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sábado, 11 de junho de 2022

Crônicas Pandêmicas 2

 

Eleven A.M., Edward Hopper, 1926



5. Em época de avanço da extrema-direita e do coronavírus, a série Hunters coloca uma pulga gigante atrás da nossa orelha. Somos levados ao centro da luta contra nazistas que foram cooptados pelo governo norte-americano, por ocasião do término da II Guerra Mundial e assumidos como “armas” na luta contra o comunismo. Essa multidão de assassinos acaba por assumir postos chaves na “terra dos livres e o lar dos bravos” e se dedica ao seu esporte predileto: preparar o advento do 4º Reich.

Um inocente xarope de milho, produzido por uma inocente empresa, fará todo o trabalho: matar metade da população dos EUA e tomar o poder na maior potência mundial. É aí que surge um grupo, formado por judeus, uma freira, um ninja japonês e uma negra que, à custa de muitos tropeços e feridas, consegue anular a meta da diabólica conspiração.

Porém, no último episódio nos invade uma incômoda sensação, que acaba por colocar a série na categoria terror. Assistimos os minutos finais, com a impressão de que, com certeza, não estamos a salvo, nem mesmo entre os nossos (ou, em meio àqueles que lutam ao nosso lado). A paranoia toma conta dos nossos corpos.

Daí é de bom alvitre ficar atento com a mão que nos alimenta e/ou nos cumprimenta, pois é possível esteja rolando um virusinho nas relações ditas afetivas, amistosas e cordiais. Mas, que não se perca a esperança: ainda existem avós e netos — os últimos confiáveis, segundo os roteiristas. Por isto, fiquem atentos à história da própria família e, sobretudo, coloquem-se em perspectiva na luta da civilização contra a barbárie, afinal é fatal ser pego com as calças nas mãos na hora que a jiripoca piar.

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6. Somos nossas circunstâncias. E aí, meus povos e minhas povas!… lembram do lero-lero do Edu Lobo: “gosto mesmo de fulana mas sicrana é quem me quer”. Pois é, criticar o povo brasileiro é fácil, quero ver viver com salário-mínimo, sub ou desempregado, sem-terra, sem teto, miserável… e com a mídia te manipulando, a milícia te acossando, a polícia te matando, o agronegócio te lascando, os políticos te roubando… Somos tão massacrados que temos vergonha de mostrar a cara (como desejava o Cazuza). Mas, vai vendo, uma hora a gente pega a preá. Uma hora a gente sacode a poeira, dá a volta por cima e vamos jogar boliche com cabeças coroadas (conforme desejo de um velho amigo) e partir pro banquete. Por mim, bastaria aplicar a lei (e olha que temos carradas), simples assim. Enquanto isto, salve Bacurau, salve Petra, salve Mangueira e todos os tantos carnavais…

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7. O Luiz Felipe Pondé, dublê de filósofo e mungangueiro profissional, bem que tentou vender a alma ao diabo, mas o capeta, curto e grosso, recusou. Eduardo Bolsonaro decretou que não se precisa ler livros para ser conservador (entenda-se extrema direita), mas simplesmente dar audiência ao Alerta Nacional do Sikêra Júnior — um verdadeiro mestre na arte de cancerizar geral e ainda sair com um troco.



sábado, 4 de junho de 2022

Crônicas Pandêmicas

 

Universes, Yosef Joseph Yaakov Dadoune, 2003

1. Quando o fascismo, associado aos liberalistas econômicos e o pentecostalismo de resultado, conseguiram estabelecer velocidade cruzeiro na tarefa de dominar o mundo eis que, no dia 31 de dezembro de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) foi alertada sobre vários casos de pneumonia na cidade de Wuhan, província de Hubei, na República Popular da China.

Uma semana depois, em 7 de janeiro de 2020 as autoridades chinesas confirmaram que haviam identificado um novo tipo de coronavírus, o SARS-CoV-2, transmissível por morcegos, capaz de causar a morte de seres humanos. Segundo uma estimativa do jornal The Economist, seria possível ocorrer entre 7 a 13 milhões de óbitos, algo comparável às mortes durante a 1ª Guerra Mundial.

Dois anos após o início da pandemia, entre vacinas, vacilos, cuidados e doses brabas de negacionismo, um novo normal tornou-se uma perspectiva remota. O mundo, como conhecíamos, desde aquele dia já era. Restaram apenas algoritmos sacanas e a uberização da vida.

