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sábado, 30 de abril de 2022

pétalas e plumas

 

The Spring, Walter Crane, 1883




Sim! Sou um poeta e sobre minha tumba
Donzelas hão de espalhar pétalas de rosas”

Ezra Pound, E Assim em Nínive





sou poeta,

bebo vinho,

saúdo a vida

e clamo a ti, fulana:

quando eu morrer

espalhe pétalas e plumas sobre a terra

para aqueles que ainda caminham

pisem suave

sobre o efêmero lar


 

sábado, 23 de abril de 2022

hábito de mistério

 

Vertical-Horizontal I, Hedda Sterne, 1963




olho o horizonte…

apenas infinito e nada:

ambos sou eu

alheio


não fosse o oponente

tolher a passagem,

jamais perguntaria

pra onde vou ou o que sou…


tem muito o que explicar

esse vazio

cada vez que dói


uma, duas, “n” vezes

voltarei

a encarar o horizonte

preciso conhecer

tudo que desconheço


 

sábado, 16 de abril de 2022

odisseia

 

Tillia Durieux (atriz austríaca) interpreta Circe, óleo de Franz von Stuck, 1912




me amas assim?

preciso ao menos cinco doses!

minha razão não compreende

esse sentir (ah, teu tom, teu olhar além…)

diante da sede de alegria e prazer


a aguardente me permite

navegar a sedução

mas também conduz ao susto e ao sono:

inteiro à tua mercê

isto é desigual, mulher,

impossível te alcançar

– que há comigo que não controlo,

no delírio de te entender, este artifício?


e cisma minha imperfeição, melhor esquecer

sereia encantada: 

teu canto em meus ouvidos

este faz de conta

meu sonho

acessível a todo instante...

basta que me embriague a solidão



 

sábado, 19 de março de 2022

era uma vez quando me fizeste feliz

 

The Dream, Henri Rousseau, 1910




aguarde amor que volto ali ao sonho

para seguir adiante dos fantasmas

a enfrentar meu mais profundo medo…


devo alcançar sejas tu quem sejas

 - brinquemos juntos

e que rias de mim

que rias comigo, que fujas

que não facilites, que não cedas

à minha ansiedade, minha despreparo

meu despropósito…


ah, o desafio de vir a ser…


se acaso, por bondade

(quem sabe prazer ou petulância)

vieres a me ofertar o teu amor

que seja por descompromisso

(amanhã não saberei de mim, quanto menos de nós)

e mesmo que digas espero te ver outra vez

sei da impossibilidade de um castelo

que te guarde à minha espera…

por isto, eis que parto, pois é preciso que eu parta

a carregar esta ilusão – tua lembrança, este sonho...

 

me resta presente

fazer o caminho de volta

a ti, que me deste um momento

 instante feliz

e no caminho, insisto: que tal 

entre tantos poemas possíveis, reviver amor?!


 

sábado, 12 de março de 2022

instante 47

 

Primavera, Francisco Barreira, 1638




coisinhas indispensáveis em qualquer paraíso:

sol, brisa, rede, poesia,

cerveja gelada, tira-gosto e…

boa companhia.


o resto é arenga do dia a dia



 

sábado, 5 de março de 2022

ecos maternos

 

Migrant Mother, Dorotea Lange, 1936




no mundo

existem pessoas boas

existem pessoas más

e existem as mais ou menos…

porém, a maioria das pessoas

que existem no mundo

são indiferentes

não sentem, não ouvem

o clamor da consciência


quem entre nós continua a ouvir

a mãe clamar nosso nome

e nos alertar que o outro é alguém?


(minha mãe nunca quis que eu destruísse o mundo

porque o mundo, pra minha mãe, sempre foi

o cantinho que ela construiu para mim)


 

sábado, 26 de fevereiro de 2022

lá vem a guerra

 

Triple Elvis, Andy Warhol, 1963



lá vem a guerra

pontual

bater outra vez

a minha porta

lá vem a guerra

com a bandeira da paz

(paz é que nem jesus:

palavras apenas

usadas em vão)


lá vem a guerra

assídua

mais uma vez bater a minha porta

exigir minha adesão

e ousa a molambenta, esculhambada

desdentada, muxibenta

irmã da fome e da miséria

falar em nome da liberdade

do dever, da responsabilidade

porque não há nada mais cívico

e patriótico que a guerra!


