é viver por fora, sujo, enredado em dúvidas, senões, contas para pagar, colégio das crianças, rotativo no cartão... E normal não distingue as coisas, os modos, as maneiras, as circunstâncias, só pensa na próxima viagem à Disney. Felizmente, tem sempre alguém com moral suficiente para dizer que pau é pau e pedra é pedra. Quer saber? Cansei, vai tomar no c… mesmo que não saiba (ou não queira) reconhecer o alvo.  - Ponha-se no meu lugar e tente encontrar o interruptor.

Às vezes, uma alma saída dalgum livro improvável vem e deita alguns parágrafos, autoajuda, versículos religiosos, provérbios ou até mesmo duas ou três frases de alguma pessoa famosa… Aí, que fazer? Aceita. Pois é certo que a gente só dá e recebe aquilo que tem e alcança. Nessas horas, vai tudo pra gaveta, juntar-se a plágios homéricos, títulos extensos, epígrafes caducas, enredos truncados e finais inverossímeis, afinal o que no fundo importa de verdade é a narrativa deste release que encontrei aqui na minha mesa com um post-it anexado: “pra ontem e urgente”.

Um enorme corredor esse novelo… Quantas opções e eu aqui. Seria inteligente dizer não? Voltar aos próprios rastros? Quem pode me condenar por seguir adiante neste ajuste de contas com as minhas três refeições ao dia. Sim ou não, sim ou não, sim ou não… E eu, lobisomem. Quantas truques, trapaças, desmentidos, versões apócrifas antes de, finalmente, fazer o que não se espera? Claro que conta a experiência. Esta maldita que primeiro nos dá a prova, depois a lição. Concordemos por um instante: logo mais ali adiante cada um irá para o seu lado e é como se nunca houvesse existido aquela conversa de futuro que virou passado em meio a esse medo que nos une, medo que nos une, medo que nos une… Embora, quem sabe, possamos ter amado alguém ou algo mas, que importância tem isso agora quando se perde em meio a este horror fodido de perder tudo que se tem mesmo quando este tudo é um nada maior que tudo. E o que é a perda, se sabemos de antemão que estamos destinados a ela. Perder faz parte do ofício. E viver não se compara em nada com escrever. Viver é só uma circunstância, da qual temos muito pouco controle. Escrever… Sempre podemos editar, salvar, fechar, arquivar e tudo de novo e novamente. Mas aí… aí caio na rua da amargura se não prossigo. Merda, onde anda meu quinhão de reconhecimento.

Dizem dele que juntara o suficiente para uma saga. Conjecturavam se já não era dono dalgum romance, um épico nacional. O que ninguém via era que aquelas histórias mal contadas, diabéticas, frívolas e, mais das vezes, banais mal davam uma sopa de letrinhas ao fim do dia quanto mais… Temperadas com astúcia, humor e pitadas generosas de sexo, lhes digo, jamais competiriam com uma simples bula de remédio quanto mais com efeitos especiais em trinta segundos. E há ainda esta tal de gestão. É isto, enfia na cabeça, escrevemos para quem paga. Putana, putana, putana…! Como isto é fácil. Só não sei se gosto desta altura dos acontecimentos. Mas quer saber, dane-se qualquer veleidade, não posso decepcionar as crianças...

O quarto é o de sempre e a escuridão está em todo lugar. De tal modo que não consigo distinguir cegueira de escuridão. Porque fecho os olhos no escuro? Transfiro para as mãos, para as pontas dos dedos, toda a responsabilidade. Porém, dedos não falam. Quem vê aquele mar que está ali na parede? Olhar é apenas parte do problema. Ouço e cheiro… Cheiro que vem de mim, esse cheiro, um cheiro… Alguém, que não eu, deve lamentar, com certeza. Quanto de liberdade, quanto de independência hei de sacrificar antes que termine essa história? - Irresponsável, hoje... Ando assim.

E no entanto, as palavras me vêm assim, ordenadas, categóricas… Palavrões, clichês... Não deixam dúvidas de tão matemáticas, indagam tão fundo que chegam a ser científicas… Ao final é apenas um jogo, de montar, destes que a gente compra ali, destes pra quem gosta de dar trabalho os miolos, de fazer com que alguém se sinta burro, tal qual alguns trava-línguas, jogo de advinhas, desafios lógicos… É só pra quem pode, esse truque. Gostarei um dia. Hei de acreditar. Não serei para sempre vendedor de carros usados. Tipo que perde o sossego e a inocência. E se jamais conseguir passear pelas calçadas sem ser incomodado pelas sombras que espalho, sombras gritantes, fedidas de ódio, pedaços escrotos desta fantasia revendida? Sei que dificilmente ficarei impune. Ainda mais que sei: palavras não enchem barriga mas, torram o saco. - Gostaria que não perturbasse tanto o argumento. Seria tão mais simples se simplesmente escrevesse de acordo com a norma.

Lindas as histórias com finais felizes. Se a complexidade não alcança o feliz, eis que aguardo sobreviva o simples. Ser agradável cria estranheza e arranha. É preciso saber cultivar espinhos. Buracos, lacunas, haverão e fim, sem fundo. Viver é só uma questão de opinião. O verbo ferra, aleija, mata. No dia que não servir mais, deixarei de beijar a mão que me esbofeteia. O inferno está cheio de mim. Fecho os olhos e finjo escuridão. Sei que me entendes. Que nem você, preciso sobreviver. 




sábado, 13 de agosto de 2016

Converxa


Conversation, Ossip Zadkine, 1955



E no entanto é preciso cantar
Mais que nunca é preciso cantar
É preciso cantar e alegrar a cidade
Vinicius de Moraes




- Ao nascermos não somos isso ou aquilo. Além da genética, da cultura, da psicologia, da educação, a identidade humana é formada, ao longo do tempo, por minúsculas escolhas que, combinadas, nos dão certa vantagem na batalha pela sobrevivência e que nos fazem ser isso ou aquilo… E estamos sempre mudando. 