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2. A guerra híbrida segue em curso e se desdobra: temos aí a guerra comercial entre os EUA e a China. Em jogo, o domínio da tecnologia 5G pelo mundo afora além da supremacia militar na Ásia e no Oceano Pacifico.

A China é uma superpotência, inegavelmente. Em 60 anos, saiu de uma realidade medieval e agrícola para alcançar o patamar de potência industrial, comercial e científica. Os EUA, guardiões do livre mercado, não aguentam conviver com este concorrente à altura.

Os valentões do velho oeste, e seus capangas, passaram então a fomentar a xenofobia ao apregoarem que o mal estar causado por um vírus que produz pneumonia e leva à morte os indivíduos infectados é obra da genialidade chinesa em busca do domínio total do mundo.

Em vez de solidariedade, o governo Trump declarou que nada faria contra a pandemia porque os chineses já estariam fazendo o que é preciso — um modo de dizer que não iria mover uma palha para evitar que mais e mais norte-americanos e cidadãos pelo mundo afora morram à míngua, o que deveras fez. Enquanto isto, a China construía um hospital para 1000 leitos em 48 horas. 

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3. Salve-se quem puder. Com o coronavírus a recessão só tende a piorar. A produção está sob o efeito da lei da gravidade: cai em direção a lugar nenhum. Mas não perca a esperança, cidadã. Os preços continuarão a subir. Afinal, no capitalismo é assim: não existe solidariedade. É lucro acima e apesar de tudo. Em tempos pandêmicos, questão de três meses, o valor do litro do álcool gel aumentou em mais de 700%. Tabelar os preços, ou manter vigilância contra aumentos abusivos, seria uma medida de grande impacto e sinalizaria um cuidado com as pessoas, pois não? Errado. Sinto muito, mas a senhora não sabe das coisas, não entende nada de economia. Creia, como pensa o desgoverno que nos assola, na capacidade do mercado de se auto regular e aguarde a liberação da primeira parcela do 13º dos aposentados — medida supimpa para evitar a depressão que se descortina no horizonte.

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4. - O paraíso anunciado pela direita tem um céu de mentira.

- E o paraíso da esquerda, por acaso é verdadeiro?

- Para a esquerda não existe paraíso. 




sábado, 9 de abril de 2022

tempus mortis

 

The Damned Soul, Michelangelo, 1525


em meio a pandemia

o papa caminha deserto pela praça de são pedro

em direção ao altar de sacrifício

uma bruxa dança solitária numa praça de sant’orozo

clamando tesão às forças telúricas

os pobres do mst distribuem toneladas de alimentos

        a outros pobres das cidades

os profissionais da saúde dormem no chão dos hospitais

exaustos de incharem estatísticas


mas nada disto funciona:

o mundo continua estúpido,

o mundo desconhece os tempos verbais além do eu

e não faz a menor ideia

de como sair da armadilha

do paradigma criado

em salas engravatadas

acondicionadas à aventura

irresponsável diante do espelho

onde faz a barba, passa rímel… narciso em si mesmo!


eis que hoje muitos irão às compras

eis que um tilt no sistema avisará em horário nobre

que tudo acabará numa coluna de sal…

mas aí cortam para os comerciais

e com a boca cheia de estupidificantes

seremos abordados pelos mercadores da fé

(os tais que matraqueiam em nome de um deus

cercado de advogados e policiais)

a nos oferecer a sobrevivência das baratas -

ora, se o comportamento único e oficial fosse a solução

as formigas, os cupins e as abelhas

seriam os soberanos do planeta…


em meio a pandemia

os danados caminham secos de lágrimas

não choram mortos, desconhecem a empatia,

apenas profanam

a linguagem, a beleza, o sagrado…

em meio a pandemia

assistimos a injúria impune dos danados -

escandaloso repúdio à vida e à consciência alheia




sábado, 16 de outubro de 2021

Pandemia Randomizada II

 

Bottle of Vieux Marc, Glass and Newspaper, Pablo Picasso, 1913


Dia 954

Não para de crescer o movimento dos descontentes com o rumo das coisas. Os mesmos interesses econômicos e comerciais que guindaram o excrementosíssimo à cadeira presidencial, são os mesmos que agora o querem fora do Palácio do Planalto (e da política), o mais urgente possível. Mas o incrível é que empresários, militares, gente do agronegócio, além de deputados e senadores, ninguém cogita o impeachment do sujeito. Até o Lula é contra. Fala-se algo menos “doloroso” - um afastamento para tratamento de saúde. É por aí, o jeitinho brasileiro a mover os pauzinhos, em mais uma jogada de mestre para que as placas tectônicas do sistema se acomodem sem trauma. No fundo, todo mundo quer chegar em 2022 com as unhas afiadas, pouquíssimas lesões e, se possível, livre da máscara.