lá vem a guerra

rotineira e infalível…

ai de mim se digo não

à sua lengalenga

viro traidor

da pátria, dos bons costumes,

da família e da propriedade…


lá vem a guerra

indispensável

perder tudo que é nosso

em nome de uns tais princípios

que não vale para os outros…


ah, sim os outros

são sempre os outros

o lado de lá

o inimigo… range os dentes

a estridente guerra

ao mencionar

aqueles que não devemos mencionar

e fala horrores

e simula chiliques

desenterra recalques

atiça temores

e aviva rancores…


agirá assim

quando amanhã,

essa ferramenta darwiniana

a serviço do progresso dos povos

livres, leves e soltos das democracias exemplares,

for a vez de bater a porta dos outros?


lá vem a guerra

mais uma vez

impecável

indubitável

irremediável… e última.



 

instante 46

 


Ghosts, Ricard Hamilton, 1994


hoje acordei

mortinho da silva

eu passarinho

acossado

pelo tio do pavê…


aff, morri justo na hora

que a tia do zap

alcançou os trending topics

botou no chinelo cientistas da sbpc

e bang: assaltou-me a vida

não morri em vão


acaso o cálculo acabe

com o mal-ajambrado tesão

ainda me hão de sobrar partículas


atômico, eu fantasma

atravesso paredes

e alcanço a ilha

que me aguarda

do outro lado da sala




 

sábado, 19 de fevereiro de 2022

ora, ouço estrelas

 

O Homem Amarelo, Anita Malfatti, 1917


abandono o passado

(essa sugestão),

e o que trouxer de abuso

 

faminto perscruto o futuro,

as tais coisas novas

pessoas, ideias

projetos…


a farofa e a carne seca me enchem o bucho,

a pimenta me anima

teço no presente novo figurino

 descuidado

refresco a encobrir a pele

 curtida em sal, sol e fúria

e exibido, passeio, aos domingos - 

os pés plantados neste massapé cansado e trêmulo…


se o que não mata engorda

bebo na fonte do destempero

e sigo

degustando a carne de heróis:

sim, eu imperfeito, canibal, ainda escolho

ouvir estrelas e fazer graça pra plateia

 cuspindo fora

 todo sub e sobre-humano


oh, terra zoada de são saruê

senhora

mágica maravilhosa

olhos que esquecem

o dia que tudo houve

história que não serve ao poema

e tampouco vem ao caso

aos nossos sonhos melhores…


pairo feito grito acima do dilúvio

(que após tantos séculos

ainda escorre ribanceiras abaixo)...

 

minha goela inundada clama

por outro quebra galho

outra terra à vista – lá

donde jamais deveria ter saído,

onde eu era só amor e ponto final

(mas dado meu histórico de poeta

posso estar redondamente enganado)



sábado, 12 de fevereiro de 2022

amor e alma

 

Love and Psyche, Henrik Siemiradzki, 1894




o amor nada tem de silencioso

senhor

o amor é ruidoso

qual sinfonia do amanhecer

onde a natureza

e o engenho humano,

celebram o milagre da vida…


o amor é barulhento, nervoso

diga-nos o amante,

incontido,

que quer que todos saibam

da sua alegria e prazer

quando a paixão começa

e do seu desespero e mágoa

assim que o amor acaba


diante dessa travessa divindade

apenas os descrentes,

ignorantes da agonia gozosa da vida,

silenciam – tão pobres e frios,

insensíveis à centelha

que faz arder desígnios buliçosos

em nossa decantada alma



sábado, 5 de fevereiro de 2022

paraíso cruel

 

The Marriage of Heaven and Hell, Keith Haring, 1984


moro num país onde se rouba,

violenta, estupra, tortura, mata,

sonega, saqueia, odeia, difama

desmanda, distorce, explora,

manipula,

escraviza…


e depois exige (talvez até compre)

o perdão de deus


quanto sangue inocente

é preciso

para zerar tantos pecados?


vergonha, remorso, arrependimento…

definitivamente

não fazem parte do nosso portfólio.



sábado, 29 de janeiro de 2022

composição 3

Theatrical Composition, 
Christian Boltanski, 1981




finjo para nos proteger

é que não sei mais se te amo

e assim estragar com tudo


fique essa vida como está

não há tempo curandeiro

um orgasmo verdadeiro

já não sabemos alcançar


 

sábado, 22 de janeiro de 2022

composição 2

 




Google Imagens



não me apetece a velhice

mas imortal não posso ser

se não sei da missa um terço


e sendo toda ideia invenção

vou zerar tudo que aprendi

e fadado a ter que partir

me arrepia a eterna escuridão



sábado, 8 de janeiro de 2022

instante 45

 