- Mas enquanto juízes permanecem de cócoras, a exigirem privilégios, o trabalhador, puto da vida com o aumento da sua insignificância, chega em casa, bota os filhos no olho da rua, dá uma surra na mulher, comete suicídio e é exorcizado numa sessão de descarrego num templo das almas mortas. 

- Não confio que a história vai mudar. Não há indício disto. Na verdade, temo que as coisas fiquem cada vez piores.

- Meu caro senhor, o mundo está de olho em nós. Perplexo. Para uma nação que reivindica assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, surpreende a todos essa tentativa de transformar vício em virtude. Qual imagem queremos passar ao mundo? A de um país democrático, com uma Constituição respeitada ou a de uma falida e avacalhada republiqueta de quinta?

- Por mais que planejemos, o futuro será sempre uma incógnita. Todos os nossos esforços são para que ele não nos traga dissabores. Contudo, uma incerteza perdura: e se tudo der errado? E se aquela circunstância que não consideramos, predominar? Meu plano B é permitir que o instinto de sobrevivência, amparado pelo conjunto das minhas habilidades, atue em toda sua potência. E isto, para mim, é viver.

- A lucidez humana precisa intervir para evitar a conformação/deformação do nosso progresso pela minoria dominante.

- O mulato Santa Rosa foi fundador e diretor artístico d'Os Comediantes, grupo que renovou o teatro brasileiro, com a encenação da peça Vestido de Noiva, de autoria do Nelson Rodrigues, em 1943. Além de cenógrafo brilhante, era ilustrador, capista e pintor talentoso. Teve participação expressiva no Teatro Experimental do Negro, onde criou cenários para diversas encenações. Conta o mestre Darcy, em O Povo Brasileiro, que em conversa com um jovem aspirante à carreira diplomática, queixoso das imensas barreiras que dificultavam a ascensão social dos negros, Santa Rosa desabafou: – Compreendo perfeitamente o seu caso, meu caro. Eu também já fui negro.

- Agora que a bandidagem deixou cair a máscara; que não têm mais vergonha de serem chamados canalhas; que não há mais como esconder seus mal feitos; que sabem que o julgamento da história os condenará à desonra, que lhes resta? Cometer mais e mais arbitrariedades, todas… Como se não houvesse mais nenhum amanhã…

- Nos livros, o Brasil já existia muito antes da chegada da esquadra do Cabral. Descrita como A Terra Oriental, cortada por quatro rios imensuráveis, rica em ouro e pedras preciosas, de temperatura sempre amena, numa primavera eterna enfim, o Paraíso Terrestre. Os europeus que aqui chegaram trouxeram a profecia do Tempo do Fim, do Último Império, um reino que nunca será destruído.

- Vez por outra, velhos fantasmas me visitam. Diferente de velhos amigos me usam como bode expiatório… 

- Sei que uma bomba explodirá... Foda-se, apostei nisso.

- Posso até compreender que um individuo tenha apetite por merda. O que não posso aceitar é que tal hábito desagradável seja imposto como dieta universal… Comes terra?




sábado, 23 de julho de 2016

Eu Tenho a Cura


O Suicídio de Lucrécia
Albrecht Durer, 1518


Às vezes encontro histórias reais que parecem ficção e me pergunto: como a vida pode imitar tão bem a arte? A narrativa que apresento a seguir, já foi exposta em livro, artigos, possui verbete na Wikipédia e até li que o Steven Spielberg adquiriu os direitos de transpor para o cinema as desventuras do protagonista. O que não é inapropriado. Afinal, precisamos de histórias exemplares, sempre. Ainda mais por conta do avanço, entre nós, de tantas pautas conservadoras, retrógradas, fascistas... Aos leitores, peço que sejam pacientes com o meu modo de recontar. E tenham presente o ditado: quem conta um conto aumenta um ponto. No caso, inverti da linha do tempo e fragmentei a história com o intuito de possibilitar outra perspectiva. Boa leitura.  



Toda verdade será questionada


Olha em volta: o pátio do supermercado está vazio naquela hora da manhã. Manobra, estaciona, desliga o carro, respira fundo... Vira-se, pega no banco traseiro (debaixo de uma manta) uma espingarda de cano serrado… Aponta-a na direção do queixo (gesto que o obriga a inclinar a cabeça pra trás), fecha os olhos e... dispara.

O doutor Milton Diamond, certo de que está pisando em terreno minado, recebe em seu consultório um repórter de famosa revista, determinado a, finalmente, expor os métodos praticados por seu colega, o famoso psicólogo John Money, professor da Johns Hopkins University de Baltimore.

O silêncio que se segue ao disparo indica que o socorro vai demorar.

Diamond tem diante de si, uma pasta recheada: - São todas minhas anotações desde que comecei, a investigar, por conta própria, o tratamento que fora imposto aos gêmeos.

Um policial encontra um bilhete que não deixa dúvida: o jovem suicida chamava-se David e tinha 38 anos de idade.

- Conheci-o em 1997 e desde então, escandalizado, cuidei de questionar a premissa apregoada pelo doutor Money de que nascemos neutros e que nossa identidade masculina ou feminina se dá exclusivamente em função da maneira como somos criados, o que quer dizer que é possível mudar a sexualidade de uma pessoa através de um “redirecionamento”.