Dia 37

A turma que subiu ao pódio da canalhice por obra e graça da mesquinharia nacional, gastou saliva odienta falando de uma tal caixa-preta do BNDES, que era preciso abri-la e coisa e tal… Fizeram disto um cavalo de batalha e acabaram por contatar dois escritórios de investigadores internacionais para realizarem uma devassa em vários contratos do banco. E o que encontraram? Nada, nadica de nada. Todos os contratos existentes foram firmados dentro da mais completa lisura. E aí vem a bomba: Os sherlocks, após exaustivas pesquisas, apurações, raciocínios dedutivos, fala daqui, ouvi dali, confere isto, tica aquilo… produziram um relatório de 08 (OITO, eu disse oito, o-i-t-o, 5 mais 3, 6 mais 2, 4 mais 4, 7 mais 1… sacaram?) singelas páginas onde afirmam, em letras garrafais, não existir nenhum esqueleto dentro da caixa denominada preta do BNDES. Todo este vira-e-mexe saiu por nada mais nada menos que a bagatela de 48 milhões de reais, fatura que o Tribunal de Contas da União não consegue explicar nem com reza braba. O Brasil, atualmente comandado por lunáticos, dementes, esquizofrênicos e psicopatas, sem choro nem vela, morreu em 48 milhões de reais por 8 (OITO) páginas de papel sulfite tamanho A4 que certamente encontram-se esquecidas nalguma gaveta palaciana (se não foram jogadas em alguma lixeira). Só no país tropical bonito por natureza é possível que gente desqualificada, desmoralizada e desacreditada torre dinheiro público para provar que são, de fato, desqualificados, desmoralizados e desacreditados.


Dia 543

A guerra híbrida segue em curso e se desdobra: temos aí a “guerra comercial” entre os EUA e a China. Em jogo, o domínio da tecnologia 5G pelo mundo afora além da supremacia militar na Ásia e no Oceano Pacifico. A China é uma superpotência, inegavelmente. Em 60 anos, saiu de uma realidade medieval e agrícola para alcançar o patamar de potência industrial, comercial e científica. Os EUA, guardiões do livre mercado, não aguentam conviver com este concorrente à altura. Os valentões do velho oeste, e seus capangas, passaram então a fomentar a xenofobia ao apregoarem que o mal estar causado por um vírus que produz pneumonia e leva à morte os indivíduos infectados é obra da genialidade chinesa em busca do domínio total do mundo. Em vez de solidariedade, o governo Trump declarou que nada faria contra a pandemia porque os chineses já estão fazendo o que é preciso — um modo de dizer que não vai mover uma palha para evitar que mais e mais norte-americanos e cidadãos pelo mundo afora morram à míngua. Enquanto isto, a China constrói um hospital para 1000 leitos em 48 horas.


Dia Zero

Quando o fascismo, associado aos liberalistas econômicos e pentecostalismo de resultado, conseguiu estabelecer velocidade cruzeiro na tarefa de dominar o mundo… No dia 31 de dezembro de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) foi alertada sobre vários casos de pneumonia na cidade de Wuhan, província de Hubei, na República Popular da China. Uma semana depois, em 7 de janeiro de 2020 as autoridades chinesas confirmaram que haviam identificado um novo tipo de coronavírus, o SARS-CoV-2, transmissível por morcegos, capaz de causar a morte de seres humanos. Segundo uma estimativa do jornal The Economist, é possível que ocorra entre 7 a 13 milhões de óbitos, algo comparável às mortes durante a 1ª Guerra Mundial. Dois anos após o início da pandemia, entre vacinas, vacilos, cuidados e doses brabas de negacionismo, um novo normal tornou-se uma perspectiva remota. O mundo, como conhecíamos, desde aquele dia já era. Restaram apenas algoritmos sacanas e a uberização da vida.



sábado, 9 de outubro de 2021

Pandemia Randomizada

 

Intimate Diary, Maria Lai, 1977




Dia 71

Ser enganado por um Isaac Newton, Einstein ou Stephen Hawking a gente até aceita e segue adiante numa boa… Porém, ser enganado pelo maior imbecil da paróquia é doloroso e traumático. Pois é, para quem tem olhos de ver, “o bolsonarismo não é apenas uma ideologia reacionária, é essencialmente um desvio de caráter”. Um bolsonarista não tem escrúpulo na hora de criar uma mentira nova para justificar uma mentira antiga. Faz isto na cara dura, com pose de vencedor —artifício criado para esconder o lixo interior onde chafurdam.

