gente,
vivi pra ver e ouvir
Armandinho, Yamandu, Borghetti
e a Sinfônica Jazz
na Sala São Paulo
(numa transmissão televisiva):
um deslumbrante desbunde
– eita Brasil
poderes continuares lindo, tão?!
gente,
vivi pra ver e ouvir
Armandinho, Yamandu, Borghetti
e a Sinfônica Jazz
na Sala São Paulo
(numa transmissão televisiva):
um deslumbrante desbunde
– eita Brasil
poderes continuares lindo, tão?!
incapaz de derramar uma lágrima
riu da agonia,
da dor,
tripudiou da miséria
e, alheio, sentiu-se ungido:
crente que teria sobrevida
além e acima do caos
ignorante da própria pequenez,
investiu contra tudo e todos
distraído da condição humana:
imperfeita, fraca, frágil… falível
eis que a munição acaba
e as mãos, unhas e dentes das vítimas
inscrevem na História
o patético fim de um arrogante
e esta pena assinala,
diante da eternidade,
a tragédia desse ninguém
condenado a viver atormentado
por seus delírios de grandeza
um pensamento sem fim,
inda’gora
galopou a minha mente…
um medo atávico -
me gelou
num sobressalto
a ceifadora veio
e célere lá se foi
inspecionar
a orgia ancestral
do seu espólio
satisfeita
riu com seus agentes
a fartura do seu intento
eu, ainda vivo,
me confundo
com o rebanho:
me falta maturidade
para olhar nos inexistentes
e inevitáveis olhos da Morte
ao descobrir
que a condição da Existência
é um encontro
marcado com a Morte,
percebi que devo
deixar uma boa impressão
no Tempo
... nunca mais
é muito tempo
deve existir
um espaço
entre o sempre
e o agora
onde seja possível
te reencontrar
A História Ocidental
É a história
De um conflito interminável
Entre três irmãos
Pela posse da Terra
(Que por ser de todos
Nunca foi e jamais será
De nenhum em particular)
… Alexandre encontrou o Oriente
Marco Polo também
Os Portugueses, os Ingleses, todos
(Inclusive os Beatles)
Encontraram o Oriente
Depois do próprio ter encontrado a si
E do alto da montanha amuralhada
Permitir que todos os turistas vazem
E levem pra bem longe sua infeliz doença…
A história ocidental
É a história de um trauma não resolvido
(E muito mal tratado – individual e coletivamente),
Sobre a qual o Oriente caga, anda
E com toda a compaixão do mundo,
Se esbalda de rir
Mas alimentemos o jardim, construído nas nuvens
E quem sabe, finalmente Deus acorde,
Incomodado pelo perfume das flores
E o zumbido das abelhas
E finalmente sejamos todos contagiados
Por uma ideia verdadeira e substancial
Bem mais simples e real… mesmo que o Oriente
Continue a rir de nós, do nosso jeito adolescente
sim, quero a última brisa, o último orvalho
o derradeiro canto do bem-te-vi
e o vôo rasante do rasga-mortalha…
sim, deste mundo quero a última mirada,
o último ruído e o definitivo arrepio…
(eis que, no limite, percebo
que amar é descausar desconforto
e, pacífico, recuar com um beijo)
sim, seguirei ao último instante
em busca da palavra
que legue à posteridade meu último suspiro…
(mas eis, quem sabe aconteça
ficar num hiato mudo, entre a vigília e o sono
na misteriosa passagem
onde o inverno entrega à primavera
o magnífico comando das coisas e dos nomes…)
e acaso ocorra me faltar o fôlego
para encerrar esse último e simplório ato
mesmo desbotado
ensaiarei um sorriso largo
e talvez, alcance apenas dizer: valeu
adeus!
os objetos e as coisas na minha casa
(incluso paredes, piso e teto)
me são absolutamente indiferentes,
nenhum deles têm consciência
da minha presença… para eles
tanto faz como tanto fez
minha existência… tão nem aí!
se, vez ou outra, não cuidar deles
limpá-los, conservá-los, preservá-los
trocá-los, reciclá-los… em pouco tempo
acordarei num ambiente hostil,
sujeito ao nada.
a natureza tá nem aí pra mim
embora carregue por ela,
um piano sobre as costas…
contigo mantenho, ó gaia querida,
um desequilibrado caso de amor:
dependo te amar apenas,
sem jamais esperar ser amado.
no silêncio solitário do apê
apenas meu coração atribula
e barulha mais que o martelete
na construção ao lado
ah, a falta que me faz
uma palavra
um cheiro
aquele abraço…
dificil me acostumar
ao ruído
que ficou no teu lugar
por natureza, toda manhã
nos presenteia com um quê de alegria
porém, toda tarde é triste
por isso, meu amigo
a noite é sempre uma esperança
e a madrugada?
