Untitled 246,
Zdistav Beksmski (1956-2005)
Agarrou-o pelos
cabelos e puxou. O corpo esquelético caiu de bunda no chão.
Escorado na terceira vértebra lombar pelo bico do coturno ficou sem
saber se gritava pelo puxão, pela queda, pelo chute ou pela
humilhação. Na dúvida, deixou que a dor rugisse e não mais se
debateu. Não que estivesse rendido. Não estava. Decidira a muito
que viveria mesmo que por teimosia, de pura pirraça e não seria
agora que daria o gosto de vê-lo fraquejar. Não senhor, aguentaria.
Mais uma vez aguentaria. “É a vida”, pensou, “cada um na sua”.
E a dele nunca foi diferente. Sempre lascado. E lascado por lascado,
lascado inteiro. Só faltava uma coisa: um berro. Não um berro
qualquer, mas um berro de responsa, importado, daqueles cujas balas,
em vez de abrir um buraco, explodem em mil pedaços a cabeça do
sujeito. Ao menos assim teria uma chance. Porque é foda não ter uma
chance.
– Entra aí, vamos
dar um passeio.
Por pouco, por tão
pouco… Uma questão de passos… Se tivesse alcançado o outro lado
da rua… Se aquela moto não tivesse entrado na história… Se, se,
se…
– É, vamos levar a
criança pro parque de diversão.
A merda dessas
situações é que você sabe o que te aguarda e mesmo assim, paga
pra ver. Afinal tudo é possível. Nada se parece com o fim. O fim é
sempre desconhecido. E por isso tudo pode acontecer: os caras podem
mudar de ideia; o carro pode capotar; um avião, um raio… Um
meteoro pode cair. Que tal uma nave espacial descer e abduzir todo
mundo? Ou um super-herói que, pra cumprir a missão do dia, o salve
no último minuto? Até Deus pode intervir. Taí, por que Deus não
intervém? “Te desafio: faça este carro derrapar e cair num
precipício. Mate estes dois filhos da puta e me deixe viver. Mas
antes me responda uma coisa: quem foi o desgraçado que deu
autoridade pra estes putos fazerem o que fazem com neguinho que nem
eu? Estas bostas não merecem a comida que engolem e cagam: roubam,
matam, estupram e de noite vão ao culto com mulher e os filhos.
Miseráveis espalhadores de inferno. Todos teus servos, senhor.
Armados e loucos. Tudo não é feito em teu nome? Sabes disto melhor
que eu, que não inventei o mal deste mundo. Que sou apenas o efeito.
Da nossa semelhança. Mas não vou te culpar por nada do que me
acontece. Sou homem, tenho responsabilidade. E digo: só por sadismo
justifico todas as porradas que levei e que ainda levarei nesta
latrina que é minha vida. Só pelo prazer da dor justifico não ter
me tornado humano, igual aos que vejo no cinema, na televisão, nas
revistas, todos sorridentes, cheios de saúde, de alegria, de futuro…
Só por um ódio profundo de mim, me nego o futuro. Mas, não: quero
acreditar que na próxima curva o pneu desta viatura vai estourar e
aí o careca perderá o controle e o carro rolará ribanceira abaixo
se espatifando lá no fundo do buraco envolto num mar de chamas.
Vamos, Deus, faça o teu abracadabra. Do resto cuido eu”.
– Você acredita em
vampiro?
“Que porra é essa?
Tiro, facada, fogo, veneno, os cambaus… Tudo bem, a gente sabe
donde vem, o que é e pronto, mas isso, que papo é esse? Se quer me
assustar, parabéns, conseguiu. Porque de todas as porras que enfiam
na cabeça da gente esta faz tremer as bases. Esse negócio de
vampiro cheira a sexo. O que este cara está insinuando? Puta merda,
é melhor morrer. Ah, se uma bomba atômica caísse sobre nossas
cabeças agora. Pra não sobrar nem pensamento. Tudo, tudo menos
isto”.
– Falei com você,
merdinha: acredita ou não? O veículo para. – Vem cá, vou te
mostrar uma coisa.
– Desce, grita o
segundo.
“Pra que se dá ao
trabalho de dizer desce se me arrasta pra fora e me joga contra um
muro numa quebrada escrota no fim do fim do mundo”?
– Encosta aí. E o
golpe do cassetete rasga o canto esquerdo da sua boca seca. Um filete
de sangue ralo escorre. Os olhos do polícia que lhe oprime o peito
ficam de repente injetados, rubros. Com sede, os dois homens da lei,
salivam diante da primeira refeição do dia.
Muito profundo, real e chocante! Nos remete à reflexão e posteriormente, de preferência, à ação. Atitude é o que tem feito muita falta.... bjs Paul!!!!
ResponderExcluirMe diga, o que é a "Munganga"?
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