Fotograma de Os Três, filme de Nando Olival, 2011.
Quando o
empresário me procurou, eu já havia pulado fora do rumoroso caso
dos dados bancários de badalado congressista, acusado de
prevaricação. Fui abandonado no meio da cruzada por quase todos
meus amigos mas continuei na esperança de que daquele mato saísse
algum coelho. Que nada! Não consegui provar meu ponto de vista e
ainda tive que desembolsar, por sentença, dois patrimônios e meio
de tudo que nunca tive. Jogado sobre um arremedo de sofá, com uma
ressaca de matar o guarda, fui surpreendido, no meu escritório, nos
fundos do salão de beleza da Odete, nos arredores de Brasília, por
aqueles cem quilos de pura arrogância ordenando que eu investigasse
o passado drogado da namoradinha do seu filho. A principio relutei em
aceitar o trabalho mas o dinheiro era gordo e eu estava naquela fase
em que vendia o almoço para comprar o jantar. No final da semana
seguinte fui apresentar um relatório e para meu espanto fui
despedido. Devia esquecer tudo. Claro que recebi meus honorários mas
saí com a impressão de que tinha feito papel de otário. Abri o
coração à minha senhoria. Dete me aconselhou conversar com
um jornalista conhecido – o Correio da Alvorada certamente
compraria a história. Para quem vive na incerteza, garantir o
aluguel é prioridade absoluta. Claro que o interesse era todo dela
mas podia dar certo e não custava nada ver se a coisa gerava
audiência. Não tinha assinado nada, não estava preso por nenhuma
clausula de confidencialidade, portanto iria aproveitar. E foi assim
que no domingo seguinte, a história ocupou duas páginas do matutino
e ainda rendeu duas reportagens televisivas. Mas o resultado não deu
pro gasto. Fui desacreditado na mídia por força do poder do meu
antigo empregador. Passo agora por mentiroso, ficcionista fracassado
que só pensa em dinheiro. Mas para que vocês possam julgar por si
mesmos decidi publicar breve relato em blog amigo, a pedidos. Que a
nossa classe média é um horror ninguém duvida. Cortejar forças
ocultas para garantir privilégios sempre fez parte do seu sonho de
consumo. Confira trechos da reportagem assinada por Davi Cardoso,
leia o laudo do IC, autenticado pelo perito Godofredo Colina e forme
seu próprio juízo antes que algum especialista o faça por você.
(…)
“Por volta das três horas da tarde do dia 18 de Junho de 2005, uma
garota foi encontrada nua vagando pela DF 001 ao lado do Parque
Nacional. Pouca informação pode fornecer à polícia devido ao
avançado estado de confusão mental. Tinha o corpo coberto por
marcas de sevícia. No dia seguinte, às margens da Barragem Santa
Maria, os corpos de dois jovens foram encontrados por um
guarda-florestal que não quis se identificar. Quando os
investigadores chegaram ao local encontraram a cabeça de um deles
estraçalhada a golpes de objeto penetrante e, vinte metros dali o
corpo do segundo com os órgãos genitais dilacerados. Para o
detetive encarregado, o caso estava encerrado: o trio desaparecido
desde março fora finalmente encontrado. A moça foi encaminhada a
uma ala psiquiátrica e os cadáveres entregues às famílias para
os procedimentos funerários”.
(…) No
mês de abril de 2008, na manhã do dia quatorze, quando estava se
despedindo do plantão, o delegado 1ª Classe Lázaro Pocomanto, da
21ª DP, recebeu das mãos de um motobói um embrulho contendo uma
câmera digital bastante danificada. Levada à perícia do Instituto
de Criminalística da Unicamp, revelou pertencer a um dos infelizes
da tragédia do Torto, como ficou conhecido o caso. O vídeo é
precário mas as imagens são contundentes. Veiculado no YouTube,
atingiu num só dia a surpreendente marca de 10 milhões de acessos.
Foi retirado do ar, por ordem judicial. Contudo não evitou que
alguém gravasse num servidor independente as cenas ilustrativas da
desgraça que pesa sobre os ombros de um magnata da construção
civil, do chefe de gabinete de um importante ministério e dum
coronel aviador aposentado da FAB. A polícia nega a autenticidade da
prova e ameaça processar qualquer um que apareça com qualquer
relato sobre o caso”.
...
Instituto
de Criminalística – Unicamp – São Paulo - Laudo Final – Vídeo
Câmera HP 275 Plus
Primeiro
Quadro – Três jovens, na faixa dos 20 anos, dentro de um
carro, impacientes com a hora. A moça fala ao celular e logo depois
diz que o seu velho está enchendo o saco com aquela história de
casamento. O rapaz no banco do carona fala que o país irá passar
por uma mudança radical e que eles serão os arautos duma nova
religião.
Segundo
Quadro – O trio caminha por um trecho de mata serrada. O jovem
identificado como Eduardo diz que o amigo Castro encontrou o local e
que ele, Castro, é um tirano, que acha que sabe tudo. Eduardo deseja
que fique claro que tudo que o Castro sabe foi ele, Eduardo, quem
ensinou.
Terceiro
Quadro – Eduardo: “A noite está perfeita, quente. Temos uma
linda lua nova. Cenário ideal para reviver o grande Horthembrak.
Por favor, não tentem fazer isso em casa. É perigoso”.
Quarto
Quadro – Eduardo: “Vamos desenhar uma imensa letra “c” no
chão com este pó de carvão. A abertura deve ficar em oposição a
Belém. Glória, localize os pontos cardeais e acenda uma vela em
cada ponto. Castro, antes de você entrar na letra, deve contorná-la
dezoito vezes no sentido anti-horário. Estando lá dentro você deve
queimar a página da bíblia com o Gênesis 1-6, entendeu? Agora,
volte os pés na direção sudoeste, ajoelhe-se e encoste a testa no
chão. Clame. Glória e eu, protegido no círculo de sal, repetiremos
a invocação. (…) firmamentum in medio aquarum et separet aquas
ab aquis quae superius sicut inferius et quae inferius sicut quae
superius ad perpetranda miracula rei unius... (Observação do
perito da Unicamp: 'cortei a parte restante para evitar que crentes
fanáticos detonem este laudo').
Quinto
Quadro – Castro: (Possuído) “Vocês são infantis. Acreditam
mesmo que uma moça estuprada vai nos atormentar após a morte? Se
viva, mal pode defender-se, por que teria forças depois de morta?
Hoje plantarei minha semente. Pro nosso sucesso devemos sacrificar a
vadia (Agarra Glória)”.
Sexto Quadro – Eduardo: “O que fiz é monstruoso mas
necessário. Foi para o bem de todos. Horthembrak agrediu muito a
Glória, eu também bati nela. Depois bati nele também. Nos batemos
muito. Acertei ele com um cano, foi a única maneira de parar tudo
aquilo”.
Sétimo
Quadro – Eduardo
(visivelmente cansado, parece que correu léguas): “Não
amanhece, estou com medo. Que foi isto? Sinto como se houvesse uma
multidão atrás de mim. E esta sensação que não passa! Minha boca e meu anus parecem habitados por vermes. (Grita) Não tenho medo dos seus olhos
vermelhos nem de seus membros enormes, espírito asqueroso".
...
Em tempo:
No começo do ano, li na coluna do Adroaldo que Glória finalmente
voltou ao convívio da família, após uma longa temporada no
Hospital Naval. Ao que tudo indica sua gravidez segue sem qualquer
anormalidade.
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