188 anos da Batalha do Jenipapo
Ilustração de Bernardo Aurélio, 2011
Todo
sangue derramado é santo
Às margens do Riacho Jenipapo, no município de Campo Maior, sertão
do Piauí, uma série de montículos de pedras indica o local onde
jazem centenas de desconhecidos corpos. Uma cruz imensa e milhares de
ex-votos fazem daquele cemitério um local de peregrinação, um
centro de culto da religiosidade popular.
A maioria dos visitantes
vem em busca de milagres. E os atribuídos às almas dos que ali
estão enterrados são muitos, todos devidamente catalogados pelo
padre paroquiano. Tais documentos aguardam apenas que se cumpra
alguns conformes para finalmente seguirem para o Vaticano em busca de reconhecimento. Poucos
são os que chegam ali para prestar homenagem aos que tombaram numa
das mais doloridas batalhas travadas em prol da Independência do
Brasil.
No dia 13 de março de 1823, bem ali, naquelas margens secas, o
capitão João José da Cunha Fidié, nomeado Governador das Armas da
Província do Piauí pelo Rei D. João VI, com a incumbência de garantir a
permanência do domínio português sobre as províncias do norte
brasileiro. No comando de mais de mil soldados, naquele dia, das nove
da manhã às duas da tarde, passou pelo fio da espada de uma bem
treinada cavalaria, uma massa de piauienses, maranhenses e cearenses,
especialmente vaqueiros e roceiros agregados de fazendeiros
lusitanos.
Armados de foices e facões e de uma extraordinária vontade de
conquistar o próprio chão – um lugar para viver e trabalhar –
partiram para o combate debaixo de enorme desvantagem bélica. Cinco
horas de luta, cinco horas de uma batalha que acabou por consolidar a
independência naquela região. É que a vitória de Fidié soou como
uma derrota e nada mais seu exército pode fazer para conseguir se
impor daí em diante.
A Batalha do Jenipapo gerou uma onda de indignação, inflamou ainda
mais a revolta, gentes e mais gentes se juntaram aos combatentes em
nome da tão sonhada liberdade. Sitiado em Caxias, no Maranhão, o
comandante português finalmente capitulou diante da tenacidade do
anônimo mestiço brasileiro.
Ao contrário do que muita gente pensa e diz, o suposto grito às
margens do riacho Ipiranga pouco contribuiu para o fim do domínio
estrangeiro. Muita água teve que rolar debaixo da ponte. A
Independência do Brasil, alimentada desde tempos, foi penosa e
custou muito sangue. Quantos fuzilados, enforcados, esquartejados…
Levado para Oeiras, Fidié permaneceu prisioneiro por oito meses.
Depois foi enviado à Bahia, e logo conduzido ao Rio de Janeiro onde
ficou confinado na Fortaleza de São Francisco Xavier na Ilha de
Villegagnon. Pedro I lhe concedeu a liberdade, permitindo-lhe que
regressasse a Portugal onde acabou sendo nomeado primeiro comandante
do Real Colégio Militar para reformar-se, em 1854, no porto de
tenente-coronel.
E assim tem sido: aos algozes, o bônus; às vítimas, o ônus.
Finalmente, duas coisas sobrevêm: a) não há nenhuma evidência de
que os verdugos tenham remorso ou sejam assombrados por fantasmas; e
b) um ser humano sozinho, em posição de destaque, apenas convalida a
injustiça.
Desconhecia tal fato, aliás bem narrado aqui. E, com certeza, verdugo nenhum tem drama de consciência.
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