Em estado de depressão profunda, a mãe depõe: - Após sua história se tornar pública, perdeu o emprego; sua boa esposa Jane, com quem vivera casado desde os 24 anos e fora um bom padrasto para os seus três filhos, o deixara; seu irmão Bruce, diagnosticado esquizofrênico, cometeu suicídio dois anos atrás… Ingeriu uma overdose de antidepressivos… Carregava uma profunda culpa por ter saído ileso da operação… Foram anos de frustração por ver o irmão sofrer… Meu marido tornou-se alcoólatra… Pobre David, vivera uma vida infeliz e desgraçada graças ao egoísmo de um médico oportunista, cheio de certezas e, sobretudo, cruel.

- Money nasceu numa família de rígidos preceitos protestantes e ficou conhecido como uma espécie de guru da sexualidade que preconizava comportamentos sexuais ousados. Defendia os casamentos “abertos”; estimulava o sexo grupal e bissexual, além de, em momentos mais extremados, tolerar o incesto e a pedofilia. O problema é que sua teoria, embora contasse com algum respaldo na comunidade cientifica, era controversa e os seus experimentos bastante antiéticos, diz o doutor Milton, acendendo o cachimbo. E após uma longa baforada, continua: - David se engajou numa luta em busca do sexo perdido. Fez várias cirurgias para fechar a vagina artificial, recompor a genitália masculina com a implantação de próteses de pênis e testículos, retirar os seios crescidos a base de estrogênos, além de iniciar tratamentos hormonais para masculinizar sua musculatura.

Num determinado dia do ano de 1965, o jovem casal de fazendeiros, Janet e John Reimer, assistem a um programa de televisão no qual doutor Money é entrevistado. Acreditam terem encontrado a solução para o problema do filho mutilado. David começa a servir de cobaia para a experimentação de uma teoria. O médico aconselha a família a educá-lo como se fosse uma menina. Sugere chamá-lo de Brenda. Os pais nunca devem mencionar o assunto daquela sexualidade artificial. Mas não demora muito até que a “menina” comece a reagir ao tratamento; odeia bonecas e brinquedos de meninas; rasga os vestidos constantemente… O medo dos pais de que “Brenda” descubra a verdade, só cresce com o tempo e os problemas começam a ficar cada vez mais sérios. Enquanto cresce, os efeitos hormonais começam a aparecer, e apesar do tratamento de “feminização” com estrogênios, David começa a desenvolver musculatura e estatura masculinas. Isso tudo desencadeia uma infância e adolescência cercada de chacota e crueldade por parte das crianças de sua escola. David jamais superaria aqueles anos. Muito menos aquela experiência traumática. Um dia o doutor Money chama o casal ao seu consultório e lhes diz que existe uma equipe de médicos que trabalham com crianças nascidas com genitália anormal e que acreditam que um pênis não pode ser substituído mas uma vagina funcional poderia ser construída cirurgicamente e que o mais provável era que o filho deles viesse a ter uma bem-sucedida maturação sexual como menina do que como menino. - A mudança de sexo será o melhor para David, afirma Money.

Conte-me mais sobre a experiência.
Durante muito tempo o doutor Money relatou o caso como um experimento de desenvolvimento de gênero feminino bem-sucedido, usando-o para apoiar a mudança de sexo e a reconstrução cirurgia mesmo em casos sem variação de caracteres sexuais. Quando conheci David foi quando me dei conta de que o que o sexólogo realizava era, talvez, o experimento mais cruel da história da Psicologia. Nos relatos de David vemos o quanto ele submeteu os meninos à práticas degradantes. Mostrava fotos sexuais explícitas e teria feito as crianças encenarem posição de coito. David disse-me que era comum o doutor Money obrigá-lo a tirar a roupa e ficar de quatro para que seu irmão simulasse uma penetração por trás.

O casal Reimer notam algo de errado na maneira com que suas crianças de seis meses urinam. Tratam de levá-los à clínica local. Ao serem examinados por um profissional, recebem um diagnóstico trivial – fimose. A recomendação é a que os gêmeos devem ser circuncidados. O médico é enfático ao afirmar que os benefícios ultrapassam os riscos e as vantagens estão na prevenção de infecções urinárias, doenças sexualmente transmissíveis e até câncer de pênis.

Isto era uma prática comum… Tratar fimose com circuncisão? Surpreendeu-se o repórter. O doutor Milton recolocou os óculos, remexeu na papelada e selecionou alguns recortes de jornais com artigos de eminentes profissionais.
É bastante comum naquela região, norte dos Estados Unidos e Canadá. Existe até uma resolução da Academia Americana de Pediatria apoiando a prática.
Continue...
Dois meses depois, os médicos optaram por não operar um deles, cuja fimose havia desaparecido sem qualquer intervenção cirúrgica. Um urologista realizou a operação no pequeno David utilizando o método não-convencional de cauterização – uma agulha de eletro cauterização em vez de um bisturi para retirar o prepúcio do menino. O procedimento destruiu completamente o pênis do menino. Posteriormente o órgão necrosou e, em seguida, se desprendeu do corpo. Como os procedimentos de cirurgia de reconstrução genital ainda eram prematuros, David ficou com poucas opções de ter seu pênis de volta. E aí começou o seu calvário.


sábado, 2 de julho de 2016

Três Fábulas

The Flabed Garden, Conroy Maddox, 1939



I

O menino e a menina eram coleguinhas de escola, numa cidade do interior de um grande e adiantado país. Um dia, entre os dedos da menina, o menino viu uma lapiseira. O menino olhou torto para a menina e elogiou a lapiseira. A menina sorriu e disse que a mãe dela a tinha dado. O menino então perguntou de onde vinha o dinheiro com o qual a mãe dela comprou a lapiseira. A menina disse que tinha vindo do trabalho dela. O menino insistiu: e quem tinha dado trabalho pra mãe dela? A menina, baixou os olhos e disse que o pai do menino havia dado o trabalho, no qual a mãe dela ganhou um dinheiro para afinal comprar a bonita lapiseira. O menino encheu o peito e exigiu a lapiseira para si porque havia sido o dinheiro do seu pai que comprara a lapiseira. A menina chorou e contou tudo pra mãe que, revoltada, pediu justiça. O pai do menino disse que aquela atitude não contribuía para a ordem e a paz na cidade e exigiu que o juiz ordenasse à diretora que expulsasse a menina da escola.



