Mapa da Terra Brasilis
de Pedro Reinel e Lopo Homem, 1519
A
consolidação do Brasil é obra dos brasilíndios ou mamelucos.
Darcy
Ribeiro
Aventureiro,
parte de Portugal em busca da Ilha Paraíso. Náufrago nas costas
brasilis, é encontrado numa praia por nativos. Por algum
engenho ou pelos demais no corpo, desistem de saboreá-lo ao ponto.
Adaptado, logo se junta a uma filha de cacique com quem tem um bando
de filhos e filhas. Com as irmãs dela, outro tanto. E à medida que
se enturma, mais rebentos produz. Quando pensa que não, tem um
exército de filhos e cunhados, plenamente estabelecido no litoral,
bem-sucedido comerciante de pau-de-tinta com os europeus.
Eis
o resumo da lenda que nos fornece o pai dos paulistas, João Ramalho
(1493-1580) e o pai dos baianos, Diogo Alvares Correa (1490-1557).
A primeira matriz da brasilidade. A que definirá os mamelucos ou
caboclos. Ramalho no sudeste e Diogo Alvares no nordeste, foram peças
fundamentais nos primeiros anos da colonização. Viabilizaram uma
ponte entre os indígenas (conhecedores da terra e seus recursos) e
os portugueses que aqui buscavam, não só sobreviver mas, prosperar.
Peças chaves na formação de alianças que, para o bem e para o
mal, significaram os passos iniciais na direção de uma unidade
nacional sob o manto da língua nheengatu. Somente
após a chegada dos escravos vindos da África e com o extermínio
sistemático dos nativos é
que a língua portuguesa se
impôs.
João
Ramalho é descrito como analfabeto e
violento apresador
de índios, em
conflito constante com
os jesuítas que não
o tinham em boa conta –
dado
seus costumes dissolutos, nada ortodoxos, imorais
até. Descreviam-no
como “homem por
graves crimes infame, atualmente excomungado,
rico de terra mas infame nos vícios, amancebado
público por quase quarenta anos”.
Dizem que ele andava nu até
em solenidades.
Imaginem os
inacianos
imbuídos de um projeto de civilização e a prática do escravismo
levada a cabo por Ramalho… Eram
duas visões que se digladiavam.
Quem o via com outros olhos
era o padre Manoel da
Nóbrega.
Alegava
que Ramalho
podia contribuir com
catequização maciça dos
índios. Acabou
por convencê-lo
a legalizar, canonicamente,
seu ajuntamento com Bartira
(batizada Isabel),
filha do cacique Tibiriçá, da tribo tupiniquim. Séculos
mais tarde, ramalhistas
militantes buscaram forjar
outra imagem. Porém, em
parecer para o Instituto Histórico e Geográfico de São
Paulo, um grupo
liderado
por Teodoro Sampaio atesta,
em 1902, que o alcaide-mor da vila de Santo André, tendo
por base vários documentos,
era mesmo
analfabeto, afinal
não sabia assinar o próprio
nome uma
vez que a grafia variava muito de
um pra outro, sugerindo
assinaturas feitas por
pessoas diferentes.
Quanto
ao Diogo Alvares, aquele que
ganhou o apelido
Caramuru, dizem
uns que
foi encontrado
coberto de limo e musgo tal qual uma moreia
e que
valeu-se de um bacamarte para estarrecer a indiada que o comparou ao
trovão. Outros,
que foi abandonado com um mosquete e um barril de pólvora para, caso
sobrevivesse, travar contato com os indígenas. Em qualquer uma das
versões, foi um verdadeiro
choque para
os índios tomar contato com
a
tecnologia que ele dispunha.
O certo é que, Diogo Alvares foi alçado à condição de protetor
supremo daquelas paragens, o que aumentou em muito o poderio da
tribo que habitava a foz do
Rio Vermelho, na
São Salvador da Bahia. Amigos
dos franceses, com que comerciava às largas, levou sua amada
Paraguaçu, filha do cacique
Taparica, para a França onde
foi batizada em 30 de junho de 1528 com o nome de Catarina do Brasil.
Voltou guarnecido de armas o que lhe garantiu ainda mais a supremacia
local e
o comando dos Tupinambás
na guerra contra os Tapuias.
A Companhia de Jesus deve-lhe
muito pelos árduos caminhos da evangelização e o adestramento da
língua tupi que ele dominava e praticava em família. Consta que
sabia escrever a língua dos índios o que permitia aos jesuítas
confiar-lhe sermões do Novo e Velho Testamento, mandamentos, pecados
mortais, artigos da Fé e obras de misericórdia, etc., para serem
vertidos em língua da terra.
Estes pais fundadores entraram para a História como oriundos das
classes menos afortunadas de Portugal, dado que os a fidalguia
lusitana queria mesmo era ir para a Índia enquanto o Brasil ficava
reservado à escória indesejada da sociedade a quem não cabia
escolha. Degredados ou desertores, os que aqui chegavam, vinham com
motivações comuns, sonhos e esperanças semelhantes: queriam viver
uma aventura mas, sobretudo, buscar uma vida melhor, longe da
miséria, da fome e do desemparo. Afinal, é para isto que se inventa
o paraíso.
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