a madrugada não passa
de um disco arranhado na vitrola…
ó acúmulo de fantasias,
práticas mágicas e religiosas,
superstições, ritos e sacrifícios…
preciso controlar o incontrolável,
o rio tumultuoso das manifestações d’alma
ó festins diabólicos, imolações humanas,
progressão sangrenta, condutas rudes e perversas
rituais antropofágicos: quero a comunhão heroica
o simbolismo, profecias modernas
evitar a catástrofe final… alcançar o sublime
ah, minha humanidade
sigo vítima da tua fecundidade:
quanto mais me multiplico
instantâneo me torno irrelevante,
inútil, me grudo à bichalidade
onde as pulsões buscam me fazer esquecer
tudo que de fato importa…
e eis que a revolução
alegre, desde as cinco da tarde
passa ao largo em desfile no rumo oposto
ao sentido do trem que insisto em embarcar
o amor é um mistério
escondido detrás de palavras
versos, frases de efeitos
ah, quantas vezes
me perdi em seus labirintos
e fiquei mudo
diante da essencial timidez do amor
(ousada é a paixão)
amado/amante
dizei pouco do amor
– por pudor, falai quase nada
daquilo que vos confunde… eu sei!
é preciso sentir o amor
além do desejo (essa quimera)
e permitir que renasça
finda a fértil primavera
amei pouco, tantinho…
quem sabe um dia aceite
do amor todos os espinhos
paladar:
fale a verdade, sempre
– recheada com poesia,
mas não pese a mão nos temperos
para não envenenar o liberto!
se eles não vacilam em te matar
e salgam a terra
para que tua semente jamais prospere…
se eles não vacilam em te açoitar
e te fazem desistir da própria vontade
para que beijes o chicote que te lacera a carne…
se eles não vacilam em te execrar
te humilham em público para que tenhas de gritar
que teu decretado dono é gente de bem…
se eles não vacilam em te pisotear
e apregoam que nasceste preguiçoso, inútil
imprestável para conviver em sociedade…
se eles não vacilam em te desumanizar
e dizem de ti que sois bruto, débil de pensar
e te fazem seguir tangido por capitães do mato…
se eles não vacilam em remunerar palavrosos
para te ameaçarem com as chamas do inferno
como se não vivêssemos nas trevas desde sempre…
se eles não vacilam em te transformar em coisa,
e te usam para limparem os pés podres
da sujeira e doença que fazem deles o que são…
se eles não vacilam, por que tu ainda refugas
renegas o chão em que estás plantado
e escolhes servir de mão para o verdugo?
estou agora
onde não sou
o que fui
e ainda não atingi
o que serei…
estou presente
entre uma coisa e outra
no meio gesto
no meio do gesto
narciso em feedback
meu experimento
é a escolha de seguir
modificar
ou interromper
esse fluxo… em processo
não me peçam nada
além de palavras:
– sou apenas um poeta
ai, quem me dera
chegasse a maiakovski
chico, neruda ou drummond…
mas me fiz assim, ordinário
– a comungar com a própria solidão
por favor,
não me peçam nada
mal consigo me entender
com a rotina,
quanto mais…!
cotidiano, imploro:
ai, quem me dera
não desejar mais nada,
finalmente
acertar as contas
com minh’alma sucinta
acordei passarinho
– mortinho da silva
disse oi a um parente que, em sofrência, desbrilha – argh
um transeunte jogou escuridão no meu rosto - aff
o pessoal do vila botou a viola no saco e, eita
a vida me acertou…
morro, mas não morro em vão
sigo as partículas,
migalhas camufladas do fantasma atômico
que me criei
para atravessar paredes
no rastro da ilha
do outro lado
da sala
a dúvida é
eternizo, desapareço ou fico?
daí, acordo… passarinho
morto da silva
ontem sonhei com fulana:
danado é que
não lembro mais da sua aparência
faz tanto tempo desde
qu’eu ficava horas
ouvindo sua voz
mansa
a dizer coisas
que me bagunçavam por dentro
sem saber como dizer não…
ontem, pra variar
ela cuidou de esfregar
os dedos dos pés
carinhosamente
no meu rosto
que de tão íntimos
desculpei o cheiro acre
que exalava dos seus dedinhos…
fulana sempre me tratou bem
verdade,
mas o drama
é que eu passei o sono inteiro
temendo ser flagrado
acariciando aqueles pezinhos bofedidos,
que acordei exausto com o esforço que fiz
para o marido dela não dar as caras no sonho.
a alma é vasta
dificultosa jornada…
quem atinge metade do caminho?
sem a ajuda da poesia
mãe de infinitos, ó gente!
ah, rouxinol, tu não tens sexo…
– anjo que abrandas, paterno
as cruezas da alma
e quanto a ti, cotovia
te bem sei graça, repertório
sublime da liberdade…
trindade maviosa:
estremece o coração,
desperta no sonho
inesperada melodia,
súbita compreensão…
na hora da minha morte
os ponteiros dos relógios
desistirão de perseguir a rotina
e ficarei a mercê do nada
...
na minha inocência de criança
pai é aquele que afugenta
o monstro debaixo da cama
enquanto a mãe constrói o futuro
...
o animal humano
amontoado de carências
inseguranças e incertezas
costuma morder
...
amor,
não me acorde amanhã
não quero sentir saudade
do que vivemos hoje