At the End of the Way, Ilse D'Hollander, 1995




acordarei amanhã

mortinho da silva…


o tio do pavê

tem mais importância

que cientista da sbpc…


não há de ser nada,

o cálculo acaba

com o malacabado



sábado, 1 de janeiro de 2022

controverso

 

Palhaço Insano, Banksy, 2001




ô lindinha…

por mais que te ame

(e me ocorre amar-te tanto)

difícil trazer à tona

aquilo que protejo

do meu desatino


se

a tempos destruí

o castelo de cartas que nos abrigou,

difícil desisti tão fácil

de mendigar as migalhas que restam

de um amor outrora promissor


mas, por favor, não me coloques à prova

não me humilhes

que imaturo choro

e me acabo no ciúme -

esse patíbulo dos insanos


ontem quis te esquecer

hoje fiz de tudo

para não me punir… e doeu.



sábado, 18 de dezembro de 2021

nosso melhor

The State, Richard Hamilton, 1993




o que é pior:

o crime do assassino

que mata em próprio nome

ou da polícia

que assassina em nome do Estado?


a culpa do bandido é única

 e dele

a culpa do Estado é nossa: 

delegamos o monopólio da violência


quem é pior:

o indivíduo que almeja a potência?

ou o Estado que, através da violência,

sufoca e reprime a potência?


já ouvi: em sociedade

limitamos nossa liberdade -

não dá pra ser absolutamente livre

em meio a diversidade…


mas também ouvi de um poeta:

se não desejares o melhor para todos

jamais alcançarás o melhor de ti”



sábado, 20 de novembro de 2021

escolha e consequência

 

In the Garden of Infinite Choise, Jeremy Henderson, 1989


mal sei o que aconteceu na última sexta-feira

 pouco recordo do dia de ontem

consigo prever dois ou três lances

 olhe lá

na partida de xadrez que jogo com o futuro -

 construção interminável do amanhã


quantas e quais consequências considero

ao ter que decidir

com que roupa vou

ao samba que você me convidou?

impossível combinar tantos dados…

daí sigo no rumo

ligo o automático e parto

 

confuso a cada escolha

 

desisti de acertar:

deleguei ao algoritmo

a propriedade das minhas decisões



sábado, 13 de novembro de 2021

a palavra que nos resta

 

Devils Confronting Dante and Virgil, Gustave Doré, 1890




vai daí, mano, fala mal

mas fala bem mal, mete bronca -

que a flor maldita, essa canibal

perfumada de carne podre

se torne estéril um dia… um dia…


partiste e vives de partir,

morrer de saudade e voltar

encarar os demônios

demônios normais, cotidianos

que não te querem aqui

que não te querem em canto nenhum


viver é uma afronta (sacaste isto antes de mim)


mas e quanto aos teus

os que ficaram e ficam, nós

que nem mais esperam

nada de ti, além que sobrevivas

no tapa na cara, lâmina no olho

chute na bunda, deles – inimigos mortais…


demônio a gente vence

demônio a gente acerta no meio da fala

vai pra rua, exibe a unha

e canta... a palavra - 

esse tudo que nos resta!


 

sábado, 6 de novembro de 2021

fraude que nos assola

 

A Primeira Missa no Brasil, Glauco Rodrigues, 1980


ê brasil

e olha que aceito tal nome

e até esqueço das palmeiras

de Pindorama

vermelho brasil, lembra?

em pelo

comedor de gente

 mas não de qualquer um

guerreiro vaidoso

festeiro

que sabia se embebedar

amar, fornicar

e cultivar a crença de uma terra sem males

esse pai brasil, filho da mãe, era de todos

naqueles tempos


ê barro encarnado, agora

misturado ao branco e ao preto

por obra e graça adversa

sois origem do prisma reverso

capaz de recompor o poema

e revelar o mistério

da fraude que nos assola



sábado, 25 de setembro de 2021

comédia humana

 

The Wedding Dance in the open air, Pieter Bruegel o Velho, 1566



coisinhas indispensáveis em qualquer paraíso:

sol,

brisa,

rede,

poesia,

cerveja gelada,

tira-gosto,

boa companhia…


o resto é cotidiano:

boletos, mercado, médico

e, vez em quando, uma arenga, um luto, uma tristeza

afinal, ninguém consegue viver nas nuvens o tempo todo.