sábado, 1 de junho de 2013

Lendas Urbanas - 5. O Ritual


Fotograma de Os Três, filme de Nando Olival, 2011.


Quando o empresário me procurou, eu já havia pulado fora do rumoroso caso dos dados bancários de badalado congressista, acusado de prevaricação. Fui abandonado no meio da cruzada por quase todos meus amigos mas continuei na esperança de que daquele mato saísse algum coelho. Que nada! Não consegui provar meu ponto de vista e ainda tive que desembolsar, por sentença, dois patrimônios e meio de tudo que nunca tive. Jogado sobre um arremedo de sofá, com uma ressaca de matar o guarda, fui surpreendido, no meu escritório, nos fundos do salão de beleza da Odete, nos arredores de Brasília, por aqueles cem quilos de pura arrogância ordenando que eu investigasse o passado drogado da namoradinha do seu filho. A principio relutei em aceitar o trabalho mas o dinheiro era gordo e eu estava naquela fase em que vendia o almoço para comprar o jantar. No final da semana seguinte fui apresentar um relatório e para meu espanto fui despedido. Devia esquecer tudo. Claro que recebi meus honorários mas saí com a impressão de que tinha feito papel de otário. Abri o coração à minha senhoria. Dete me aconselhou conversar com um jornalista conhecido – o Correio da Alvorada certamente compraria a história. Para quem vive na incerteza, garantir o aluguel é prioridade absoluta. Claro que o interesse era todo dela mas podia dar certo e não custava nada ver se a coisa gerava audiência. Não tinha assinado nada, não estava preso por nenhuma clausula de confidencialidade, portanto iria aproveitar. E foi assim que no domingo seguinte, a história ocupou duas páginas do matutino e ainda rendeu duas reportagens televisivas. Mas o resultado não deu pro gasto. Fui desacreditado na mídia por força do poder do meu antigo empregador. Passo agora por mentiroso, ficcionista fracassado que só pensa em dinheiro. Mas para que vocês possam julgar por si mesmos decidi publicar breve relato em blog amigo, a pedidos. Que a nossa classe média é um horror ninguém duvida. Cortejar forças ocultas para garantir privilégios sempre fez parte do seu sonho de consumo. Confira trechos da reportagem assinada por Davi Cardoso, leia o laudo do IC, autenticado pelo perito Godofredo Colina e forme seu próprio juízo antes que algum especialista o faça por você.

(…) “Por volta das três horas da tarde do dia 18 de Junho de 2005, uma garota foi encontrada nua vagando pela DF 001 ao lado do Parque Nacional. Pouca informação pode fornecer à polícia devido ao avançado estado de confusão mental. Tinha o corpo coberto por marcas de sevícia. No dia seguinte, às margens da Barragem Santa Maria, os corpos de dois jovens foram encontrados por um guarda-florestal que não quis se identificar. Quando os investigadores chegaram ao local encontraram a cabeça de um deles estraçalhada a golpes de objeto penetrante e, vinte metros dali o corpo do segundo com os órgãos genitais dilacerados. Para o detetive encarregado, o caso estava encerrado: o trio desaparecido desde março fora finalmente encontrado. A moça foi encaminhada a uma ala psiquiátrica e os cadáveres entregues às famílias para os procedimentos funerários”.

(…) No mês de abril de 2008, na manhã do dia quatorze, quando estava se despedindo do plantão, o delegado 1ª Classe Lázaro Pocomanto, da 21ª DP, recebeu das mãos de um motobói um embrulho contendo uma câmera digital bastante danificada. Levada à perícia do Instituto de Criminalística da Unicamp, revelou pertencer a um dos infelizes da tragédia do Torto, como ficou conhecido o caso. O vídeo é precário mas as imagens são contundentes. Veiculado no YouTube, atingiu num só dia a surpreendente marca de 10 milhões de acessos. Foi retirado do ar, por ordem judicial. Contudo não evitou que alguém gravasse num servidor independente as cenas ilustrativas da desgraça que pesa sobre os ombros de um magnata da construção civil, do chefe de gabinete de um importante ministério e dum coronel aviador aposentado da FAB. A polícia nega a autenticidade da prova e ameaça processar qualquer um que apareça com qualquer relato sobre o caso”.
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Instituto de Criminalística – Unicamp – São Paulo - Laudo Final – Vídeo Câmera HP 275 Plus

Primeiro Quadro – Três jovens, na faixa dos 20 anos, dentro de um carro, impacientes com a hora. A moça fala ao celular e logo depois diz que o seu velho está enchendo o saco com aquela história de casamento. O rapaz no banco do carona fala que o país irá passar por uma mudança radical e que eles serão os arautos duma nova religião.

Segundo Quadro – O trio caminha por um trecho de mata serrada. O jovem identificado como Eduardo diz que o amigo Castro encontrou o local e que ele, Castro, é um tirano, que acha que sabe tudo. Eduardo deseja que fique claro que tudo que o Castro sabe foi ele, Eduardo, quem ensinou.

Terceiro Quadro – Eduardo: “A noite está perfeita, quente. Temos uma linda lua nova. Cenário ideal para reviver o grande Horthembrak. Por favor, não tentem fazer isso em casa. É perigoso”.

Quarto Quadro – Eduardo: “Vamos desenhar uma imensa letra “c” no chão com este pó de carvão. A abertura deve ficar em oposição a Belém. Glória, localize os pontos cardeais e acenda uma vela em cada ponto. Castro, antes de você entrar na letra, deve contorná-la dezoito vezes no sentido anti-horário. Estando lá dentro você deve queimar a página da bíblia com o Gênesis 1-6, entendeu? Agora, volte os pés na direção sudoeste, ajoelhe-se e encoste a testa no chão. Clame. Glória e eu, protegido no círculo de sal, repetiremos a invocação. (…) firmamentum in medio aquarum et separet aquas ab aquis quae superius sicut inferius et quae inferius sicut quae superius ad perpetranda miracula rei unius... (Observação do perito da Unicamp: 'cortei a parte restante para evitar que crentes fanáticos detonem este laudo').

Quinto Quadro – Castro: (Possuído) “Vocês são infantis. Acreditam mesmo que uma moça estuprada vai nos atormentar após a morte? Se viva, mal pode defender-se, por que teria forças depois de morta? Hoje plantarei minha semente. Pro nosso sucesso devemos sacrificar a vadia (Agarra Glória)”.

Sexto Quadro – Eduardo: “O que fiz é monstruoso mas necessário. Foi para o bem de todos. Horthembrak agrediu muito a Glória, eu também bati nela. Depois bati nele também. Nos batemos muito. Acertei ele com um cano, foi a única maneira de parar tudo aquilo”.

Sétimo Quadro – Eduardo (visivelmente cansado, parece que correu léguas): “Não amanhece, estou com medo. Que foi isto? Sinto como se houvesse uma multidão atrás de mim. E esta sensação que não passa! Minha boca e meu anus parecem habitados por vermes. (Grita) Não tenho medo dos seus olhos vermelhos nem de seus membros enormes, espírito asqueroso". 
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Em tempo: No começo do ano, li na coluna do Adroaldo que Glória finalmente voltou ao convívio da família, após uma longa temporada no Hospital Naval. Ao que tudo indica sua gravidez segue sem qualquer anormalidade.


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