sábado, 2 de novembro de 2013

O beco que nos encontra a caminho



Covered Alley in  Atrani, M.C.Escher, 1931

Rodou, mexeu e nada… Nada surgiu. Quase tudo torrado. Consumido em últimos meses. Quanto mais aguentaria? Se continuasse assim, desistiria. Facada. Não seria a primeira vez. Tiro. Que saía com uma mão na frente e outra atrás. Debaixo de carro. Porém, o que pegava mesmo era o por quê ainda não ter desistido de tudo. Desacatar o guarda. Que tal vida não era vida, que merecesse. Último andar e pular. Tal era vida? Que. Deitar nos trilhos. Viver, pra se foder inteiro. Sem esteira. Veneno de rato. Pra cair duro. A troco? Dar calote em traficante!

Ainda tem uns. Sabe-se poucos. Se fosse de conversar. Prezar-lhe-ia cuidados. Mas não aparenta. Parece outro. Mas não é. Não sabe expressar se tivesse a quem. Noutros tempos, fumaria, beberia e esqueceria. Faria de conta que não era e ignoraria como é normal ignorarmos o que rasteja sobre o azulejo roto caído da parede frouxa de uma casa arruinada e vazia. Mas agora, crente da misericórdia infinda, do poder curador do espírito purificado e limpo, pode-se dar ao luxo de exibir o escarro que lhe goteja e baba a face que desolhou do espelho. Viveria sem necessidades, sem exército, sem conflito… E só. De quantos falamos, os decaídos da cama? E no entanto…

Quantas vezes caminhou por estes caminhos seus labirintos da vez? Interrogar-se-ia que nem aquele. Caminharia os passos. Mesmo que os passos o conduzisse às voltas. Algo em torno. Uma coisa leva à outra. Causa e consequência. E outra vez, ele, novamente, errante. Por que o círculo o persegue tanto? Que modo de dizer que é sem modos. Que o mundo é uma redoma. Que se soubesse. Nunca. Chafurdaria. Se acaso atinasse. E não atinara o quê? O braço só alcança o que a perna dá e o passo é sempre do tamanho da perna, a mesma que dá o primeiro passo. Série de muitos. Credita e passa. Adiante, sequência. Mudar. Preciso plano. Nesse deserto, meu caro, o plano caminha. Água debaixo da ponte que passa. Adiante. Oásis acaso se haverá de existir nem que miragem seja mera ilha insensata e troncha ainda toda por se fazer enquanto a esperança é carne e unha de todas as desgraças. Lamenta e ri. Ah, beber o Tietê de canudinho é preparar o futuro. Líquido e certo.

Quem passaria por aqui senão os indiferentes? E destemidos. Sim, todo forte é indiferente. Com a dor, com a morte. Porque a dor do forte é justamente a de não vencer a dor e a morte. A dor do forte é sobreviver à dor e à morte. A dor do forte é cotidiana à dor e à morte. E de tanto lhe doer, a dor do forte rompeu o seu instante e alcançou a loquacidade. Perene. Esta dor que, ao doer tanto e insistente, pendula em todos tempos idos, vindos e findos, nas dimensões todas e tal qual uma legenda ilustra e guia, nós e outros, pra sempre. Pra sempre é foda. Pra sempre, saco: mata tudo que viceja lato, tal arrastar de sabidas vergonhas e fingidas convenções.

Digo que vai. Que continua a ir. Irá. Ao último. Rirá, se puder? Que o ilustre e guie a dor e a morte. Porque da vida quis tão pouco. Por ser tão frágil. Por ser tão fútil. Por ser tão inconstante. Tampouco quis da vida algo. Mais. Porque a vida se quisesse poderia. Mais. E no entanto, ela, a vida, agarra-se qual treliça torta. Menos. Vontade falta. Falha. Alguém que, desvalida, perdão suplica. Logo a quem, clama. Eis a entrega, maior dos pecados. A vida, esta vida, a única que tem, de tanto chorar ausência, vinga-se, a pura. Uma vingança imaginada e planejada ao ponto de ganhar enredo cômico. Petulante. Eis o vilipêndio. Patético. Ele, o covarde, o biltre, a gracinha que faz pose nas fotos, em todos os álbuns de família, deslembrou-se. Cedeu. Passou-se intérprete, mocinho em filme B. Canastra, não se importou e acho que continua a não se importar, talvez nem um pouco com esta porra toda. Que afinal se devota e quem se devota, isenta-se. Personifica-se. Sem qualquer pretensão biográfica. Descaberia dalguma.


Pergunto: isto esquisita, seria? Digo que vai. Vai sim. Disse-me pois. À última casa do jogo. Embora não com estas palavras. Sem riso. Que não se atreve. Se não nasceu pra isto. Nasceu sei lá. Se. E veio, vindo e ficando, e foi, e quando viu já era, e pronto acabou, não tem mais pra seu ninguém. Calai-vos. Calei-me e confesso que penso. E me culpo. Por ser tão fraco, por ser tão vil ao ponto de choramingar migalhas à mesa dos que me desprezam, por esquecer os motivos da partida, por perder o interesse nas chegadas, por permitir conduzir minha vida a um termo chinfrim, por desconsiderar o alvoroço com que ultimamente sou flagrado ao lado e a postos dessa solitária companhia… Rápido, guardai a sentença antes que: pra quem está na merda não há demérito em feder. Lembrai-vos e fim, ó santos dos últimos dias.  


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