Alamoa, in lingalog.net
Após um
longo e cansativo dia de trabalho, Almeida decidiu que era hora de
fechar a bodega. Deixou seu último cliente no local combinado
e, ao encaminhar-se para casa, avistou no cruzamento da Eusébio com
Cardeal uma linda mulher a acenar-lhe que parasse. Separado a mais de
ano, aquela é uma visão animadora. De animar defunto, ponderou e
parou.
“Você
pode me levar para passear?”, disse de modo suave a impedir que o
taxista recusasse. Enquanto seu lado direito repetia que aquela era
uma hora bastante imprópria para um passeio pela cidade, o lado
esquerdo pontificava que a necessidade faz o ladrão e que não é
todo dia que a gente pode tomar um vinho do Porto.
“Leve-me
aos lugares mais bonitos que você conhece”. O pedido elevou a
temperatura do conflito. Alguém, de parar o comércio, disposta a
passear pela cidade com ele! Considerado este último ponto, o lado
esquerdo venceu. “Por favor, abra a porta, não posso tocar na
maçaneta”. O que é estranho atiça ainda mais a curiosidade.
Guia
turístico por uma madrugada é uma experiência marcante. Imaginem
os coelhos que poderiam sair daquela cartola? Teria muito a comentar
com os parceiros de ponto no dia seguinte. O problema era que a moça
não abria o flanco, preocupada que estava com os cartões postais da
cidade. Extravagante. Certamente uma excêntrica. E com gosto
duvidoso. Talvez gostos perigosos, gritou ameaçador o lado direito
diante dos argumentos afrodisíacos do antagonista que insistia:
sigamos em frente e quem sabe, no final, num passe de mágica,
sejamos convidados para tomar um café no apê. Café vai, café
vem... Convém deixarmos uma coisa esclarecida: molecagens, nem
pensar. Nada de safadezas, pirações... Longe qualquer novidade, que gostava mesmo era do
tradicional e pronto. Bastava aquele enredo, permitir-se levar pelos
caprichos turísticos de uma desconhecida que em todos os lugares que
parava, comportava-se como uma criança deslumbrada: rodopiava, ria,
impressionada com a paisagem como se fora a primeira vez que a vira,
embora lamentasse não poder tocar nas coisas.
Próximo
da aurora, a moça pediu para regressar. O encanto inicial já
houvera sido desfeito diante daquele desfile de esquisitices. Só
restava ao taxista entregar-se à sua persona profissional e pensar
no valor da corrida. “Deixe-me no meu ponto de partida”.
Estacionou o carro. Ela agradeceu e saiu. Ao tentar lembrar-lhe do
pagamento, foi interrompido: “Não trouxe dinheiro comigo. Fique
com o meu endereço. Passe lá mais tarde”. Entre irritado,
intrigado e com um tosco fio de esperança, Almeida aceitou,
despediu-se e foi embora. O cansaço e o sono, tinha-lhe também
retirado por completo o ímpeto.
Dormiu
até às dez pras três. Mais ou menos cinco da tarde, perfumado,
tocou a campainha de um sobrado no bairro dos Pinheiros. Uma idosa
atendeu. Ouviu com lágrimas nos olhos uma implausível narrativa.
Gentilmente, pediu que entrasse e sentasse enquanto buscava algo para
que visse. Dirigiu-se até um console na sala e de cima dele pegou
um porta retrato. “Era esta moça?” A mesma. “Minha filha
morreu a cinco anos atrás, num acidente de carro, quando passeava
pela cidade, como fazia todo ano, na data do seu aniversário”. Os
olhos de Almeida não saíram em disparada pela rua graças a armação
pesada dos seus óculos.
E o coração de Almeida pela boca!
ResponderExcluirE viva a alteração do coração! =)
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