segunda-feira, 1 de março de 2010

Paulo Renault

Conheci Paulo Renault, nos anos 80. Zanzávamos pelos labirintos da cultura alagoana e, logo tornei-me um dos seus muitos amigos. Sabia da música popular brasileira como poucos, tocava um violão celerado acompanhado por aquele vozeirão de quem tinha certeza dos sentimentos que esmiuçava em versos, canções e discursos que funcionavam como verdadeiras alavancas a nos alçar além das mesmices cotidianas. Se fosse caricaturá-lo, o faria próximo do tipo Hagar, o Terrível. Corajoso, forte, irônico, sagaz, com seu cutelo sempre preparado para derrubar muralhas mas, acima de tudo, um cara família. Amava verdadeiramente a mulher que o escolheu e idolatrava os dois filhos como um pai zeloso que era. Foi para mim um herói, eu o admirava como a um irmão mais velho (embora fosse mais novo que eu). Arguto e sensato sabia domar as paixões sem ser um careta, ao mesmo tempo em que não nos permitia acomodações, sempre resoluto a buscar formas e maneiras que nos permitisse ser diferentes sem deixarmos de ser iguais. Tinha lá suas esquisitices como qualquer mortal, mas nele tudo soava singular. Viajamos juntos por praticamente todo o Estado das Alagoas com a idéia fixa de, juntamente com o Juarez Gomes de Barros, criarmos um Museu da Cana. Paulo Renault era assim, grande - nem sempre exequível - mas apaixonado e apaixonante. No final dos anos 90, produziu o espetáculo Maceió Cidade Aberta e convidou, a mim para declamar alguns dos seus poemas e, ao Chico Elpídio para dar o tom musical da obra. Morreu no começo deste século. Ao beco onde íamos tomar umas e nos fartar com a feijoada da Zefa, deram-lhe seu nome. Em 2004, póstumanente, foi publicado o seu primeiro e único livro de poesias com ilustrações do arquiteto Mario Aloisio e a primorosa edição da Editora Catavento da incansável professora Leda Maria. A revitalização da alma da cidade, tão sonhada por Renault, começa por ali, pela rua que leva o seu nome, com seus velhos trilhos, seus casebres, os velhos armazéns e as mil histórias contadas por este arauto dos “amores encontrados e bem nascidos”. Partilho com vocês um pouco da minha saudade através de um dos seus mais belos poemas, chamado justamente de Cidade Aberta e que dá título ao livro.

"A cidade estava mergulhada no pó e estilhaçada.
A cidade coube em minhas mãos,
Tomei-a e soprei-a, tirei a fuligem que a cobria.
Depois, juntei os pedaços e emendei-a.

A cidade esteve em minhas mãos
E agora está em meu corpo,
Porque agora ela está pintada
E eu canto a canção dos amores encontrados e bem nascidos.

E não importa que a cidade tenha
Demorado quase ao ponto de atrasar o poema,
Porque outras cidades do mundo também demoraram a chegar
E outras chegarão ainda mais tarde do que esta pequena e antes perdida.

Não importa quanto tempo levemos para encontrá-la.
O que importa é que a temos e ela coube em minhas mãos
E está no meu corpo, porque agora ela está pintada
E eu canto a canção dos amores encontrados e bem nascidos.

E não a quero chorando em meu ombro porque há desespero,
Longe disso! A quero como amante, como cúmplice,
Companheira de viagem. A quero insurrecta,
Dentro do engenho incrustado no platô da restinga.

Juntos, poderemos cometer os maiores e mais absurdos crimes:
Plantar flores, fazer canções, poemas, dramas, dançar
Ao som de carros e aviões, ou empastelar as ruas com tintas de fumaça,
Pedaços de moeda e palavras de gratidão.

Porque ela coube em minhas mãos
E está em meu corpo
Porque agora está pintada
E eu canto a canção dos amores encantados e bem nascidos".


3 comentários:

  1. Sabe,amigo, poucas pessoas sabem, mas a vida não é para ser "vivida", é para ser "sentida"...ainda que doa! Você é uma delas...

    E vivas às Alagoas que nos deu o grande Graciliano Ramos e Paulo Laurindo-lindo de alma...

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  2. procuro o livro de paulo renault se caso saiba onde encontrar por favor me envie mensagem
    email-marcoshermano@hotmail.com

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  3. Uau, Paulo!
    Não me admira que tenhas uma história junto a esse grande poeta que nos trazes. Um mergulho sem par no significado da existência, depois o retorno e a convivência com o cotidiano. Os versos me tocaram, sobremaneira. Obrigada por nos trazer Paulo Renaut. Os sensíveis deixam os seus rastros feito fachos de luz.

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