sábado, 19 de fevereiro de 2022

ora, ouço estrelas

 

O Homem Amarelo, Anita Malfatti, 1917


abandono o passado

(essa sugestão),

e o que trouxer de abuso

 

faminto perscruto o futuro,

as tais coisas novas

pessoas, ideias

projetos…


a farofa e a carne seca me enchem o bucho,

a pimenta me anima

teço no presente novo figurino

 descuidado

refresco a encobrir a pele

 curtida em sal, sol e fúria

e exibido, passeio, aos domingos - 

os pés plantados neste massapé cansado e trêmulo…


se o que não mata engorda

bebo na fonte do destempero

e sigo

degustando a carne de heróis:

sim, eu imperfeito, canibal, ainda escolho

ouvir estrelas e fazer graça pra plateia

 cuspindo fora

 todo sub e sobre-humano


oh, terra zoada de são saruê

senhora

mágica maravilhosa

olhos que esquecem

o dia que tudo houve

história que não serve ao poema

e tampouco vem ao caso

aos nossos sonhos melhores…


pairo feito grito acima do dilúvio

(que após tantos séculos

ainda escorre ribanceiras abaixo)...

 

minha goela inundada clama

por outro quebra galho

outra terra à vista – lá

donde jamais deveria ter saído,

onde eu era só amor e ponto final

(mas dado meu histórico de poeta

posso estar redondamente enganado)



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