II

A China, certa vez, foi assolada por uma seca braba. O vice-rei encarregado dos negócios religiosos, queimou o estoque de um ano inteiro de incenso, na esperança de comover o coração divino. Mas o deus não estava nem aí para a súplica e as preces. Após muitos orações, ritos e oferendas, não obtendo resultado, o vice-rei entendeu que era inútil qualquer gesto. Ordenou então que o deus fosse informado que se não chovesse até determinado dia, que fosse procurar fiel noutra freguesia. E a chuva não veio. Indignado, o vice-rei proibiu adoração ao deus insensível e mandou destruir seu santuário. Quando as primeiras marretadas sobre as paredes do templo se fizeram ouvir, começou a chover. Primeiro um chuvisco, depois foi aumentando, aumentando, até virar uma tempestade que durou pra mais de mês. Quando estiou e as águas baixaram, cidades, casas, plantações, animais e a maioria da população tinha desaparecido.



III

Lá pras bandas de Pernambuco, um dia, uma cabra muito esperta foi comprada por uma dona, na feira do povoado. A mulher, grávida de gêmeos, trazia os peitos fartos, inchados de tanto leite. Mas temia que para os filhos, viesse a faltar alimento. Tratada com estimação, a cabra passou a zanzar pela casa como se fosse um membro da família. Finalmente, a mulher pariu dois meninos parrudos e comilões. Mas o leite dela não secava, jamais veio a precisar do leite da cabra que, daí em diante, toda noite, vinha devagar pra beira da cama da mulher e, após ela ter amamentado os meninos, aproveitava pra sugar um bocado do líquido generoso. A mulher, na madorna, pensava que era um dos meninos gulosos e não ligava. E a cabra bebia, bebia, bebia até não querer mais. E engordou, engordou, engordou até que o pai dos meninos achou por bem servi-la como prato principal no primeiro aniversário das crianças.  


sábado, 21 de maio de 2016

Um amor de menina


Love, Peter Blake, 1991


O propósito, é preencher o oco de sentido


É cedo… Ele ainda não deve ter feito a barba. Costuma tomar café antes de ir pro banheiro. Adoro suas manias… O jeito que se ensaboa… Contemplando cada pedacinho do corpo com o toque das suas mãos e dedos justos e suaves. Com justo quero dizer, na medida – não são grandes nem pequenas; nem fina nem grossa mas são suaves que nem pele de neném bem tratado. Ele usa cremes… Tem uma prateleira só pra eles. Depois do banho, quente e demorado, é uma festa de capricho… Três toalhas brancas, daquelas bem felpudas (uma pequena para a cabeça, uma média para o tronco e uma grande da cintura pra baixo), que bem podia aparecer em qualquer revista de moda. Adoro… Adoro o jeito como penteia o cabelo, ajeita a gravata… Adoro o jeito como assobia nossa música predileta e sai brincando com as chaves do carro…

Não vou ligar. Ele sabe que aguardo, que tenho paciência. Ele sabe que gosto que se prepare, que use seu melhor perfume, que não tenha pressa em escolher a camisa, a calça, os sapatos, as meias… Acho lindo que tenha vaidade… É o que mais gosto nele… O cuidado com a aparência e aquele jeitinho todo especial de adivinhar meus pensamentos antes mesmo que eu pense. Que nem daquela vez que me esperou com aquele monte de frutas e o vinho que a gente tanto gosta… Foi, com toda certeza, a melhor noite da minha vida… Um sonho.

Hoje é o meu dia. Ele sabe. Desde que ficamos noivos, combinamos de se encontrar um dia da semana que nem dois desconhecidos. Para ver até aonde a gente vai. Deus me livre da rotina depois do casamento. Me dá comichão só de pensar. Mas agora não tenho porque ficar ansiosa. Vou deixar pra ficar ansiosa quando ele me disser que é dia da gente conhecer o nosso futuro apartamento. Ele que está construindo… Não fica no melhor mas, pelo menos, está num dos melhores bairros da cidade. É tão bonitinho ele cuidando dos detalhes… Tudo de primeira e exclusivo. Gastar dinheiro com decorador pra quê? Não vejo a hora dele me apresentar aos criados como a dona da sua vida…

Se segura, sua boba! Cuida de parecer uma dessas estudantes de universidade. Finja que está de férias. Isso, assim, bem atraente… Voluptuosa. Que palavra gostosa. Voluptuosa. Me arrepio toda só de pensar ouvir isso saindo da boca dele. Mas não pensem que sou gorda não. Ele não gosta. Vive pedindo pra eu não descuidar da silhueta. Não desvia, presta atenção: Quando ele surgir na esquina finja que está perdida, chegue bem devagar perto dele, peça informação sobre alguma atração turística, um lugar bonito de se visitar… Dê asas a conversa, peça conselhos sobre onde ir… Ouse um pouco mais: peça pra ele tirar algumas fotos suas no meio do tráfego em poses ingênuas e sensuais… Talvez o melhor seja logo simplesmente tropeçar e cair… Cair nos braços dele, é claro. Braços que quando me sustentam sinto que sou mais leve que uma pena, mais leve que o ar, mais leve que todos meus pensamentos… Nos seus braços dispenso o mundo e tudo o mais… Nos seus braços parece que nasço de novo num paraíso só da gente, onde todos os meus desejos foram, são e serão satisfeitos pela ternura desse meu amado e eterno amante…

E quando as crianças, Aurélia e Miguel – ela a cara dele e ele a minha cara – pedirem uma história para dormir, não serei eu apenas a contar dos nossos sonhos e esperanças… Ali, ao nosso lado, Carlos Henrique permitirá que sua voz grave preencha cada canto, conserte cada erro meu de pronúncia e encontre significados que nunca imagino que possam existir e abra espaço na nossa imaginação até os limites do infinito… Que estranho pensar assim… Mas perto dele sou capaz de tudo.

