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“A certeza de monstros
a serviços dos pais é a quantidade de criatura de cera”.
Mabel Laboratov,
(1896-1974)
In Teoria e Prática
do Bom Senso
Volume IV, pg.746, 1ª
Edição
Cortez & Alba, 1956
Estava a mãe naqueles
dias. O corpo: um peso, um fardo, um ônus. A alma: uma ardência,
uma ausência, um buraco sem fim. E as crianças pra lá e pra cá.
Pressão e fervura. Nestas horas não há remédio senão…
– Era uma vez, um
velho… Bem velho, decadente, sujo… Com um saco nas costas.
– Papai Noel?
– Não, Leon, Papai
Leon.
– O que ele faz?
– Carrega crianças
desobedientes para bem longe.
– O porteiro falou que
existe um velho que rouba crianças que saem de suas casas sem um
adulto.
– E ele faz o que com
as crianças?
– Sabão e botões.
– Não quero virar
sabão.
– Socorro, mãezinha.
– Bem, hoje não
amarrarei uma fita vermelha no pé da cama de vocês.
Naquela noite a mãe foi
dormir com um vulcão na cabeça. Quem disse que conseguiu dormir. No
dia seguinte, aqueles dias estavam piores. O corpo e alma daquele
jeitinho. E as crianças pra lá e pra cá.
– Era uma vez, um
velho… Bem velho, decadente, sujo… Com um saco nas costas.
– Papai Leon?
– O próprio.
– Não gosto dele.
– Ele também não
gosta de crianças desobedientes.
– Não sou
desobediente.
– Só quando não me
desobedecem.
– Estou desobedecendo
agora?
– Agora não, mas…
– A professora falou
que os anjos não gostam de gente que vai dormir com raiva.
Mais uma
vez a mãe foi dormir. Lava escorrendo pelos buracos da face. E mais
uma noite longe de dormir. No dia seguinte, não sentiu o corpo e não
sentiu a alma enquanto as crianças pulavam daqui pra lá e de lá
pra cá.
– Era uma vez, um
velho… Bem velho, decadente, sujo… Com um saco nas costas.
– Esse velho existe
mesmo?
– Claro, seu bobo… O
que você acha que aconteceu com o filho da professora?
– Ele foi morar com a
vó no interior, sua descerebrada.
– Não sou não.
– É sim, um zumbi
comeu teu cérebro.
– Chega.
– Foi ela quem
começou.
– Mentira, foi ele.
Apesar das
marteladas, das adagas afiadas, da pressão e da fervura, a mãe foi
dormir mais uma vez pensando que dormiria porém, quando estava quase
agarrada ao sono, uma mão suja e fedida a sufocou. Quando conseguiu
respirar estava dentro de um saco em meio a uma gente que, por não
saber o que lhes sucedia, andava pra lá e pra cá, derretendo-se por qualquer coisa. Aquela noite
durou mais que uma simples noite. Durou mais que um instante, durou
uma vida. Inteira. Teria durado mais não fossem mãozinhas
aparecerem e a tirarem de lá. Quando abriu os olhos, seus dois
anjinhos acarinhavam sua testa.
– Mamãe gritava.
Viemos ajudar.
Abraçou-os e chorou.
Achada. Nunca mais perdida. Não tanto quanto fora até aquele
instante. Ainda era noite e lá fora, um velho sujo ajeitava um
enorme saco nas costas, profundamente chateado.
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