sábado, 23 de maio de 2020

crônica em seis movimentos

Explosion, George Grosz, 1917



I

primeiro venderam a alma

depois perderam a vergonha

deram uma banana pra verdade, ética, futuro

        os cambaus

enfiaram a mão no nosso bolso

distribuíram entre os mais ricos e

foram à televisão dizer que patrão sofre…


II

diário oficial da união, avisa:

abstenham de cometer desatinos

nem se atrevam a torcer contra

o mundo é pequeno demais para nós dois

nunca houve nem haverá bolo a ser repartido

trabalhe em vez de exigir direitos

kkkkkkkkk…


III

no pesadelo em que nos encontramos enfiados

bala perdida deixou de existir

os projéteis já vêm de fábrica com nome, sobrenome

classe social, cor da pele, filiação…

e se acaso o algoritmo falhar

e o endereçado, por mágica, sobreviver

o excludente de ilicitude chega junto

para que não reste dúvida,

de que a bala foi pacificamente programada

para apagar todos os indesejáveis pontos da curva


IV

o pau comendo

e o sujeito fazendo graça

o pau comendo

e o sujeito falando merda

o pau comendo

e o sujeito fazendo festa

o pau comendo

e o sujeito criando treta…


eita sujeitinho ruim

coisa pior que a peste


V

e quando a guerra civil fizer sua última vítima

o derradeiro demônio que sobrar

se sentará diante de um vídeo pornô

a se flagelará

heroico

por toda a eternidade, amém


VI

A divindade

numa mistura de gozo e piedade

diante do pavio

com seu habitual hálito flamejante

sussurrará lux

e a manhã

que ainda não foi escrita

nasce

sem a pretensão de ser título




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