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sábado, 12 de agosto de 2023

dor e cura

 

John Jacob Niles, Doris Ulmann, 1930


 

tantas vezes
tive que saltar fora
para alcançar o verso
que mantém a prosa

oh, as dores que enxotam...
dores que exilam -
as trago todas em mim

cicatrizai estes versos em mim 
oh dores, que me tardam
que sei tão pouco
dos gozos que me habitam


 

sábado, 29 de julho de 2023

mágica de viver

 

Examining the Book of Prints, Gustave Courbet, 1848



viver é desconfortável

existe sempre dor

ausência, saudade, engano

o indecifrável truque, a trapaça

e a equação que ilustra a aflição

com o que é incerto

desconfortável é saber

que não há propósito algum

em viver

e morrer

apenas probabilidade

de vir a ser artista

aquele que vive

resoluto

a caminhar adiante

do lucro perda

dor prazer

ausência presença

engano ou certeza e

quem sabe, talvez, assim alcance

a visão trágica da “mágica”

que se busca a vida inteira desvendar



sábado, 22 de julho de 2023

modernidade

 

The Motherland, William-Adolphe Bouguereau, 1883



... e assim navego

com mensagens, bilhetes,

curtidas e likes... amo o mundo virtual

 

finalmente me instalei

verdadeiramente humano:

munido de lógica

edições, poses, gestos

nova gramática... me forjo e crio:

agradar ao máximo

 

adoro o mundo virtual...

aqui posso ser

inteligentemente perfeito

ao ponto de ser

naturalmente intragável...

 

... às vezes bate uma saudade

do meu antigo mundo vulgar

onde, rejeitado,

ansiava conquistar o amor da mamãe


 

sábado, 15 de julho de 2023

amor de verdade

 

Na Cama, O Beijo, Henri de Toulouse-Lautrec, 1892

 

tesão tive, paixões algumas

mas amor de verdade

tem escapado

que chego a duvidar dos poemas que fazia

no meu tempo de escola...

 

o amor me visita

em noites de ausências

e me conduz à ilha

que inventei no fundo do seu mar

 

... revivo aquele beijo

diante do nirvana (imaginado logo ali), 

fogo fátuo que inundou a chama

e refletiu na inocente lua

o farol da nossa noite nua a repetir:

amor de verdade é pra sempre

mesmo que efêmero


 

sábado, 8 de julho de 2023

3Haikais

Jardim Cósmico, Aki Nuroda, 2011



Natureza inquieta:

O frio e o silêncio humano

A tudo estremece


... 

         

A mangueira e o vento:

As folhas frágeis esvoaçam

Hipnótica dança


 ...

 

Carência submersa:

Atiçam o descontrole

Cheiros e lembranças


 


sábado, 1 de julho de 2023

tempestade e bonança

 

A Tempestade, Ivan Konstantinovich Aivazovskii, 1899


tempestade à frente

sigo...

(ou talvez seja ela

que vem até mim)

nesse barco - casa frágil

de olho no horizonte

temporário

a interrogar nuvens mudas e

o jardim bonito...

 

suor e neblina

banham meu rosto... nada a ouvir

além do vai-e-vem derramado

sem hora de parar, estando...

 

cadê o sol que iluminava

os pacientes coqueiros

e dissipava a espera

em lúdicos instantes?

 

dizem que passageira é a estação

(tal qual a dor que me açoita

em pleno são joão)

diante do embate, estremeço

(clamo adiante das brumas

a ilha que antevejo)

e aguardo dos teus lábios 

o anúncio deste teu beijo


 


sábado, 24 de junho de 2023

sonho

 

Marine Les Equilleurs, Gustave Gourbet, 1870



 

construí um ninho
sobre as horas
para contemplar a brisa
que balança o mar
 
às vezes desejo
contra o vento
que você apareça
e viva comigo
todas as ausências
 
(memórias encenadas na varanda)
 
infinito é o espetáculo
que minhas retinas aplaudem
a menos que eu acorde


 

sábado, 17 de junho de 2023

foi Mainha quem me deu

 

O abraço de amor do universo, Frida Kahlo, 1949



o sol, a brisa
a praia e o mar
foi Mainha quem me deu

o sossego, a calma
a perspectiva da tarde
a noite e seu imponderável
foi Mainha quem me deu

o verde que surpreende
a chuva que refresca
os mosquitos que incomodam
e estas noites suarentas
foi Mainha quem me deu

o que seria de mim
se tudo que encanta
e aconchega
Mainha não houvesse sido?...

(e pensar que um dia
pela pisa que levei
imaginei matar Mainha)



sábado, 3 de junho de 2023

o mar que fascina

Figure at a window, Salvador Dali, 1925

 

que há com o mar

que fascina?

