sábado, 2 de abril de 2016

As Almas do Batalhão


188 anos da Batalha do Jenipapo 
Ilustração de Bernardo Aurélio, 2011


Todo sangue derramado é santo


Às margens do Riacho Jenipapo, no município de Campo Maior, sertão do Piauí, uma série de montículos de pedras indica o local onde jazem centenas de desconhecidos corpos. Uma cruz imensa e milhares de ex-votos fazem daquele cemitério um local de peregrinação, um centro de culto da religiosidade popular. 

A maioria dos visitantes vem em busca de milagres. E os atribuídos às almas dos que ali estão enterrados são muitos, todos devidamente catalogados pelo padre paroquiano. Tais documentos aguardam apenas que se cumpra alguns conformes para finalmente seguirem para o Vaticano em busca de reconhecimento. Poucos são os que chegam ali para prestar homenagem aos que tombaram numa das mais doloridas batalhas travadas em prol da Independência do Brasil.

No dia 13 de março de 1823, bem ali, naquelas margens secas, o capitão João José da Cunha Fidié, nomeado Governador das Armas da Província do Piauí pelo Rei D. João VI, com a incumbência de garantir a permanência do domínio português sobre as províncias do norte brasileiro. No comando de mais de mil soldados, naquele dia, das nove da manhã às duas da tarde, passou pelo fio da espada de uma bem treinada cavalaria, uma massa de piauienses, maranhenses e cearenses, especialmente vaqueiros e roceiros agregados de fazendeiros lusitanos.

Armados de foices e facões e de uma extraordinária vontade de conquistar o próprio chão – um lugar para viver e trabalhar – partiram para o combate debaixo de enorme desvantagem bélica. Cinco horas de luta, cinco horas de uma batalha que acabou por consolidar a independência naquela região. É que a vitória de Fidié soou como uma derrota e nada mais seu exército pode fazer para conseguir se impor daí em diante.

A Batalha do Jenipapo gerou uma onda de indignação, inflamou ainda mais a revolta, gentes e mais gentes se juntaram aos combatentes em nome da tão sonhada liberdade. Sitiado em Caxias, no Maranhão, o comandante português finalmente capitulou diante da tenacidade do anônimo mestiço brasileiro.

Ao contrário do que muita gente pensa e diz, o suposto grito às margens do riacho Ipiranga pouco contribuiu para o fim do domínio estrangeiro. Muita água teve que rolar debaixo da ponte. A Independência do Brasil, alimentada desde tempos, foi penosa e custou muito sangue. Quantos fuzilados, enforcados, esquartejados…

Levado para Oeiras, Fidié permaneceu prisioneiro por oito meses. Depois foi enviado à Bahia, e logo conduzido ao Rio de Janeiro onde ficou confinado na Fortaleza de São Francisco Xavier na Ilha de Villegagnon. Pedro I lhe concedeu a liberdade, permitindo-lhe que regressasse a Portugal onde acabou sendo nomeado primeiro comandante do Real Colégio Militar para reformar-se, em 1854, no porto de tenente-coronel.

E assim tem sido: aos algozes, o bônus; às vítimas, o ônus. Finalmente, duas coisas sobrevêm: a) não há nenhuma evidência de que os verdugos tenham remorso ou sejam assombrados por fantasmas; e b) um ser humano sozinho, em posição de destaque, apenas convalida a injustiça.  


Um comentário:

  1. Desconhecia tal fato, aliás bem narrado aqui. E, com certeza, verdugo nenhum tem drama de consciência.

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