sábado, 12 de março de 2016

O Rio da Dúvida

Roosevelt e Rondon, abril de 1914



O ser humano e o mundo são governados por leis naturais
Conte


Enquanto navegava trechos iniciais de rio sem nome, o coronel pensava no quanto era certo que aquele curso d'água fazia parte da Bacia Amazônica e não do Prata como se pensava até então. Descoberto por ele numa expedição anterior onde instalara linhas telegráficas, ainda não figurava em mapas por conta da incerteza quanto ao trajeto, extensão e foz.

Quando lhe foi solicitado que acompanhasse o ex-presidente Roosevelt em uma expedição pela Amazônia, pensou imediatamente em recusar – não serviria de guia turístico a seu ninguém, teria mencionado. Após insistência de Lauro Müller, então Ministro das Relações Exteriores no governo Hermes da Fonseca, entendeu ser uma oportunidade para realizar o reconhecimento e medição daquele afluente e ao mesmo tempo fazer ver ao criador do estilo diplomático conhecido como Grande Porrete (autoproclamado direito dos Estados Unidos de intervir, para proteger seus interesses econômicos, em qualquer país da América Latina) que o buraco era mais em baixo.

Cândido Mariano Rondon, com aquele monte de sangue indígena nas veias, tinha plena confiança de que conseguiria civilizar Teddy Roosevelt que, tendo ajudado os cubanos a expulsarem os espanhóis da Ilha, sentia-se como o próprio chefe de polícia do mundo. O fato é que Roosevelt, não conseguido se eleger em 1912 para um terceiro mandato, e dado seu espírito aventureiro, decidiu partir em viagem de reconhecimento pela América Latina, onde coletaria espécimes animais e vegetais que enriqueceriam o Museu Americano de História Natural – entidade que patrocinou nababescamente a expedição.

Para que se tenha uma ideia do volume de bagagem que o homem trazia para esta jornada, conta-se que no porto de Santos, eram tantas as caixas, móveis, apetrechos e instrumentos que a certa altura, após horas e horas de descarga, alguém perguntou a um dos carregadores se havia terminado. O suado homem respondeu: - Ainda não. Ainda falta o piano.

Esta foi, por certo, uma das fontes de atritos entre Rondon e ex-presidente norte-americano. O futuro marechal, com uma equipe enxuta, bem mais preparada e conhecedora do roteiro e do terreno, fez questão de dispensar boa parte daquela tranqueira. Chegou mesmo a descartar o uso das canoas canadenses em prol das pirogas indígenas que ficavam apenas a cinco centímetros acima da linha d'água porém mais fáceis de transportar quando se tinha que contornar uma cachoeira ou evitar um trecho de pedra. Um dos cientistas que acompanhavam Roosevelt desistiu de continuar a viagem por conta dos cortes que Rondon fizera. Mas o líder dos Rough Riders (voluntários que combateram na guerra Hispano Americana) decidiu que o melhor era apoiar o brasileiro e, apesar do ataques dos mosquitos, das doenças (esteve nas mãos da morte) e dos embates com tribos arredias, continuou até o final.

O segundo ponto de conflito foi a relação com os índios que iam sendo encontrados pelo caminho. Roosevelt, várias vezes sugeriu atirarem para matar. Com calma e paciência exemplares, Rondon disse-lhe que no Brasil os índios seriam tratados de modo diferente e que, para tanto, já tinha criado o Serviço Nacional do Índio – órgão encarregado de proteger os poucos que escaparam das garras da sanha econômica. E neste particular, Roosevelt foi bastante enfático no apoio ao nosso sertanista. Um reverendo que lhe acompanhava e que havia prometido até o final da viagem batizar um bom número de brasilíndios, sentido-se cansado, decidiu que continuaria sua marcha evangelizadora… montado num índio. - Índio foi feito para carregar padre – explicou – e já me servi muitas vezes de semelhante meio de transporte. Vendo o constrangimento de Rondon e de todos os brasileiros, Roosevelt repreendeu severamente seu companheiro: – Pois você não cometerá tal atentado aos princípios do meu caro coronel Rondon. Ao religioso colonialista restou sair com o rabo entre as pernas.

Rondon, o indomável, certo de haver cumprido com a sua missão, decidiu homenagear o americano batizando o rio da dúvida com o seu nome.  



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