sábado, 9 de novembro de 2013

Lendas Urbanas - 10. O Velho do Saco


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A certeza de monstros a serviços dos pais é a quantidade de criatura de cera”.

Mabel Laboratov, (1896-1974)
In Teoria e Prática do Bom Senso
Volume IV, pg.746, 1ª Edição
Cortez & Alba, 1956


Estava a mãe naqueles dias. O corpo: um peso, um fardo, um ônus. A alma: uma ardência, uma ausência, um buraco sem fim. E as crianças pra lá e pra cá. Pressão e fervura. Nestas horas não há remédio senão…

– Era uma vez, um velho… Bem velho, decadente, sujo… Com um saco nas costas.
– Papai Noel?
– Não, Leon, Papai Leon.
– O que ele faz?
– Carrega crianças desobedientes para bem longe.
– O porteiro falou que existe um velho que rouba crianças que saem de suas casas sem um adulto.
– E ele faz o que com as crianças?
– Sabão e botões.
– Não quero virar sabão.
– Socorro, mãezinha.
– Bem, hoje não amarrarei uma fita vermelha no pé da cama de vocês.

Naquela noite a mãe foi dormir com um vulcão na cabeça. Quem disse que conseguiu dormir. No dia seguinte, aqueles dias estavam piores. O corpo e alma daquele jeitinho. E as crianças pra lá e pra cá.

– Era uma vez, um velho… Bem velho, decadente, sujo… Com um saco nas costas.
– Papai Leon?
– O próprio.
– Não gosto dele.
– Ele também não gosta de crianças desobedientes.
– Não sou desobediente.
– Só quando não me desobedecem.
– Estou desobedecendo agora?
– Agora não, mas…
– A professora falou que os anjos não gostam de gente que vai dormir com raiva.

Mais uma vez a mãe foi dormir. Lava escorrendo pelos buracos da face. E mais uma noite longe de dormir. No dia seguinte, não sentiu o corpo e não sentiu a alma enquanto as crianças pulavam daqui pra lá e de lá pra cá.

– Era uma vez, um velho… Bem velho, decadente, sujo… Com um saco nas costas.
– Esse velho existe mesmo?
– Claro, seu bobo… O que você acha que aconteceu com o filho da professora?
– Ele foi morar com a vó no interior, sua descerebrada.
– Não sou não.
– É sim, um zumbi comeu teu cérebro.
– Chega.
– Foi ela quem começou.
– Mentira, foi ele.

Apesar das marteladas, das adagas afiadas, da pressão e da fervura, a mãe foi dormir mais uma vez pensando que dormiria porém, quando estava quase agarrada ao sono, uma mão suja e fedida a sufocou. Quando conseguiu respirar estava dentro de um saco em meio a uma gente que, por não saber o que lhes sucedia, andava pra lá e pra cá, derretendo-se por qualquer coisa. Aquela noite durou mais que uma simples noite. Durou mais que um instante, durou uma vida. Inteira. Teria durado mais não fossem mãozinhas aparecerem e a tirarem de lá. Quando abriu os olhos, seus dois anjinhos acarinhavam sua testa.

– Mamãe gritava. Viemos ajudar.

Abraçou-os e chorou. Achada. Nunca mais perdida. Não tanto quanto fora até aquele instante. Ainda era noite e lá fora, um velho sujo ajeitava um enorme saco nas costas, profundamente chateado.




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