Roosevelt e Rondon, abril de 1914
O
ser humano e o mundo são governados por leis naturais
Conte
Enquanto
navegava trechos iniciais de rio sem nome, o coronel pensava no
quanto era certo que aquele curso d'água fazia parte da Bacia
Amazônica e não do Prata como se pensava até então. Descoberto
por ele numa expedição anterior onde instalara linhas telegráficas,
ainda não figurava em mapas por conta da incerteza quanto ao trajeto,
extensão e foz.
Quando
lhe foi solicitado que acompanhasse o ex-presidente Roosevelt em uma
expedição pela Amazônia, pensou imediatamente em recusar – não
serviria de guia turístico a seu ninguém, teria mencionado. Após
insistência de Lauro Müller, então Ministro das Relações
Exteriores no governo Hermes da Fonseca, entendeu ser uma
oportunidade para realizar o reconhecimento e medição daquele
afluente e ao mesmo tempo fazer ver ao criador do estilo diplomático
conhecido como Grande Porrete (autoproclamado direito dos
Estados Unidos de intervir, para proteger seus interesses econômicos,
em qualquer país da América Latina) que o buraco era mais em baixo.
Cândido
Mariano Rondon, com aquele monte de sangue indígena nas veias, tinha
plena confiança de que conseguiria civilizar Teddy Roosevelt
que, tendo ajudado os cubanos a expulsarem os espanhóis da Ilha,
sentia-se como o próprio chefe de polícia do mundo. O fato é que
Roosevelt, não conseguido se eleger em 1912 para um terceiro
mandato, e dado seu espírito aventureiro, decidiu partir em viagem
de reconhecimento pela América Latina, onde coletaria espécimes
animais e vegetais que enriqueceriam o Museu Americano de História
Natural – entidade que patrocinou nababescamente a expedição.
Para
que se tenha uma ideia do volume de bagagem que o homem trazia para
esta jornada, conta-se que no porto de Santos, eram tantas as caixas,
móveis, apetrechos e instrumentos que a certa altura, após horas e
horas de descarga, alguém perguntou a um dos carregadores se havia
terminado. O suado homem respondeu: - Ainda não. Ainda falta o
piano.
Esta
foi, por certo, uma das fontes de atritos entre Rondon e
ex-presidente norte-americano. O futuro marechal, com uma equipe
enxuta, bem mais preparada e conhecedora do roteiro e do terreno, fez
questão de dispensar boa parte daquela tranqueira. Chegou mesmo a
descartar o uso das canoas canadenses em prol das pirogas indígenas
que ficavam apenas a cinco centímetros acima da linha d'água porém
mais fáceis de transportar quando se tinha que contornar uma
cachoeira ou evitar um trecho de pedra. Um dos cientistas que
acompanhavam Roosevelt desistiu de continuar a viagem por conta dos
cortes que Rondon fizera. Mas o líder dos Rough Riders
(voluntários
que combateram na guerra Hispano Americana) decidiu
que o melhor era apoiar o brasileiro e, apesar do ataques dos
mosquitos, das doenças (esteve nas mãos da morte) e dos embates com
tribos arredias, continuou até o final.
O
segundo ponto de conflito foi a relação com os índios que iam
sendo encontrados pelo caminho. Roosevelt, várias vezes sugeriu
atirarem para matar. Com calma e paciência exemplares, Rondon
disse-lhe que no Brasil os índios seriam tratados de modo diferente
e que, para tanto, já tinha criado o Serviço Nacional do Índio –
órgão encarregado de proteger os poucos que escaparam das garras da
sanha econômica. E neste particular, Roosevelt foi bastante enfático
no apoio ao nosso sertanista. Um reverendo que lhe acompanhava e que
havia prometido até o final da viagem batizar um bom número de
brasilíndios, sentido-se cansado, decidiu que continuaria sua marcha
evangelizadora… montado num índio. - Índio foi feito para
carregar padre – explicou – e já me servi muitas vezes de
semelhante meio de transporte. Vendo o constrangimento de Rondon
e de todos os brasileiros, Roosevelt repreendeu severamente seu
companheiro: – Pois você não cometerá tal
atentado aos princípios do meu caro coronel Rondon. Ao religioso
colonialista restou sair com o rabo entre as pernas.
Rondon,
o indomável, certo de haver cumprido com a sua missão, decidiu
homenagear o americano batizando o rio da dúvida com o seu nome.
Não conhecia detalhes desta marcha pelo interior brasileiro.
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