sábado, 23 de outubro de 2021

a vida é bela

 

Young Girl and Child, William-Adolphe Bouguereau, 1869



minha filha do meio me liga
– quer conversar -
algo lhe machuca o peito...

 

eu, que cedo
fui entregar urina de 24 horas para exame
voltei, no ônibus,
na companhia de uma criança
que aliviou os minutos tediosos
do transporte público:
uma coisinha frágil e enérgica
e esta contradição me levava a desviar o olhar
toda vez que ela tentava contato
por temor de me deixar cativar

fazer-lhes umas gracinhas, brincar talvez 

é que me afastava o incômodo da mãe

que a controlava e corrigia a todo instante

como se a pobre pequena tivesse qualquer domínio
sobre a surpresa de lhe ocorrer
a todo instante
estar simplesmente viva

 

– queria eu ter aquele olhar
suficiente para iluminar o mundo
e fazer de conta que a humanidade tem jeito!

 

minha filha do meio, finalmente, marca uma hora
– aguardo ansioso…
e já que ela confia em mim para desabafar
penso em convidá-la para um passeio no fim de semana:
talvez um filme, uma exposição…
a gente consegue entender melhor as coisas
quando gastamos sola de sapato
até ali onde saboreamos esfihas, pastéis e quibes
(a vida é complicadamente bela)
assediados por outras tantas contradições,
possibilidades e senões…

a liberdade consiste nisto:
ter olhos dóceis para enxergar o mundo
e saber se esquivar das armadilhas
humanas…


 

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