sábado, 23 de novembro de 2013

A Tradição Relativa X


Índio do Xingu, Elvis da Silva, 2005

O Dilúvio Brasileiro

(José de Alencar, O Guarani


"Foi longe, bem longe dos tempos de agora.
As águas caíram e começaram a cobrir toda a terra.

Os homens subiram ao alto dos montes.
Só um ficou na várzea com sua esposa: era Tamandaré.
Forte entre os fortes, sabia mais que todos.
Tupã falava-lhe de noite. 
E de dia ele ensinava aos filhos da tribo o que aprendia do deus.

Quando todos subiram aos montes, ele disse:
Ficai comigo, fazei como eu e deixai que venha a água.
Os outros não o escutaram e foram para o alto.

Ele ficou só, na várzea, com sua companheira, que não o abandonou.
Tamandaré tomou sua mulher nos braços e subiu com ela ao olho da palmeira.
Lá esperou que a água viesse e passasse.

A palmeira dava frutos que os alimentavam.
A água veio, subiu e cresceu.
O sol mergulhou e surgiu uma, duas e três vezes.
A terra desapareceu.
A árvore desapareceu.
A montanha desapareceu.

A água tocou o céu e Tupã mandou que parasse.
O sol olhou e só viu céu e água.
E entre a água e o céu, a palmeira.
A palmeira que boiava levando Tamandaré e sua companheira.

A corrente cavou a terra.
Cavando a terra, arrancou a palmeira.
Arrancando a palmeira, subiu com ela.
Subiu acima do vale, acima da árvore, acima da montanha.

Todos morreram.
A água tocou o céu três sóis com três noites.
Depois baixou.
Baixou até que descobriu a terra e veio o dia. 

Tamandaré viu que a palmeira estava plantada no meio da várzea.
Ouviram a avezinha do céu, o guanumbi, que batia as asas. 
Desceu com a sua companheira, e povoou a terra". 


Nenhum comentário:

Postar um comentário