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sábado, 4 de fevereiro de 2023

lindeza

 

Três Músicos, Tony Lima, 2020




gente,

vivi pra ver e ouvir

Armandinho, Yamandu, Borghetti  

e a Sinfônica Jazz

na Sala São Paulo

(numa transmissão televisiva):

um deslumbrante desbunde

eita Brasil

poderes continuares lindo, tão?!




sábado, 28 de janeiro de 2023

a tragédia de um ninguém

 

I Can See the Whole Room and There's Nobody in It, Roy Richtenstein, 1961


incapaz de derramar uma lágrima

riu da agonia,

da dor,

tripudiou da miséria

e, alheio, sentiu-se ungido:

crente que teria sobrevida

além e acima do caos


ignorante da própria pequenez,

investiu contra tudo e todos

distraído da condição humana:

imperfeita, fraca, frágil… falível


eis que a munição acaba

e as mãos, unhas e dentes das vítimas

inscrevem na História

o patético fim de um arrogante


e esta pena assinala,

diante da eternidade,

a tragédia desse ninguém

condenado a viver atormentado

por seus delírios de grandeza


 

sábado, 21 de janeiro de 2023

tia hercília faleceu

 

Death, Jacek Malczewski, 1917




um pensamento sem fim,

inda’gora

galopou a minha mente…


um medo atávico -

me gelou

num sobressalto


a ceifadora veio

e célere lá se foi

inspecionar

a orgia ancestral

do seu espólio


satisfeita

riu com seus agentes

a fartura do seu intento


eu, ainda vivo,

me confundo

com o rebanho:

me falta maturidade

para olhar nos inexistentes

e inevitáveis olhos da Morte


 

sábado, 14 de janeiro de 2023

instante 56

 

The Death, Alaa Awar, 2013




ao descobrir

que a condição da Existência

é um encontro

marcado com a Morte,

percebi que devo

deixar uma boa impressão

no Tempo


 

sábado, 7 de janeiro de 2023

instante 50

 

Eternal Illusion, Wojtek Siudmak, sem data




... nunca mais

é muito tempo


deve existir

um espaço

entre o sempre

e o agora

onde seja possível

te reencontrar


 

sábado, 31 de dezembro de 2022

Longitudes

 

Charles I in three positions, Anthony Van Dick, 1636




A História Ocidental

É a história

De um conflito interminável

Entre três irmãos

Pela posse da Terra

(Que por ser de todos

Nunca foi e jamais será

De nenhum em particular)


Alexandre encontrou o Oriente

Marco Polo também

Os Portugueses, os Ingleses, todos

(Inclusive os Beatles)

Encontraram o Oriente

Depois do próprio ter encontrado a si

E do alto da montanha amuralhada

Permitir que todos os turistas vazem

E levem pra bem longe sua infeliz doença…


A história ocidental

É a história de um trauma não resolvido

(E muito mal tratado – individual e coletivamente),

Sobre a qual o Oriente caga, anda

E com toda a compaixão do mundo,

Se esbalda de rir


Mas alimentemos o jardim, construído nas nuvens

E quem sabe, finalmente Deus acorde,

Incomodado pelo perfume das flores

E o zumbido das abelhas

E finalmente sejamos todos contagiados

Por uma ideia verdadeira e substancial

Bem mais simples e real… mesmo que o Oriente

Continue a rir de nós, do nosso jeito adolescente



sábado, 24 de dezembro de 2022

valeu, adeus

 

The Distance Between the Landscape and Dusk, Kansuke Yamamoto, 1956


sim, quero a última brisa, o último orvalho

o derradeiro canto do bem-te-vi

e o vôo rasante do rasga-mortalha…


sim, deste mundo quero a última mirada,

o último ruído e o definitivo arrepio…


(eis que, no limite, percebo

que amar é descausar desconforto

e, pacífico, recuar com um beijo)


sim, seguirei ao último instante

em busca da palavra

que legue à posteridade meu último suspiro…


(mas eis, quem sabe aconteça

ficar num hiato mudo, entre a vigília e o sono

na misteriosa passagem

onde o inverno entrega à primavera

o magnífico comando das coisas e dos nomes…)


e acaso ocorra me faltar o fôlego

para encerrar esse último e simplório ato

mesmo desbotado

ensaiarei um sorriso largo

e talvez, alcance apenas dizer: valeu

adeus!


