Covered Alley in Atrani, M.C.Escher, 1931
Rodou, mexeu e nada…
Nada surgiu. Quase tudo torrado. Consumido em últimos meses. Quanto mais aguentaria? Se continuasse assim, desistiria.
Facada. Não seria a primeira vez. Tiro. Que saía com uma mão na
frente e outra atrás. Debaixo de carro. Porém, o que pegava mesmo
era o por quê ainda não ter desistido de tudo. Desacatar o guarda.
Que tal vida não era vida, que merecesse. Último andar e pular. Tal
era vida? Que. Deitar nos trilhos. Viver, pra se foder inteiro. Sem
esteira. Veneno de rato. Pra cair duro. A troco? Dar calote em
traficante!
Ainda tem uns.
Sabe-se poucos. Se fosse de conversar. Prezar-lhe-ia cuidados. Mas
não aparenta. Parece outro. Mas não é. Não sabe expressar se
tivesse a quem. Noutros tempos, fumaria, beberia e esqueceria. Faria
de conta que não era e ignoraria como é normal ignorarmos o que
rasteja sobre o azulejo roto caído da parede frouxa de uma casa
arruinada e vazia. Mas agora, crente da misericórdia infinda, do
poder curador do espírito purificado e limpo, pode-se dar ao luxo de
exibir o escarro que lhe goteja e baba a face que desolhou do
espelho. Viveria sem necessidades, sem exército, sem conflito… E
só. De quantos falamos, os decaídos da cama? E no entanto…
Quantas vezes caminhou
por estes caminhos seus labirintos da vez? Interrogar-se-ia que nem
aquele. Caminharia os passos. Mesmo que os passos o conduzisse às
voltas. Algo em torno. Uma coisa leva à outra. Causa e consequência.
E outra vez, ele, novamente, errante. Por que o círculo o persegue
tanto? Que modo de dizer que é sem modos. Que o mundo é uma redoma.
Que se soubesse. Nunca. Chafurdaria. Se acaso atinasse. E não
atinara o quê? O braço só alcança o que a perna dá e o passo é
sempre do tamanho da perna, a mesma que dá o primeiro passo. Série
de muitos. Credita e passa. Adiante, sequência. Mudar. Preciso
plano. Nesse deserto, meu caro, o plano caminha. Água debaixo da
ponte que passa. Adiante. Oásis acaso se haverá de existir nem que
miragem seja mera ilha insensata e troncha ainda toda por se fazer
enquanto a esperança é carne e unha de todas as desgraças. Lamenta
e ri. Ah, beber o Tietê de canudinho é preparar o futuro. Líquido
e certo.
Quem passaria por aqui
senão os indiferentes? E destemidos. Sim, todo forte é indiferente.
Com a dor, com a morte. Porque a dor do forte é justamente a de não
vencer a dor e a morte. A dor do forte é sobreviver à dor e à
morte. A dor do forte é cotidiana à dor e à morte. E de tanto lhe
doer, a dor do forte rompeu o seu instante e alcançou a loquacidade.
Perene. Esta dor que, ao doer tanto e insistente, pendula em todos
tempos idos, vindos e findos, nas dimensões todas e tal qual uma
legenda ilustra e guia, nós e outros, pra sempre. Pra sempre é
foda. Pra sempre, saco: mata tudo que viceja lato, tal arrastar de
sabidas vergonhas e fingidas convenções.
Digo que vai. Que
continua a ir. Irá. Ao último. Rirá, se puder? Que o ilustre e
guie a dor e a morte. Porque da vida quis tão pouco. Por ser tão
frágil. Por ser tão fútil. Por ser tão inconstante. Tampouco quis
da vida algo. Mais. Porque a vida se quisesse poderia. Mais. E no
entanto, ela, a vida, agarra-se qual treliça torta. Menos. Vontade
falta. Falha. Alguém que, desvalida, perdão suplica. Logo a quem,
clama. Eis a entrega, maior dos pecados. A vida, esta vida, a única
que tem, de tanto chorar ausência, vinga-se, a pura. Uma vingança
imaginada e planejada ao ponto de ganhar enredo cômico. Petulante.
Eis o vilipêndio. Patético. Ele, o covarde, o biltre, a gracinha
que faz pose nas fotos, em todos os álbuns de família,
deslembrou-se. Cedeu. Passou-se intérprete, mocinho em filme B.
Canastra, não se importou e acho que continua a não se importar,
talvez nem um pouco com esta porra toda. Que afinal se devota e quem
se devota, isenta-se. Personifica-se. Sem qualquer pretensão
biográfica. Descaberia dalguma.
Pergunto: isto
esquisita, seria? Digo que vai. Vai sim. Disse-me pois. À última
casa do jogo. Embora não com estas palavras. Sem riso. Que não se
atreve. Se não nasceu pra isto. Nasceu sei lá. Se. E veio, vindo e
ficando, e foi, e quando viu já era, e pronto acabou, não tem mais
pra seu ninguém. Calai-vos. Calei-me e confesso que penso. E me
culpo. Por ser tão fraco, por ser tão vil ao ponto de choramingar
migalhas à mesa dos que me desprezam, por esquecer os motivos da
partida, por perder o interesse nas chegadas, por permitir conduzir
minha vida a um termo chinfrim, por desconsiderar o alvoroço com que
ultimamente sou flagrado ao lado e a postos dessa solitária
companhia… Rápido, guardai a sentença antes que: pra quem está
na merda não há demérito em feder. Lembrai-vos e fim, ó santos
dos últimos dias.
Nenhum comentário:
Postar um comentário