sábado, 23 de julho de 2016

Eu Tenho a Cura


O Suicídio de Lucrécia
Albrecht Durer, 1518


Às vezes encontro histórias reais que parecem ficção e me pergunto: como a vida pode imitar tão bem a arte? A narrativa que apresento a seguir, já foi exposta em livro, artigos, possui verbete na Wikipédia e até li que o Steven Spielberg adquiriu os direitos de transpor para o cinema as desventuras do protagonista. O que não é inapropriado. Afinal, precisamos de histórias exemplares, sempre. Ainda mais por conta do avanço, entre nós, de tantas pautas conservadoras, retrógradas, fascistas... Aos leitores, peço que sejam pacientes com o meu modo de recontar. E tenham presente o ditado: quem conta um conto aumenta um ponto. No caso, inverti da linha do tempo e fragmentei a história com o intuito de possibilitar outra perspectiva. Boa leitura.  



Toda verdade será questionada


Olha em volta: o pátio do supermercado está vazio naquela hora da manhã. Manobra, estaciona, desliga o carro, respira fundo... Vira-se, pega no banco traseiro (debaixo de uma manta) uma espingarda de cano serrado… Aponta-a na direção do queixo (gesto que o obriga a inclinar a cabeça pra trás), fecha os olhos e... dispara.

O doutor Milton Diamond, certo de que está pisando em terreno minado, recebe em seu consultório um repórter de famosa revista, determinado a, finalmente, expor os métodos praticados por seu colega, o famoso psicólogo John Money, professor da Johns Hopkins University de Baltimore.

O silêncio que se segue ao disparo indica que o socorro vai demorar.

Diamond tem diante de si, uma pasta recheada: - São todas minhas anotações desde que comecei, a investigar, por conta própria, o tratamento que fora imposto aos gêmeos.

Um policial encontra um bilhete que não deixa dúvida: o jovem suicida chamava-se David e tinha 38 anos de idade.

- Conheci-o em 1997 e desde então, escandalizado, cuidei de questionar a premissa apregoada pelo doutor Money de que nascemos neutros e que nossa identidade masculina ou feminina se dá exclusivamente em função da maneira como somos criados, o que quer dizer que é possível mudar a sexualidade de uma pessoa através de um “redirecionamento”.

Em estado de depressão profunda, a mãe depõe: - Após sua história se tornar pública, perdeu o emprego; sua boa esposa Jane, com quem vivera casado desde os 24 anos e fora um bom padrasto para os seus três filhos, o deixara; seu irmão Bruce, diagnosticado esquizofrênico, cometeu suicídio dois anos atrás… Ingeriu uma overdose de antidepressivos… Carregava uma profunda culpa por ter saído ileso da operação… Foram anos de frustração por ver o irmão sofrer… Meu marido tornou-se alcoólatra… Pobre David, vivera uma vida infeliz e desgraçada graças ao egoísmo de um médico oportunista, cheio de certezas e, sobretudo, cruel.

- Money nasceu numa família de rígidos preceitos protestantes e ficou conhecido como uma espécie de guru da sexualidade que preconizava comportamentos sexuais ousados. Defendia os casamentos “abertos”; estimulava o sexo grupal e bissexual, além de, em momentos mais extremados, tolerar o incesto e a pedofilia. O problema é que sua teoria, embora contasse com algum respaldo na comunidade cientifica, era controversa e os seus experimentos bastante antiéticos, diz o doutor Milton, acendendo o cachimbo. E após uma longa baforada, continua: - David se engajou numa luta em busca do sexo perdido. Fez várias cirurgias para fechar a vagina artificial, recompor a genitália masculina com a implantação de próteses de pênis e testículos, retirar os seios crescidos a base de estrogênos, além de iniciar tratamentos hormonais para masculinizar sua musculatura.

Num determinado dia do ano de 1965, o jovem casal de fazendeiros, Janet e John Reimer, assistem a um programa de televisão no qual doutor Money é entrevistado. Acreditam terem encontrado a solução para o problema do filho mutilado. David começa a servir de cobaia para a experimentação de uma teoria. O médico aconselha a família a educá-lo como se fosse uma menina. Sugere chamá-lo de Brenda. Os pais nunca devem mencionar o assunto daquela sexualidade artificial. Mas não demora muito até que a “menina” comece a reagir ao tratamento; odeia bonecas e brinquedos de meninas; rasga os vestidos constantemente… O medo dos pais de que “Brenda” descubra a verdade, só cresce com o tempo e os problemas começam a ficar cada vez mais sérios. Enquanto cresce, os efeitos hormonais começam a aparecer, e apesar do tratamento de “feminização” com estrogênios, David começa a desenvolver musculatura e estatura masculinas. Isso tudo desencadeia uma infância e adolescência cercada de chacota e crueldade por parte das crianças de sua escola. David jamais superaria aqueles anos. Muito menos aquela experiência traumática. Um dia o doutor Money chama o casal ao seu consultório e lhes diz que existe uma equipe de médicos que trabalham com crianças nascidas com genitália anormal e que acreditam que um pênis não pode ser substituído mas uma vagina funcional poderia ser construída cirurgicamente e que o mais provável era que o filho deles viesse a ter uma bem-sucedida maturação sexual como menina do que como menino. - A mudança de sexo será o melhor para David, afirma Money.

Conte-me mais sobre a experiência.
Durante muito tempo o doutor Money relatou o caso como um experimento de desenvolvimento de gênero feminino bem-sucedido, usando-o para apoiar a mudança de sexo e a reconstrução cirurgia mesmo em casos sem variação de caracteres sexuais. Quando conheci David foi quando me dei conta de que o que o sexólogo realizava era, talvez, o experimento mais cruel da história da Psicologia. Nos relatos de David vemos o quanto ele submeteu os meninos à práticas degradantes. Mostrava fotos sexuais explícitas e teria feito as crianças encenarem posição de coito. David disse-me que era comum o doutor Money obrigá-lo a tirar a roupa e ficar de quatro para que seu irmão simulasse uma penetração por trás.

O casal Reimer notam algo de errado na maneira com que suas crianças de seis meses urinam. Tratam de levá-los à clínica local. Ao serem examinados por um profissional, recebem um diagnóstico trivial – fimose. A recomendação é a que os gêmeos devem ser circuncidados. O médico é enfático ao afirmar que os benefícios ultrapassam os riscos e as vantagens estão na prevenção de infecções urinárias, doenças sexualmente transmissíveis e até câncer de pênis.

Isto era uma prática comum… Tratar fimose com circuncisão? Surpreendeu-se o repórter. O doutor Milton recolocou os óculos, remexeu na papelada e selecionou alguns recortes de jornais com artigos de eminentes profissionais.
É bastante comum naquela região, norte dos Estados Unidos e Canadá. Existe até uma resolução da Academia Americana de Pediatria apoiando a prática.
Continue...
Dois meses depois, os médicos optaram por não operar um deles, cuja fimose havia desaparecido sem qualquer intervenção cirúrgica. Um urologista realizou a operação no pequeno David utilizando o método não-convencional de cauterização – uma agulha de eletro cauterização em vez de um bisturi para retirar o prepúcio do menino. O procedimento destruiu completamente o pênis do menino. Posteriormente o órgão necrosou e, em seguida, se desprendeu do corpo. Como os procedimentos de cirurgia de reconstrução genital ainda eram prematuros, David ficou com poucas opções de ter seu pênis de volta. E aí começou o seu calvário.


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