Ah, Carlos Henrique, meu astro… Não é atoa que tens nome de personagem de novela… Deus te fez e jogou a forma fora. Às vezes me pergunto se mereço tanta felicidade e logo respondo sem pensar duas vezes: mereço sim. Mereço isto e muito mais… Ui, parece que é ele… Não, o carro dele não é desta cor e ele tem muito mais cabelo e os olhos são verdes… E os dentes brancos que nem flor de lírio… Detalhe, ele jamais usaria esse monte de fitinhas do Senhor do Bonfim enfeitando o espelho retrovisor.

– Aí, fofinha… Sai por quanto o programa?  


sábado, 12 de março de 2016

O Rio da Dúvida

Roosevelt e Rondon, abril de 1914



O ser humano e o mundo são governados por leis naturais
Conte


Enquanto navegava trechos iniciais de rio sem nome, o coronel pensava no quanto era certo que aquele curso d'água fazia parte da Bacia Amazônica e não do Prata como se pensava até então. Descoberto por ele numa expedição anterior onde instalara linhas telegráficas, ainda não figurava em mapas por conta da incerteza quanto ao trajeto, extensão e foz.

Quando lhe foi solicitado que acompanhasse o ex-presidente Roosevelt em uma expedição pela Amazônia, pensou imediatamente em recusar – não serviria de guia turístico a seu ninguém, teria mencionado. Após insistência de Lauro Müller, então Ministro das Relações Exteriores no governo Hermes da Fonseca, entendeu ser uma oportunidade para realizar o reconhecimento e medição daquele afluente e ao mesmo tempo fazer ver ao criador do estilo diplomático conhecido como Grande Porrete (autoproclamado direito dos Estados Unidos de intervir, para proteger seus interesses econômicos, em qualquer país da América Latina) que o buraco era mais em baixo.

Cândido Mariano Rondon, com aquele monte de sangue indígena nas veias, tinha plena confiança de que conseguiria civilizar Teddy Roosevelt que, tendo ajudado os cubanos a expulsarem os espanhóis da Ilha, sentia-se como o próprio chefe de polícia do mundo. O fato é que Roosevelt, não conseguido se eleger em 1912 para um terceiro mandato, e dado seu espírito aventureiro, decidiu partir em viagem de reconhecimento pela América Latina, onde coletaria espécimes animais e vegetais que enriqueceriam o Museu Americano de História Natural – entidade que patrocinou nababescamente a expedição.

Para que se tenha uma ideia do volume de bagagem que o homem trazia para esta jornada, conta-se que no porto de Santos, eram tantas as caixas, móveis, apetrechos e instrumentos que a certa altura, após horas e horas de descarga, alguém perguntou a um dos carregadores se havia terminado. O suado homem respondeu: - Ainda não. Ainda falta o piano.

Esta foi, por certo, uma das fontes de atritos entre Rondon e ex-presidente norte-americano. O futuro marechal, com uma equipe enxuta, bem mais preparada e conhecedora do roteiro e do terreno, fez questão de dispensar boa parte daquela tranqueira. Chegou mesmo a descartar o uso das canoas canadenses em prol das pirogas indígenas que ficavam apenas a cinco centímetros acima da linha d'água porém mais fáceis de transportar quando se tinha que contornar uma cachoeira ou evitar um trecho de pedra. Um dos cientistas que acompanhavam Roosevelt desistiu de continuar a viagem por conta dos cortes que Rondon fizera. Mas o líder dos Rough Riders (voluntários que combateram na guerra Hispano Americana) decidiu que o melhor era apoiar o brasileiro e, apesar do ataques dos mosquitos, das doenças (esteve nas mãos da morte) e dos embates com tribos arredias, continuou até o final.

O segundo ponto de conflito foi a relação com os índios que iam sendo encontrados pelo caminho. Roosevelt, várias vezes sugeriu atirarem para matar. Com calma e paciência exemplares, Rondon disse-lhe que no Brasil os índios seriam tratados de modo diferente e que, para tanto, já tinha criado o Serviço Nacional do Índio – órgão encarregado de proteger os poucos que escaparam das garras da sanha econômica. E neste particular, Roosevelt foi bastante enfático no apoio ao nosso sertanista. Um reverendo que lhe acompanhava e que havia prometido até o final da viagem batizar um bom número de brasilíndios, sentido-se cansado, decidiu que continuaria sua marcha evangelizadora… montado num índio. - Índio foi feito para carregar padre – explicou – e já me servi muitas vezes de semelhante meio de transporte. Vendo o constrangimento de Rondon e de todos os brasileiros, Roosevelt repreendeu severamente seu companheiro: – Pois você não cometerá tal atentado aos princípios do meu caro coronel Rondon. Ao religioso colonialista restou sair com o rabo entre as pernas.

