Desert Island, Jacek Yerka, 1999
“Chovem espertos quando há carência de sábios”.
Nietzsche
que me desculpe mas os fortes são um saco, os poderosos um asco e eu
vivo inchado de maus modos.
Minha mãe
quer que eu coma todo o prato. Minha mulher, que eu não esqueça as
datas. Meus filhos, que eu sempre diga sim. Meu chefe, que eu cumpra
as metas. Só ainda não descobri o que que eu quero de mim.
Porque
ninguém exalta a presa que escapa, a curva depois da reta, o passo
além da pressa? (Devo acreditar em boa intenção quando for
totalmente sem querer).
Alguns
escrevem pra tanto e tantos pra nenhum que se um dia eu tiver um
leitor, morrerei satisfeito. Eu, que
já procurei a crítica especializada e recebi de ofício o conselho
pra virar arrimo de família, decidi sair por aí pra nunca mais
caminhar.
Sim,
senhores, posso passar por muitos. E não reparem se amanhã eu não
sonho. É que vivo de algumas horas. Tudo pra mim é último. Pouco é
subir com os pássaros, astronautas e aviões. Quando eu morrer,
coloquem no meu peito esta placa: bem vindo vermes, saciem-se em vossa
obra.
Quatro fontes de prazer
genuíno: Comer, dormir, banhar-se e fazer sexo. Tudo o mais é
passatempo.
Se me
perguntassem hoje o que penso desta vida, diria que não lamento.
Apenas gostaria que tudo tivesse sido diferente. A começar pelo meu
nascimento: não nasceria no dia em que nasci. Teria pensado a
respeito. Talvez nem nascesse, nem seria concebido. Daria um jeito
para que meu pai e minha mãe jamais se conhecessem. Além disto, o
Brasil não seria descoberto; Galileu jamais observaria as fases da
lua; Os romanos não dominariam o mundo; E nenhum troglodita
descobriria o fogo ou inventaria a roda. Aliás, no meu livro não
haveria Big Bang. Jamais este universo surgiria do nada ou por obra e
graça de uma mão divina qualquer. No meu livro, deixaria as
primeiras páginas em branco e lá pela centésima noma rabiscaria um
bocejo e largaria pra lá, porque chegaria à conclusão de que
escrever cansa e só a poesia salva.
Alimento
cá uma ideia de cavar um poço, alcançar a Praça da Paz Celestial
e ser recebido pelo Imperador. Fazer quem nem Calvino que inventou
Marco Polo diante de Kublai Khan... Ah, como eu queria chorar por
conceber maravilhas de jamais se conhecer... O mundo todo me pertence
e por me pertencer me escapa. Difícil reconhecer.
Termino
assim: mais vale duas andorinhas voando que uma em qualquer mão,
afinal serei um dia apenas estas palavras escassas. E se você
passear por mim terá a chance de não me encontrar. Pois estarei de
mãos dadas com a mulher que me ama passeando pelas terras do meu pai
em um livro cuja escrita encontra-se encoberta pelas areias de uma
praia na ilha que esqueceste.
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