sábado, 8 de outubro de 2011

Malassombro


Retirantes, Portinari, 1944


Seca braba, dos seiscentos,
Mundo velho esturricado.
Rasga mortalha roucou.

O jegue, mal segurado nos ossos
Dobrados, tropeça ermo nas canelas
E de boca vai ao chão, lascado - Crend'eus Pai!

De dia, calorão
- Ô fome.
De noite, litania
- Sai visagem.

Olhos turvos e gretados
No terreiro, assuntam um redemunho:
- Vôte, crend'eus pai treis veiz!

Dos dedos gastos dos meninos
Tomba mais uma porta:
- Tomém, num tinha serventia.

No oco da sala, duas trouxas esperam
Arriadas nos cambitos das meninas
- Tadinhas das mi'as fia, dá dó.

- Dessa vida levo nada, é pó:
Osmarina, Geralda, Dasdô
Celestino, Casimiro e Nicanô

- Vamo, Belé, vamo estradá.
Dois passos cada um deu, a custo:
Tiveram que estancar, no susto.

Medonha, uma voz vem de trás, agônica:
A cintilar coriscos nas órbitas absortas.
A pau a pique geme sob impacto da mágica.

- Vô ficá aqui suzinha, a mercê desta agonia?
No batente que em antes tinha porta
A miséria, tesa, fina e fria, suplicava companhia.


2 comentários:

  1. Belo,lírico, duro, com cheiro de gente e de terra. Gostei que só!

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  2. Parece que estou sentada com meus primos arredor do Pai Correia ouvindo está mesma historia de aginia, vontade sobreviver a ao mesmo tempo de que se acabe logo num piscar de olhos, ficar não adiantava, ir talvez melhorasse, era a esperança de quem ia e a dor do abandono de quem ficava para traz sem saber até quando resistiria.
    Forte tudo e verdadeiro em tempos passados, conto contado com alma de quem viveu por tudo aquilo ou teve um narrador muito bom e absorveu tudo com muita atenção.
    Íris Pereira.

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