Rondon, o indomável, certo de haver cumprido com a sua missão, decidiu homenagear o americano batizando o rio da dúvida com o seu nome.  



sábado, 5 de março de 2016

O Senhor da Pedra


O Coronel dos Coronéis


O Sertão está em toda parte
Guimarães Rosa


Era uma vez, nas brenhas do sertão nordestino, um cavalariano, de família importante, chamado Delmiro Porfírio, o Belo – moço casado e pai de cinco filhos. Tocando sua tropa de cavalos, lá pras bandas da Paraíba, viu de longe a menina Leonila Gouveia, filha de um poderoso coronel da região e logo se embeiçou por ela. Para enganchá-la na garupa da sua montaria, com ela se mandar para Ipu, no Ceará e refugiar-se na Fazenda Boa Vista, de propriedade dos seus, foi um pulo. Três anos depois nascia – era o ano de 1863, Delmiro Gouveia, aquele que leva o título que dá nome a este conto. Pressionado pela família da moça, Belo não viu escapatória senão alistar-se nos Voluntários da Pátria e partir para o Paraguai, onde, numa emboscada, lhe partiram o crânio em dezembro de 1867. Leonila, de déu em déu, chegou ao Recife e foi trabalhar de doméstica na casa de um advogado. Em 1877, na noite anterior à sua morte, o patrão aceitou-a em casamento.

Com uma herança desta nas costas, o jovem Delmiro tinha mesmo que ganhar o mundo, partindo de baixo para cima. Foi tipógrafo, funcionário de ferrovia (chegou a chefe de estação), mascate, despachante de barcaças e, por fim, negociante de couros de cabra e bode. Fundou a Casa de Comércio Delmiro & Cia, quando tinha apenas 33 anos de idade. Graciliano Ramos assevera na crônica “Recordações de uma Indústria Morta”, constante do livro Viventes das Alagoas: “Conheceu todos os segredos do ofício, adquiriu tanta habilidade que poderia, segundo afirmam os tabaréus, esfolar uma cabra viva sem que ela percebesse que estava sendo esfolada”. Mas a vida ainda reservava muitas loas para alguém que mal sabia escrever o nome mas se comunicava muito bem em português, inglês e francês.

Estabelecido no Recife conseguiu, com aliados políticos locais, construir o primeiro shopping center do Brasil, o Mercado do Derby – uma área de quase 2500 m2, totalmente abastecida com energia elétrica e um sistema de esgoto eficiente. Possuía 18 portões, 112 janelas, 264 boxes (todos com balções de mármore) onde, de dia, se vendia hortaliças e verduras, e à noite revelava-se um mundo de entretenimento e diversão (barracas de prendas, cinema, carrosséis, teatro, retretas…) que contava ainda com um elegante Restaurante e um luxuoso Hotel (onde se chegava de barco, vindo direto do porto da cidade, pelo leito do Capibaribe). Um verdadeiro encanto de modernidade no final dos oitocentos. Tinha até velódromo para ciclismo. Mas a medida que sua fama crescia os inimigos não lhe davam tréguas. Concorrentes políticos e econômicos tramavam abertamente contra seu sucesso e influência.

Estas tramoias o fizeram partir para o Rio de Janeiro a fim de tirar satisfações com o vice-presidente da República, Francisco Rosa e Silva, “dono” da política pernambucana, desafeto seu de outros carnavais. Encontrou-o flanando na rua do Ouvidor e, após uma troca de impropérios, deu-lhe uma bengalada nos cornos, obrigando-o a refugiar-se numa chapelaria. Alguns dias depois, o Mercado do Derby foi incendiado pela polícia. De volta ao Recife, foi preso e acusado de ter causado o sinistro de olho no seguro. Levado à falência, com o casamento arruinado com a senhora Anunciada Falcão, decide vingar-se do governador Segismundo Gonçalves, raptando-lhe a filha menor Carmela Eulina. Foge com ela para Alagoas, onde fixa-se na cidade de Água Branca, sob a proteção das famílias Torres e Luna.

De volta à ativa, verdadeiro rei das peles, recupera-se rapidamente e vai morar num sítio da cidade de Pedra, ao lado da cachoeira de Paulo Afonso. Consegue do governador alagoano, permissão para construir uma hidrelétrica, uma fábrica de linhas, uma vila operária, uma ferrovia e vários quilômetros de estrada pavimentada. Estava criada a Fábrica da Pedra que, favorecida pelo ambiente político-econômico da primeira guerra mundial, chegou a empregar duas mil pessoas, tornando-se a primeira indústria brasileira a produzir linhas de costura e fios industriais. Exportava para toda a América Latina um produto genuinamente nacional, com preços menores que os praticados pelo fabricante concorrente, a Machine Cotton, dona da marca Linhas Correntes.

O sertão virou um jardim. Luz elétrica, máquina de gelo, telégrafo, escola, cinema, tipografia, banda de música, pomares, hortas, guarda privada, escritórios, garantia de direitos trabalhistas três décadas antes de Getúlio promulgar a CLT e regulamento pra tudo – tinha até uma norma que multava quem cuspisse no chão da linda, limpa, sossegada, trabalhadora e esperançosa Vila da Pedra. Suas 250 casas distribuídas entre as ruas Rio Branco, José de Alencar, Floriano Peixoto, Ruy Barbosa, 13 de Maio, 15 de Novembro e 7 de Setembro foi o sonho e orgulho do povo nordestino que tem em Padre Cícero seu símbolo de fé, em Virgulino Ferreira, seu símbolo de valentia e em Delmiro Gouveia, seu símbolo maior da dedicação ao trabalho.