Falemos do depoimento de um tal de Hans River na CPMI das Fake News: o sujeito acusado de ser um dos responsáveis pelo disparo de mentiras através de aplicativo. Este indivíduo afirmou que a jornalista responsável pela matéria que jogou luz sobre o caso, o assediou sexualmente em troca de um furo. Imediatamente, as redes foram invadidas por memes e vídeos onde a moça figurava como prostituta. Este é o modo de ser do bolsonarismo: um câncer.

Se já era difícil entender o teorema de Pitágoras, com a chegada desta turma ao proscênio da história política brasileira, está se tornando impossível conceber o prosaico resultado de 2 + 2.


Dia 32

O Luiz Felipe Pondé, dublê de filósofo e mungangueiro profissional, bem que tentou vender a alma ao diabo, mas o capeta, curto e grosso, recusou. Eduardo Bolsonaro decretou que não se precisa ler livros para ser conservador (entenda-se extrema direita), mas simplesmente dar audiência ao Alerta Nacional do Sikêra Júnior — um verdadeiro mestre na arte de cancerizar geral e ainda sair com um troco.


Dia 96

Se todo mundo está correndo pro mercado financeiro em busca de altos rendimentos, enquanto a produção de bens segue colapsada, de onde sairá a grana para pagar os dividendos aguardados? Se todo mundo possui ovos de ouro e ovo de ouro não é transformado em outra coisa que não seja ouro, uma hora todo ovo de ouro perderá completamente o valor e as pessoas não mais consumirão o que quer que seja porque nada foi produzido para ser consumido. Antes do colapso do clima, é certo que acontecerá, inevitavelmente, o colapso do sistema financeiro global…


Dia 158

— O paraíso anunciado pela direita tem um céu de mentira.

— E o paraíso da esquerda, por acaso é verdadeiro?

— Para a esquerda não existe paraíso.


Dia 29

Em época de avanço da extrema-direita e do coronavírus, a série Hunters coloca uma pulga gigante atrás da nossa orelha. Somos levados ao centro da luta contra nazistas que foram cooptados pelo governo norte-americano, por ocasião do término da II Guerra Mundial e assumidos como “armas” na luta contra o comunismo. Essa multidão de assassinos acaba por assumir postos chaves na “terra dos livres e o lar dos bravos” e se dedica ao seu esporte predileto: preparar o advento do 4º Reich.

Um inocente xarope de milho, produzido por uma inocente empresa, fará todo o trabalho: matar metade da população dos EUA e tomar o poder na maior potência mundial. É aí que surge um grupo, formado por judeus, uma freira, um ninja japonês e uma negra que, à custa de muitos tropeços e feridas, consegue anular a meta da diabólica conspiração.

Porém, no último episódio nos invade uma incômoda sensação, que acaba por colocar a série na categoria terror. Assistimos os minutos finais, com a impressão de que, com certeza, não estamos a salvo, nem mesmo entre os nossos (ou, em meio àqueles que lutam ao nosso lado). A paranoia toma conta dos nossos corpos.

Daí é de bom alvitre ficar atento com a mão que nos alimenta e/ou nos cumprimenta, pois é possível esteja rolando um virusinho nas relações ditas afetivas, amistosas e cordiais. Mas, que não se perca a esperança: ainda existem avós e netos — os últimos confiáveis, segundo os roteiristas. Por isto, fiquem atentos à história da própria família e, sobretudo, coloquem-se em perspectiva na luta da civilização contra a barbárie, afinal é fatal ser pego com as calças nas mãos na hora que a jurupoca piar.



sábado, 9 de janeiro de 2021

pandemia

 

Crying Woman, Pablo Picasso, 1937


continua a enfiar o dedo na tomada

após todos anos

tal qual fosse imune à queda

e ao choque -

criança…


por que controlá-la?

se nem ela

sabe o que lhe move

quanto mais outro

deficiente de sentir

tal movimento...