 

sábado, 10 de dezembro de 2022

gaia tá nem aí

 

Espacio Y Naturaleza, Jiménez Deredia, sem data


os objetos e as coisas na minha casa

(incluso paredes, piso e teto)

me são absolutamente indiferentes,

nenhum deles têm consciência

da minha presença… para eles

tanto faz como tanto fez

minha existência… tão nem aí!


se, vez ou outra, não cuidar deles

limpá-los, conservá-los, preservá-los

trocá-los, reciclá-los… em pouco tempo

acordarei num ambiente hostil,

sujeito ao nada.


a natureza tá nem aí pra mim

embora carregue por ela,

um piano sobre as costas…


contigo mantenho, ó gaia querida,

um desequilibrado caso de amor:

dependo te amar apenas,

sem jamais esperar ser amado.


 

sábado, 3 de dezembro de 2022

estática

 

Google Imagens




no silêncio solitário do apê

apenas meu coração atribula

e barulha mais que o martelete

na construção ao lado


ah, a falta que me faz

uma palavra

um cheiro

aquele abraço…


dificil me acostumar

ao ruído

que ficou no teu lugar


 

sábado, 26 de novembro de 2022

disco arranhado na vitrola

 

Ruido Seco, Paula Klein, 2017



por natureza, toda manhã

nos presenteia com um quê de alegria

 

porém, toda tarde é triste

 

por isso, meu amigo

a noite é sempre uma esperança

 

e a madrugada?

a madrugada  não passa

de um disco arranhado na vitrola…


 



sábado, 12 de novembro de 2022

a lenda do ramo de ouro

 

Festival de Corpus Christi, Francisco Goya, 1813




ó acúmulo de fantasias,

práticas mágicas e religiosas,

superstições, ritos e sacrifícios…

preciso controlar o incontrolável,

o rio tumultuoso das manifestações d’alma


ó festins diabólicos, imolações humanas,

progressão sangrenta, condutas rudes e perversas

rituais antropofágicos: quero a comunhão heroica

o simbolismo, profecias modernas

evitar a catástrofe final… alcançar o sublime


ah, minha humanidade

sigo vítima da tua fecundidade:

quanto mais me multiplico

instantâneo me torno irrelevante,


inútil, me grudo à bichalidade

onde as pulsões buscam me fazer esquecer

tudo que de fato importa…

e eis que a revolução

alegre, desde as cinco da tarde

passa ao largo em desfile no rumo oposto

ao sentido do trem que insisto em embarcar



sábado, 5 de novembro de 2022

sobre o amor

 

Cupid and Psyque, Edvard Munch, 1907


o amor é um mistério

escondido detrás de palavras

versos, frases de efeitos


ah, quantas vezes

me perdi em seus labirintos

e fiquei mudo

diante da essencial timidez do amor

(ousada é a paixão)


amado/amante

dizei pouco do amor

por pudor, falai quase nada

daquilo que vos confunde… eu sei!


é preciso sentir o amor

além do desejo (essa quimera)

e permitir que renasça

finda a fértil primavera


amei pouco, tantinho…

quem sabe um dia aceite

do amor todos os espinhos


 

sábado, 29 de outubro de 2022

instante 53

 

Boy with a Basket of Fruit, Caravaggio, 1593




paladar:

fale a verdade, sempre

recheada com poesia,

mas não pese a mão nos temperos

para não envenenar o liberto!



sábado, 8 de outubro de 2022

se eles não vacilam…

 

Toilet Paper Panic, Ayshia Taskin, 2020



se eles não vacilam em te matar

e salgam a terra

para que tua semente jamais prospere…


se eles não vacilam em te açoitar

e te fazem desistir da própria vontade

para que beijes o chicote que te lacera a carne…


se eles não vacilam em te execrar

te humilham em público para que tenhas de gritar

que teu decretado dono é gente de bem…


se eles não vacilam em te pisotear

e apregoam que nasceste preguiçoso, inútil

imprestável para conviver em sociedade…


se eles não vacilam em te desumanizar

e dizem de ti que sois bruto, débil de pensar

e te fazem seguir tangido por capitães do mato…


se eles não vacilam em remunerar palavrosos

para te ameaçarem com as chamas do inferno

como se não vivêssemos nas trevas desde sempre…


se eles não vacilam em te transformar em coisa,

e te usam para limparem os pés podres

da sujeira e doença que fazem deles o que são…


se eles não vacilam, por que tu ainda refugas

renegas o chão em que estás plantado

e escolhes servir de mão para o verdugo?