Porém, numa noite quente e abafada, dessas comuns no sertão, estava no alpendre da sua casa a ler uma gazeta, quando, por instantes, a vila fica sem energia. Nos depoimentos à justiça, alguém falou que viu um vulto passar com um lampião a querosene na frente da casa e que depois ouvir dois tiros e quando a força voltou, Delmiro estava caído com um ferimento bem em cima do coração. Enterrado no dia seguinte, chorou o poeta os seguintes versos: Quando o enterro de Delmiro/Foi pela rua passando/Parece que a gente ouvia/A cachoeira chorando”. Dois mequetrefes, após várias sessões de espancamento, foram acusados e sentenciados. Um tentou fugir mas, o mataram. O outro, indultado, recebeu emprego no serviço público, tempos depois. E a coisa terminou por aí: Vingança de ex-funcionários demitidos, foi o decreto. Mas, o que aconteceu foi que os ingleses, após arrematarem o espólio, fecharam a fábrica, desativaram a vila, mandaram quebrar todas as máquinas e os pedaços jogados no fundo do Velho Chico para todo o sempre amém… Para honra e glória do santo e sagrado monopólio estrangeiro. 


sábado, 27 de fevereiro de 2016

A Espiga de Milho no Meio do Cafezal

Venus and Mars Suprised by Vulcan
Joachim Wtewael, 1601



Uma tragédia verde-oliva

Existem vitórias que são verdadeiras derrotas


Agosto é mês do desgosto. Que o diga os envolvidos na Tragédia da Piedade. O dia era domingo. Euclides da Cunha, que dois dias antes teria dito ao filho Solon, de quinze anos, que a mãe dele era uma adúltera, passara a noite fumando. Na aurora do dia 15, em pleno 1909, o engenheiro militar parou diante do número 214 da Estrada Real de Santa Cruz, após pegar emprestado, com um primo, no bairro do Botafogo, na cidade do Rio de Janeiro, uma revolver calibre 22.

O que ficou registrado pela história daquela fatídica manhã provém dos depoimentos dos sobreviventes. A versão do tímido e introspectivo Euclides jamais virá a público, tal qual o testemunho da Capitu, amada rejeitada pelo casmurro Bentinho. O resto é literatura.

O que se sabe daquela hora é que Ana Emília Ribeiro da Cunha e seu filho Luiz, estavam trancados num quarto. Portanto, a filha do major Frederico Solon Sampaio Ribeiro, um dos principais propagandistas da República, é uma testemunha indireta do crime, não viu com seus próprios olhos o que aconteceu. Dinorá de Assis, irmão do Dilermando, com quem dividia a casa, atingindo por um tiro, ficou imobilizado no jogo. Resta-nos apenas a versão do tenente que diz ter o escritor invadido a casa, arrombado a porta do seu quarto e gritado: - Vim para matar ou morrer! Segundo sua versão, Euclides o teria atingido com dois tiros enquanto vestia a túnica.

Note-se contudo que o autor de Os Sertões sabia do romance da sua esposa com o jovem oficial, gaúcho, alto, belo, loiro, campeão de tiro e órfão, Dilermando Cândido de Assis. Este tórrido amor já durava cinco anos e gerara dois meninos. O primeiro, infelizmente, morreu após uma semana de vida. Euclides, que passava muito tempo em viagens, teria aceitado a ideia de criar o segundo inocente como seu legítimo filho. Tome-se como uma demostração de afeto ou quem sabe não desejasse ver seu nome envolvido num escândalo conjugal. Quem constrói uma reputação profissional digna de louvor teme por demais deitar nódoas sobre si. Se esta premissa se sustenta, é possível imaginar Euclides dirigindo-se ao bairro da Piedade para tentar reaver a mulher e a “espiga de milho no meio do cafezal”, que é como se referia à criança de quase dois anos de idade.

Considere-se porém o testemunho de duas vizinhas – uma de nove anos, negado em juízo pelo acusado. Segundo elas, Euclides, ao sair da casa, bradara: - Corja de bandidos. Logo em seguida Dilermando apareceu na porta e xingou: - Cachorro! Dizem as duas, que um tiro fatal atingiu o jornalista pelas costas. Estes testemunhos corroboram a tese de que o imortal fora vítima de um homicídio doloso, visto que Dilermando nunca contou exatamente como se deram os tiros e ninguém explicou como Euclides, com um tiro no peito e uma vértebra fraturada, poderia ter saído da casa. E aqui, entramos naquela zona sombria onde a imaginação tende a nos levar àquele território onde reina a opinião, repleta de amor-próprio, autoritária, cujo código de honra pode levar qualquer um à ruína.

Nesta perspectiva, temos a versão shakespeariana que aponta as duas tias de Dilermando, Angelica e Lucinda, fornecendo o endereço do sobrinho e insuflando os brios do Euclides, fazendo-o jurar que cuspiria sobre o cadáver da mulher que o traiu. A suposta cena tem apelo teatral e alta densidade dramática. Se aconteceu ou não, pouco importa. O que conta mesmo é que o ocorrido está habilitado a figurar na esfera do mito.

Mas a realidade é que, absolvido graças à ineficiência da acusação diante da esperteza do mestre Evaristo de Morais, que na defesa do réu, entre outras pérolas, ponderou que um oficial do exército não pode fugir ao confronto, pois a fuga é vergonhosa e perigosa; que a condenação do seu cliente equivaleria a um “triste conselho de covardia e de vilipêndio pessoal transmitido aos oficiais do brioso Exército Brasileiro”, além de sustentar a doutrina que admite o adultério desde que o responsável tenha pouca idade. Impregnado piamente deste código viril, Dilermando teve oportunidade de ferir e matar uma segunda vez, cinco anos depois. Levado novamente a juízo, alegou outra vez legitima defesa, desta vez contra o aspirante a oficial da Marinha, Euclides da Cunha Júnior, filho do rival. Tudo leva a crer que somos fantoches dos preconceitos e da hipocrisia social.

