sábado, 9 de abril de 2016

Pais Fundadores

Mapa da Terra Brasilis 
de Pedro Reinel e Lopo Homem, 1519



A consolidação do Brasil é obra dos brasilíndios ou mamelucos.
Darcy Ribeiro


Aventureiro, parte de Portugal em busca da Ilha Paraíso. Náufrago nas costas brasilis, é encontrado numa praia por nativos. Por algum engenho ou pelos demais no corpo, desistem de saboreá-lo ao ponto. Adaptado, logo se junta a uma filha de cacique com quem tem um bando de filhos e filhas. Com as irmãs dela, outro tanto. E à medida que se enturma, mais rebentos produz. Quando pensa que não, tem um exército de filhos e cunhados, plenamente estabelecido no litoral, bem-sucedido comerciante de pau-de-tinta com os europeus.

Eis o resumo da lenda que nos fornece o pai dos paulistas, João Ramalho (1493-1580) e o pai dos baianos, Diogo Alvares Correa (1490-1557). A primeira matriz da brasilidade. A que definirá os mamelucos ou caboclos. Ramalho no sudeste e Diogo Alvares no nordeste, foram peças fundamentais nos primeiros anos da colonização. Viabilizaram uma ponte entre os indígenas (conhecedores da terra e seus recursos) e os portugueses que aqui buscavam, não só sobreviver mas, prosperar. Peças chaves na formação de alianças que, para o bem e para o mal, significaram os passos iniciais na direção de uma unidade nacional sob o manto da língua nheengatu. Somente após a chegada dos escravos vindos da África e com o extermínio sistemático dos nativos é que a língua portuguesa se impôs.

João Ramalho é descrito como analfabeto e violento apresador de índios, em conflito constante com os jesuítas que não o tinham em boa conta – dado seus costumes dissolutos, nada ortodoxos, imorais até. Descreviam-no como “homem por graves crimes infame, atualmente excomungado, rico de terra mas infame nos vícios, amancebado público por quase quarenta anos”. Dizem que ele andava nu até em solenidades. Imaginem os inacianos imbuídos de um projeto de civilização e a prática do escravismo levada a cabo por Ramalho… Eram duas visões que se digladiavam. Quem o via com outros olhos era o padre Manoel da Nóbrega. Alegava que Ramalho podia contribuir com catequização maciça dos índios. Acabou por convencê-lo a legalizar, canonicamente, seu ajuntamento com Bartira (batizada Isabel), filha do cacique Tibiriçá, da tribo tupiniquim. Séculos mais tarde, ramalhistas militantes buscaram forjar outra imagem. Porém, em parecer para o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, um grupo liderado por Teodoro Sampaio atesta, em 1902, que o alcaide-mor da vila de Santo André, tendo por base vários documentos, era mesmo analfabeto, afinal não sabia assinar o próprio nome uma vez que a grafia variava muito de um pra outro, sugerindo assinaturas feitas por pessoas diferentes.

Quanto ao Diogo Alvares, aquele que ganhou o apelido Caramuru, dizem uns que foi encontrado coberto de limo e musgo tal qual uma moreia e que valeu-se de um bacamarte para estarrecer a indiada que o comparou ao trovão. Outros, que foi abandonado com um mosquete e um barril de pólvora para, caso sobrevivesse, travar contato com os indígenas. Em qualquer uma das versões, foi um verdadeiro choque para os índios tomar contato com a tecnologia que ele dispunha. O certo é que, Diogo Alvares foi alçado à condição de protetor supremo daquelas paragens, o que aumentou em muito o poderio da tribo que habitava a foz do Rio Vermelho, na São Salvador da Bahia. Amigos dos franceses, com que comerciava às largas, levou sua amada Paraguaçu, filha do cacique Taparica, para a França onde foi batizada em 30 de junho de 1528 com o nome de Catarina do Brasil. Voltou guarnecido de armas o que lhe garantiu ainda mais a supremacia local e o comando dos Tupinambás na guerra contra os Tapuias. A Companhia de Jesus deve-lhe muito pelos árduos caminhos da evangelização e o adestramento da língua tupi que ele dominava e praticava em família. Consta que sabia escrever a língua dos índios o que permitia aos jesuítas confiar-lhe sermões do Novo e Velho Testamento, mandamentos, pecados mortais, artigos da Fé e obras de misericórdia, etc., para serem vertidos em língua da terra.

Estes pais fundadores entraram para a História como oriundos das classes menos afortunadas de Portugal, dado que os a fidalguia lusitana queria mesmo era ir para a Índia enquanto o Brasil ficava reservado à escória indesejada da sociedade a quem não cabia escolha. Degredados ou desertores, os que aqui chegavam, vinham com motivações comuns, sonhos e esperanças semelhantes: queriam viver uma aventura mas, sobretudo, buscar uma vida melhor, longe da miséria, da fome e do desemparo. Afinal, é para isto que se inventa o paraíso.  


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