 

sábado, 1 de outubro de 2022

ouvindo uma tese de mestrado

 

Rascunho, Yiannis Tsarouchis, 1953


estou agora

onde não sou

o que fui

e ainda não atingi

o que serei…


estou presente

entre uma coisa e outra

no meio gesto

no meio do gesto

narciso em feedback


meu experimento

é a escolha de seguir

modificar

ou interromper

esse fluxo… em processo


 

sábado, 24 de setembro de 2022

apenas um poeta

 

The Poor Poet, Carl Spitzweg, 1837




não me peçam nada

além de palavras:

– sou apenas um poeta


ai, quem me dera

chegasse a maiakovski

chico, neruda ou drummond…


mas me fiz assim, ordinário

– a comungar com a própria solidão


por favor,

não me peçam nada

mal consigo me entender

com a rotina,

quanto mais…!


cotidiano, imploro:

ai, quem me dera

não desejar mais nada,

finalmente

acertar as contas

com minh’alma sucinta



sábado, 3 de setembro de 2022

cotidiano

 

O Pássaro Pintado, Václav Marhoul, 2019



acordei passarinho

mortinho da silva

disse oi a um parente que, em sofrência, desbrilha – argh

um transeunte jogou escuridão no meu rosto - aff

o pessoal do vila botou a viola no saco e, eita

a vida me acertou…


morro, mas não morro em vão

sigo as partículas,

migalhas camufladas do fantasma atômico

que me criei

para atravessar paredes

no rastro da ilha

do outro lado

da sala


a dúvida é

eternizo, desapareço ou fico?


daí, acordo… passarinho

morto da silva


 

sábado, 20 de agosto de 2022

gastura

 

Finger Snack, Christian Ludwig Attersee, 1965


ontem sonhei com fulana:

danado é que

não lembro mais da sua aparência

faz tanto tempo desde

qu’eu ficava horas

ouvindo sua voz

mansa

a dizer coisas

que me bagunçavam por dentro

sem saber como dizer não…


ontem, pra variar

ela cuidou de esfregar

os dedos dos pés

carinhosamente

no meu rosto

que de tão íntimos

desculpei o cheiro acre

que exalava dos seus dedinhos…


fulana sempre me tratou bem

verdade,

mas o drama

é que eu passei o sono inteiro

temendo ser flagrado

acariciando aqueles pezinhos bofedidos,

que acordei exausto com o esforço que fiz

para o marido dela não dar as caras no sonho.


 

sábado, 13 de agosto de 2022

epifania

 

The Musician Angel, Vicenzo Irolli, 1905


a alma é vasta

dificultosa jornada…

quem atinge metade do caminho?

sem a ajuda da poesia

mãe de infinitos, ó gente!


ah, rouxinol, tu não tens sexo…

anjo que abrandas, paterno

as cruezas da alma


e quanto a ti, cotovia

te bem sei graça, repertório

sublime da liberdade…


trindade maviosa:

estremece o coração,

desperta no sonho

inesperada melodia,

súbita compreensão…


 

sábado, 6 de agosto de 2022

quatro quadras

 

Il poeta, Francesco Didioni, 1862



na hora da minha morte

os ponteiros dos relógios

desistirão de perseguir a rotina

e ficarei a mercê do nada

            ...

na minha inocência de criança

pai é aquele que afugenta

o monstro debaixo da cama

enquanto a mãe constrói o futuro

            ...

o animal humano

amontoado de carências

inseguranças e incertezas

costuma morder

                        ...

amor,

não me acorde amanhã

não quero sentir saudade

do que vivemos hoje