Finalmente livre e desimpedido, Dilermando casou-se com Ana em maio de 1911. Promovido e prestigiado, mudou-se para o Rio Grande do Sul onde, na condição de engenheiro, ergueu muitos prédios, inclusive o Quartel Geral do Exército, na cidade de Bagé. Geraram outros cinco filhos. Porém, contrariando os contos de fadas, separaram-se quinze anos depois. Morreram em 1951. Ela em maio, no Rio de Janeiro; ele em novembro, em São Paulo; de câncer e derrame cerebral, respectivamente. 


sábado, 20 de fevereiro de 2016

A Vera Aventura Do Que Escapou Dos Canibais Para Cair Nas Garras do Mercado


Brazil, Keith Haring, 1989


Nossa fé protestante é capaz de produzir milagres
Lutero


Em 1557, o Brasil ainda vivia sob sigilo. Sem que a coroa portuguesa pudesse controlar, vazou na Alemanha uns relatos na forma de livro. A História Verdadeira e Descrição de uma Terra de Selvagens, Nus e Cruéis Comedores de Seres Humanos, Situada no Novo Mundo da América de autoria do mercenário alemão Hans Staden. Se desconsiderarmos as cartas do Américo Vespúcio sobre o Novo Mundo, este foi o primeiro livro impresso a mostrar os usos e costumes do nosso povo nativo, com ênfase naquilo que havia de pior. A considerar que é o que vende, de lá pra cá pouco ou quase nada mudou.

Hans Staden beirou um ano cativo dos Tupinambás, no litoral paulista. Marinheiro de duas viagens, a primeira ao nordeste, onde, exímio manipulador de canhões, lutou a soldo do governador-geral Duarte da Costa, ao lado de cento e vinte combatentes, na defesa da fortaleza Igaraçu, em Pernambuco, contra cerca de oito mil indígenas. Uma vitória da coragem é que não foi. Moço gabola, jamais entrou no mérito de que a tecnologia das armas de fogo fez a diferença.

Aventureiro, queria mesmo se dar bem. Como era e é de praxe, se vendia a quem pagasse mais. Porém, a sorte lhe foi madrasta. Naufragou ali por Itanhaém quando buscava alcançar Assunção, no Paraguai, com o sonho de achar ouro. Viajava no rumo, seguindo relatos fantásticos e nada confiáveis, farejando uma vaga esperança. Desta forma, o que conseguiu foi engrossar o enorme contingente dos deserdados pela vida.

Capturado pelos índios num verdadeiro estado de penúria quando se aproximava de São Vicente, foi levado à Bertioga, depois para Ubatuba, onde ficou em regime de engorda durante noves meses. De acordo com algumas línguas babonas, fez de tudo para provar que não era um pero (português) para escapar ao moquém. Segundo outras, ferinas, cada vez que levado à cerimônia de antropofagia, tremia-se todo, chorava feito criança, se cagava, breava-se todo Como era costume comer apenas os valentes, o rapaz conseguiu uma sobrevida. Tratado como cão sarnento pelas mulheres e crianças da tribo, foi trocado por bugigangas pelo capitão gaulês Guillaume Moner, que convenceu o morubixaba de que o prisioneiro era francês. Podia alguém ser tão covarde? Teria perguntado Cunhambebe. Ao que nos consta, Moner fez que não ouviu e ofereceu um bônus de mais alguns espelhos e pentes ao velho cacique, certo de ter realizado um ato de caridade cristã.

De volta à Alemanha, Staden foi trabalhar como operário numa fábrica de pólvora. O que agravou-lhe a miséria. Carregava uma carta na manga, porém. Ao contrário da maioria dos seus compatriotas preocupados com a Reforma e a própria salvação, tinha uma história fantástica para vender. Se conseguisse publicar os relatos das suas duas viagens certamente sua sorte mudaria. Mexeu daqui, mexeu dali, logo apareceu o gráfico Andreas Kolbe, respeitado publicador de folhetos religiosos que vivia assim assado, sem grandes perceptivas além de sonhar com altos e gordos dividendos, doidinho para publicar alguma coisa que causasse impacto, que bombasse no mercado editorial numa época em que a norma era: apenas rico o sujeito garante seu lugar no céu. Ganhava corpo a tese de que pobreza era sinal de danação e que, para fugir do capiroto, haviam de legitimar a usura e que nos viesse o Leviatã.

Juntou a fome com a vontade de comer. Quando acabou de ler os manuscritos de Staden, Andreas cheirou final feliz, tinha nas mãos senão a gansa ao menos uma autêntica galinha dos ovos de ouro. Depressa, chamou Johann Eichmann, professor de anatomia na Universidade de Marburg, que por ser uma respeitada autoridade acadêmica, encarregou-se de escrever um prefácio, onde explicou ao público alemão porque a história de Staden era verdade e ainda afirmou conhecer o pai do autor – o que atestou a reputação do escritor aventureiro. Nos cálculos de Kolbe, isto abria grandes possibilidades mercadológicas. E como naquela ocasião (talvez ainda hoje) ninguém fazia a menor ideia do que era ou onde ficava o Brasil, um livro que falasse de um povo nu, selvagem e comedor de gente tinha tudo para estourar a boca do balão. Além do mais, notaram-lhe uma mensagem religiosa claríssima: o periclito de um indivíduo que havia escapado das garras de satanás graças à fé protestante. Ser usado como poderosa arma na guerra era mais uma chance de engordar o cofre do editor.

Livro maravilhoso, ao atiçar a imaginação e oferecer alguns instantes emocionalmente excitantes, logo esgotou-se numa segunda edição de três mil exemplares, gerando uma renda considerável. E como Deus escreve certo por linhas tortas, o pobre Hans na merda estava na bosta se firmou. Jamais lhe fora transferido qualquer centavo relativo a direitos autorais. Acabou por aceitar seu destino, não lhe restando saída senão um casamento de conveniência. E foi só. Atacado por uma praga, morreu em 1576, perebento de dar dó a gritar pra quem quisesse ouvir: Não fui comido lá pra ser devorado aqui.