(esse agito congênito

que nos percorre as veias)


ah, poderia abraçá-la

(se pudesse)… mas,


aguardo que um dia se reconheça

em tudo que lhe seja próprio


linda (na ausência de nome melhor),

não desejo que mudes

ou desvies a rota

busco compreender

e sentir

porque tens chorado

tanto

ultimamente

por nós



sábado, 23 de maio de 2020

crônica em seis movimentos

Explosion, George Grosz, 1917



I

primeiro venderam a alma

depois perderam a vergonha

deram uma banana pra verdade, ética, futuro

        os cambaus

enfiaram a mão no nosso bolso

distribuíram entre os mais ricos e

foram à televisão dizer que patrão sofre…


II

diário oficial da união, avisa:

abstenham de cometer desatinos

nem se atrevam a torcer contra

o mundo é pequeno demais para nós dois

nunca houve nem haverá bolo a ser repartido

trabalhe em vez de exigir direitos

kkkkkkkkk…


III

no pesadelo em que nos encontramos enfiados

bala perdida deixou de existir

os projéteis já vêm de fábrica com nome, sobrenome

classe social, cor da pele, filiação…

e se acaso o algoritmo falhar

e o endereçado, por mágica, sobreviver

o excludente de ilicitude chega junto

para que não reste dúvida,

de que a bala foi pacificamente programada

para apagar todos os indesejáveis pontos da curva


IV

o pau comendo

e o sujeito fazendo graça

o pau comendo

e o sujeito falando merda

o pau comendo

e o sujeito fazendo festa

o pau comendo

e o sujeito criando treta…


eita sujeitinho ruim

coisa pior que a peste


V

e quando a guerra civil fizer sua última vítima

o derradeiro demônio que sobrar

se sentará diante de um vídeo pornô

a se flagelará

heroico

por toda a eternidade, amém


VI

A divindade

numa mistura de gozo e piedade

diante do pavio

com seu habitual hálito flamejante

sussurrará lux

e a manhã

que ainda não foi escrita

nasce

sem a pretensão de ser título




sábado, 16 de maio de 2020

inverno precoce

Office in a Small City, Edward Hopper, 1953


se o vírus não me matar
vou morrer de saudade
eu, que fui obrigado a desaprender do abraço
sinto falta de um aperto de mão

dói a ausência
não aquela poética
mas a física, aquela de verdade
de poder deitar a cabeça no teu colo
e sentir o conforto do teu hálito
neste inverno precoce

estou destinado a morrer
sem receber aquela visita inesperada?
sem almoçar com meus amigos numa hora oportuna
sem tomar aquela cerveja fora de hora no boteco da esquina
sem aquele encontro programado de domingo
e a possibilidade de um beijo
no escurinho do cinema?

oh, solidão imposta
quanto me tens sido cruel
ainda mais com a cadela fascista
a desafiar a vida
em tantas ruas mortas


sábado, 9 de maio de 2020

a mulher de ló

Google Imagens





em meio a pandemia


o papa caminha deserto na praça de são pedro

em direção ao altar de sacrifício


uma bruxa dança solitária numa praça de salento

excitando as forças telúricas


os pobres do mst distribuem toneladas de alimentos

        aos pobres das cidades


e profissionais da saúde dormem no chão dos hospitais

cansados de incharem estatísticas

com o tempus mortis de milhares


tanta comoção não comove

o mundo continua estúpido

doloroso e tradicional

o mundo desenxerga

os tempos e as pessoas verbais


o mundo não faz a menor ideia

de como sair da encruzilhada

dos mandos e desmandos

do paradigma

do terno e gravata

irresponsavelmente aventureiro

fazendo a barba

passando rímel

enamorado de si mesmo

defronte ao espelho esculpido em gazes néon


num lapso de tempo futuro, um tilt no sistema

informa que o mundo acabará

por se tornar uma coluna de sal

e todo mundo vai às compras...


e aqui esconjuro os mercadores da fé

os comerciantes da autoajuda

os vigários do nada

matraquearem

que tudo se resolve naquele papinho particular

consigo mesmo

ou com o tal deus cercado de agentes intermediários…


e penso

se o comportamento único e oficial resolvesse

as formigas, os cupins

e as abelhas seriam soberanos do planeta


mas o que vejo

é que os danados não possuem lágrimas

os danados não choram mortos

os danados desconhecem a compaixão

o significado da palavra consolação

        solidariedade


entendem os danados

da profanação da linguagem

da beleza

e do sagrado


entendem os danados

da exaltação da própria força

afinal, fazem da vangloria

        - esse escárnio -

um escandaloso repúdio à dor alheia