sábado, 8 de junho de 2013

Algumas Palavras



Desert Island, Jacek Yerka, 1999



Chovem espertos quando há carência de sábios”.


Nietzsche que me desculpe mas os fortes são um saco, os poderosos um asco e eu vivo inchado de maus modos.

Minha mãe quer que eu coma todo o prato. Minha mulher, que eu não esqueça as datas. Meus filhos, que eu sempre diga sim. Meu chefe, que eu cumpra as metas. Só ainda não descobri o que que eu quero de mim.

Porque ninguém exalta a presa que escapa, a curva depois da reta, o passo além da pressa? (Devo acreditar em boa intenção quando for totalmente sem querer).

Alguns escrevem pra tanto e tantos pra nenhum que se um dia eu tiver um leitor, morrerei satisfeito. Eu, que já procurei a crítica especializada e recebi de ofício o conselho pra virar arrimo de família, decidi sair por aí pra nunca mais caminhar.

Sim, senhores, posso passar por muitos. E não reparem se amanhã eu não sonho. É que vivo de algumas horas. Tudo pra mim é último. Pouco é subir com os pássaros, astronautas e aviões. Quando eu morrer, coloquem no meu peito esta placa: bem vindo vermes, saciem-se em vossa obra.

Quatro fontes de prazer genuíno: Comer, dormir, banhar-se e fazer sexo. Tudo o mais é passatempo.

Se me perguntassem hoje o que penso desta vida, diria que não lamento. Apenas gostaria que tudo tivesse sido diferente. A começar pelo meu nascimento: não nasceria no dia em que nasci. Teria pensado a respeito. Talvez nem nascesse, nem seria concebido. Daria um jeito para que meu pai e minha mãe jamais se conhecessem. Além disto, o Brasil não seria descoberto; Galileu jamais observaria as fases da lua; Os romanos não dominariam o mundo; E nenhum troglodita descobriria o fogo ou inventaria a roda. Aliás, no meu livro não haveria Big Bang. Jamais este universo surgiria do nada ou por obra e graça de uma mão divina qualquer. No meu livro, deixaria as primeiras páginas em branco e lá pela centésima noma rabiscaria um bocejo e largaria pra lá, porque chegaria à conclusão de que escrever cansa e só a poesia salva.

Alimento cá uma ideia de cavar um poço, alcançar a Praça da Paz Celestial e ser recebido pelo Imperador. Fazer quem nem Calvino que inventou Marco Polo diante de Kublai Khan... Ah, como eu queria chorar por conceber maravilhas de jamais se conhecer... O mundo todo me pertence e por me pertencer me escapa. Difícil reconhecer.

Termino assim: mais vale duas andorinhas voando que uma em qualquer mão, afinal serei um dia apenas estas palavras escassas. E se você passear por mim terá a chance de não me encontrar. Pois estarei de mãos dadas com a mulher que me ama passeando pelas terras do meu pai em um livro cuja escrita encontra-se encoberta pelas areias de uma praia na ilha que esqueceste.


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