sábado, 26 de fevereiro de 2022

lá vem a guerra

 

Triple Elvis, Andy Warhol, 1963



lá vem a guerra

pontual

bater outra vez

a minha porta

lá vem a guerra

com a bandeira da paz

(paz é que nem jesus:

palavras apenas

usadas em vão)


lá vem a guerra

assídua

mais uma vez bater a minha porta

exigir minha adesão

e ousa a molambenta, esculhambada

desdentada, muxibenta

irmã da fome e da miséria

falar em nome da liberdade

do dever, da responsabilidade

porque não há nada mais cívico

e patriótico que a guerra!


lá vem a guerra

rotineira e infalível…

ai de mim se digo não

à sua lengalenga

viro traidor

da pátria, dos bons costumes,

da família e da propriedade…


lá vem a guerra

indispensável

perder tudo que é nosso

em nome de uns tais princípios

que não vale para os outros…


ah, sim os outros

são sempre os outros

o lado de lá

o inimigo… range os dentes

a estridente guerra

ao mencionar

aqueles que não devemos mencionar

e fala horrores

e simula chiliques

desenterra recalques

atiça temores

e aviva rancores…


agirá assim

quando amanhã,

essa ferramenta darwiniana

a serviço do progresso dos povos

livres, leves e soltos das democracias exemplares,

for a vez de bater a porta dos outros?


lá vem a guerra

mais uma vez

impecável

indubitável

irremediável… e última.



 

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