 

fenícios gregos portugueses

se tornaram familiares do mar

e saíram em busca do paraíso

que sonhavam encontrar em vida


os povos do Pacífico

conhecedores das funduras e larguras

do mar sem fim

permaneceram fieis

à ideia líquida de fluir no ritmo

transparente das águas

que incitam calmarias e tempestades


quanto a nós, ilhéus

familiares quanto antes

por lei não escrita

deixamos que nos fascine o mar

 

por força da evolução

é na terra que moramos

mas o mar

irmão do inconsciente

é a fonte adjunta

dos nossos férteis sonhos





sábado, 13 de maio de 2023

despedida

 

A Despedida de Evangeline e Gabriel, John Faed, 1870


 

está contida

na ida

o retorno?

 

pede e fica

e chora

dentro e cá fora

a partida

 

o fardo no peito

incerto

é o destino

 

viver é despedir-se:

a dor de quem parte

é a mesma

de quem fica


 

sábado, 6 de maio de 2023

instante 59

 

Farewell, Remedios Varo, 1958


 

cidade ruidosa

a morada vazia ressoa

última jornada


 

sábado, 22 de abril de 2023

instante 54

 

The End of the Quest, Frank Dicksee, 1921


 

durante muito tempo

cuidei apenas de mim


houve um tempo

em que cuidei da minha mãe


hoje cuido da casa, atento

ao desperdício de tempo


preciso conquistar diariamente

o direito de viver um último instante


 

sábado, 15 de abril de 2023

instante 58

 

Fire Eye, Vajda Lajos, 1938


 

quando era criança

morria de medo da noite

 

com o olhar em chamas

vidrado nas fissuras das telhas

das casas velhas onde morei

(a ouvir o vento gelado da madrugada

assoviar a cortina que se fingia de porta)

pensava:

- um dia hei de criar refletores da luz solar

em volta da Terra

para eliminar a noite...

 

e daí, cresci...

o máximo que consegui

foi pesquisar sobre Ólafsfjörður

e não senti um pingo de saudade



sábado, 1 de abril de 2023

orgia

 

Table of lovers, Marc Chagall, 1983


 

ah, corpos tão lindos

graciosos

afinados

sumários e babilônicos...

carnes gozosas

amassadas pelo gozo

 

madrugada

de volúpia

instinto e desejo

 

ai daqueles que acordarão logo mais

e quebrantados

terão que se ver com a luz


 

sábado, 25 de março de 2023

cabeça e corpo

 

A Criação de Adão, Michelangelo, 1512



irmão,

se oras

se pregas

se exaltas

se exortas

se cantas jingles

se falas em línguas

se tua pauta é moral...

de que adianta

se não és que nem o cara,

o cara que dizes seguir,

aquele que te fez

(segundo as escrituras)

à própria imagem e semelhança?

 

melhor será amar as mulheres

as festas, os encontros

o convívio com os desiguais

oferecer a outra face

combater os hipócritas,

os mercadores do templo,

distinguir entre o que é de césar

e o que é purificado em espírito...

 

irmão,

estás a nos dever tua dúvida


 

sábado, 18 de março de 2023

no teu olhar

 

Olhar de Capitu, Gabriela Biló, sem data


 

teu olhar me abraça

e me conforta

com sussurros

aveludados

(amorosos segredos)

 

o teu olhar

me deságua

que nem fosse eu

cachoeira

rio rumo ao mar

    purificado... no

    teu olhar


 

sábado, 11 de março de 2023

um fundo sem poço

 

Secret revolt, Wojtek Siudmak, sem data




inegável: sou troncho

tenho até uma boa aparência

mas carrego aqui dentro

uma casa mal-assombrada


gosto, gosto, gosto…

mas tem hora

que o saco estoura

(às vezes por qualquer coisinha)

mando às favas o bom mocismo -

ofendo deus e todo mundo… machuco até

minha raiva e revolta são extensas e sem dono


mas, no limite

desabo e choro nos braços do remorso


já culpei minha mãe

a religião e… nada

o psiquiatra que consultei

se encolheu na cadeira… desisti

descobri que sou um fundo

sem poço



sábado, 4 de março de 2023

fiquei o que sou

 

Família de Árvore, Wangechi Mutu, 2012



sei de mim

gambiarra

eu vou


com jeitinho

deu-me gana de buscar

me afidalgar

embranquecer


mas a minha genealogia

não chama atenção

dos bardos

por ser vulgar


fiquei o que sou

agarrado à margem

normal


que deus jamais

torre o meu saco


 

sábado, 25 de fevereiro de 2023

odisseia II

 

La Rivoluzione siamo noi, Maurizio Cattelan, 2000


 –  que dia lindo!

o relógio do juízo final

marca 00:01:30

para o fim do mundo

vou à luta!

ônibus lotado

salário de merda

desastres naturais

burocracia

assaltos

golpes na internet

sacanagens

pornografia

e eu nadica de nada

enquanto pastores… contudo

ó deus, repartido em postas,

qual a lógica dos juros nas alturas?


de volta ao meu aconchego 

morrer, dormir e talvez sonhar...