sábado, 25 de março de 2017

Forró Enluarado

Forró Pé de Serra, Xilogravura de J.Borges



Mangue Seco vivia uma estiagem braba. A vida estava virando pó… Todo dia alguém partia pro beleléu pra morar na cidade de pé junto e comer capim pela raiz por não encontrar um gole d’água pra beber.
Mestre Funéreo Asa Preta, sentiu de longe a catinga do fim. Ligeiro, voou alto e, ao ver aquele sucesso, uma montoeira de carniça espalhada pelo chão, estimou que não conseguiria dar conta do recado. Danou-se a pensar numa solução e, após pousar no galho de um umbuzeiro, decidiu que era hora de ter uma conversinha com dona Morte. A senhora do sono eterno havia de segurar a onda, era preciso dar um tempo naquela estripulia e permitir que a vida voltasse ao normal.
A indesejada das gentes disse que não tinha culpa no cartório, apenas cumpria sua obrigação de cortar o fio da vida e levar as almas pros campos do vai-num-torna. E que nesse negócio de seca, a responsabilidade era de Lua e Rio que andavam de mal um com o outro… Só quando eles fizessem as pazes, a chuva voltaria a molhar o chão.
Urubu se pôs no caminho da justiça e descobriu, em conversa com uns calangos que batiam em retirada daquele solo esturricado, que Lua era ele e se chamava Luiz e Rio era ela e se chamava Jaci; que eram dois apaixonados, espelho um do outro; que, da noite pro dia, viraram a cara um pro outro, por causa do ciúme que Lua sentia de ver a querida do seu coração de deleite com o Mar.
– Ando muito chateado com tudo isso e mais triste ainda porque a minha sanfona foi roubada. Só posso lamentar essa situação… É muita agonia ficar sem poder tocar minhas músicas, não contar com o meu instrumento para animar Rio a ter olhos só pra mim. Disse Lua a soluçar, escondido num canto escuro do seu quarto.
Funéreo andou mais um pouco na sua investigação e acabou por descobrir que a bendita sanfona fora roubada por dois empesteados que infernizavam os ouvidos da população com uma moda dos estranja, um som destrambelhado apelidado de sertanejo pesado. Por serem muito rudes no trato com a música, inchados de pretensão e vaidade, acabavam por arranhar as notas feito gatos brabos brigando dentro de uma cristaleira. Jeitoso, o esperto Asa Preta conseguiu convencê-los a mudarem o rumo das coisas. Como gostavam de batucar, lembrou-se duma zabumba e triângulo que viu num monturo e, depois de dar um trato nos petrechos, ensinou os dois a tocarem com maestria, comprometendo-se a conseguir que Lua os aceitasse como companheiros de serestas.
Lua Luiz, ao receber de volta seus oito baixos, botou o fole pra gemer. Quando Rio Jaci ouviu os acordes arrepiou-se todinha e começou a derramar água pelos olhos de tanta alegria. As lágrimas evaporaram e alcançaram as nuvens que, de tão pesadas, não tiveram escolha senão abrir as comportas do céu e deixar que a chuva caísse de mansinho sobre a terra sofrida. 
O amado, satisfeito, transformou-se em Lua Cheia, presenteou a amada com um lindo manto prateado e, durante uma semana, um forró enluarado animou a cidade com as mais belas músicas e canções. Foi tanto contentamento que a turma decidiu mudar o nome da localidade. O que antes era um mangue seco passou a se chamar Jaciobá que, na língua da floresta, quer dizer espelho da lua.
O povo, com a alma aliviada e o coração refrescado, encheu potes e moringas e sorriu de felicidade diante das cacimbas fartas, cisternas topadas, lagoas abarrotadas, açudes transbordantes… É, finalmente a vida e a beleza voltaram a reinar soberanas e até hoje, toda vez que mandacaru fulora lá na serra, é dia de festa no sertão: sinal que a Morte entrou de férias e Urubu Rei pode tirar um merecido cochilo depois do almoço. 

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