sábado, 24 de agosto de 2013

Lendas Urbanas - 7. A Mulher do Táxi



Alamoa, in lingalog.net



Após um longo e cansativo dia de trabalho, Almeida decidiu que era hora de fechar a bodega. Deixou seu último cliente no local combinado e, ao encaminhar-se para casa, avistou no cruzamento da Eusébio com Cardeal uma linda mulher a acenar-lhe que parasse. Separado a mais de ano, aquela é uma visão animadora. De animar defunto, ponderou e parou.

Você pode me levar para passear?”, disse de modo suave a impedir que o taxista recusasse. Enquanto seu lado direito repetia que aquela era uma hora bastante imprópria para um passeio pela cidade, o lado esquerdo pontificava que a necessidade faz o ladrão e que não é todo dia que a gente pode tomar um vinho do Porto.

Leve-me aos lugares mais bonitos que você conhece”. O pedido elevou a temperatura do conflito. Alguém, de parar o comércio, disposta a passear pela cidade com ele! Considerado este último ponto, o lado esquerdo venceu. “Por favor, abra a porta, não posso tocar na maçaneta”. O que é estranho atiça ainda mais a curiosidade.

Guia turístico por uma madrugada é uma experiência marcante. Imaginem os coelhos que poderiam sair daquela cartola? Teria muito a comentar com os parceiros de ponto no dia seguinte. O problema era que a moça não abria o flanco, preocupada que estava com os cartões postais da cidade. Extravagante. Certamente uma excêntrica. E com gosto duvidoso. Talvez gostos perigosos, gritou ameaçador o lado direito diante dos argumentos afrodisíacos do antagonista que insistia: sigamos em frente e quem sabe, no final, num passe de mágica, sejamos convidados para tomar um café no apê. Café vai, café vem... Convém deixarmos uma coisa esclarecida: molecagens, nem pensar. Nada de safadezas, pirações... Longe qualquer novidade, que gostava mesmo era do tradicional e pronto. Bastava aquele enredo, permitir-se levar pelos caprichos turísticos de uma desconhecida que em todos os lugares que parava, comportava-se como uma criança deslumbrada: rodopiava, ria, impressionada com a paisagem como se fora a primeira vez que a vira, embora lamentasse não poder tocar nas coisas.

Próximo da aurora, a moça pediu para regressar. O encanto inicial já houvera sido desfeito diante daquele desfile de esquisitices. Só restava ao taxista entregar-se à sua persona profissional e pensar no valor da corrida. “Deixe-me no meu ponto de partida”. Estacionou o carro. Ela agradeceu e saiu. Ao tentar lembrar-lhe do pagamento, foi interrompido: “Não trouxe dinheiro comigo. Fique com o meu endereço. Passe lá mais tarde”. Entre irritado, intrigado e com um tosco fio de esperança, Almeida aceitou, despediu-se e foi embora. O cansaço e o sono, tinha-lhe também retirado por completo o ímpeto.

Dormiu até às dez pras três. Mais ou menos cinco da tarde, perfumado, tocou a campainha de um sobrado no bairro dos Pinheiros. Uma idosa atendeu. Ouviu com lágrimas nos olhos uma implausível narrativa. Gentilmente, pediu que entrasse e sentasse enquanto buscava algo para que visse. Dirigiu-se até um console na sala e de cima dele pegou um porta retrato. “Era esta moça?” A mesma. “Minha filha morreu a cinco anos atrás, num acidente de carro, quando passeava pela cidade, como fazia todo ano, na data do seu aniversário”. Os olhos de Almeida não saíram em disparada pela rua graças a armação pesada dos seus óculos.



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