sábado, 20 de fevereiro de 2010

A Aposta de Pascal

Muita saliva, neurônios, papel e tinta já foram gastos para afirmar ou negar a existência de Deus.
Adentremos ao reino da metafísica, onde se procura conhecer as coisas em si e dar respostas últimas e definitivas.
Em Crítica à Razão Pura, Kant afirma que todas as afirmações da metafísica não são legítimas porque empregam o entendimento humano fora dos limites definidos pela intuição espaço-temporal e redundam em antinomias, ou seja, geram contradições. Quer dizer, existem tantos argumentos a favor quanto contra, todos com a mesma força lógica. E acrescenta, domínio da metafísica só é possível pensar, jamais conhecer.
Primeira contradição: Quando se especula sobre a totalidade do universo, a razão pode chegar tanto à conclusão de que o universo tem um princípio no tempo e limites no espaço, quanto pode afirmar exatamente o contrário: o universo é infinito no tempo e no espaço.
Segunda contradição: Refere-se à estrutura do universo no espaço: a tese diz que tudo quanto existe no universo é composto de elementos simples e indivisíveis. Que se algo existe e é divisível, a divisão deste algo deveria cessar num dado momento, chegando-se assim à absurda conclusão de que esse algo é uma soma de nadas. O adepto da antítese poderia argumentar que as partículas possuem uma certa dimensão e nesse caso são divisíveis.
Terceira contradição: Sobre a causa primeira do universo, sobre a existência ou não de um ser necessário, dentro ou fora do universo. Kant agrupa três argumentos principais: o ontológico, o cosmológico e o teológico. O primeiro, encontrado em Santo Anselmo e Descartes, afirma que o homem tem idéia da perfeição, que necessariamente deve existir porque se não existisse não seria perfeito. Se o ser humano possui a idéia de perfeição é porque ela existe e se ela não existe como se explica que o ser humano a possua? Kant diz que esta é uma idéia localizada, quer dizer apenas os seres humanos a possuem, portanto ela não possui validade nenhuma, a não ser quando aplicada do ponto de vista humano, localizada. O segundo argumento, o cosmológico, prova a existência de Deus na enumeração das causas dos fenômenos até chegar a causa não causada, que seria Deus. O erro desta argumentação, para Kant, é que não existe motivo algum para que uma série cesse em algum ponto. Finalmente, o argumento teológico diz que se todos os seres cumprem algum fim, possuem alguma finalidade, servem para alguma coisa, logo deve haver um fim último: Deus. Kant diz que se trata apenas de um conceito metodológico, empregado para descrever a realidade, mas do qual não é lícito extrair qualquer conclusão referente a um ser superior, que não existe nenhum motivo para que cesse, neste caso, o princípio da casualidade.
Assim, para o filósofo alemão, a metafísica ultrapassa todas as limitações inerentes ao ato de conhecer fazendo afirmações totalmente ilegítimas.
Mas Kant era um homem do seu tempo. Ao negar todas as conclusões da metafísica, afirma que a razão não é constituída apenas por uma dimensão teórica, que busca conhecer, mas também por uma dimensão prática, que determina o seu objeto mediante a ação. Nesse sentido a razão cria um mundo moral e é nesse domínio que podemos encontrar os fundamentos para a existência de Deus. Se para a ciência a hipótese Deus é absolutamente desnecessária, do ponto de vista moral ela é plenamente justificada. Deus não existe, mas precisamos dele para guiar nossas ações morais. Este é um argumento que coloca os seres humanos na posição de criadores, seres capazes de, para viverem moralmente, terem uma conduta moral, criam um ser supremo, uma idéia perfeita na qual passam a basear suas existências. O argumento categórico de Kant resume-se em “aja de tal modo que a tua conduta possa ser assumida por toda a humanidade”. Nesta máxima estaria resumida toda a moral cristã - passada, presente e futura. O velho filosofo era, apesar do casmurro, um sujeito generoso.
Coisa que não encontramos em outros pensadores. Alguns são tão furibundos nas suas afirmações que dá medo encará-los. Ontem mesmo recebi um e-mail de um remetente identificado como discípulo de cristo. Lá pelas tantas ele afirma em negrito: Os anjos expulsos do céu se disfarçam de pessoas boas e falam para as pessoas fazerem boas obras para terem o direito de estar com Deus depois da morte, tendo o objetivo de anular o direito de estar com Deus pelo sacrifício de Jesus, para a pessoa morrer confiando que ela mesma pode se justificar diante de Deus pelas suas obras e não morrer confiando no perdão dos pecados e justificação pelo sacrifício que Jesus fez por nós. Os demônios sabem que ninguém pode ter o perdão dos pecados por boas obras , por isso se disfarçam em bons e falam em fazer boas obras.
Quer dizer que se eu fizer boas obras não vou pro céu? Boas obras são artimanhas do demo? Chamem o pelotão do choque que eu estou já enviei currículo para o pessoal do narcotráfico.
Outros são descaradamente oportunistas. E aqui vem a justificativa do título. Pascal, eminente matemático, foi tão calculista e maldoso na sua afirmação que causa arrepios em qualquer um com um mínimo de sensibilidade. Blaise Pascal (1623-1662) desenvolveu a Teoria das Probabilidades. Criou a primeira máquina de calcular. Quando tinha apenas 16 anos criou o seu famoso teorema ao determinar se os seis vértices de um hexágono estão situados sobre uma circunferência e os três pares de lados opostos se intersectam, os três pontos de intersecção são colieares. O que quer que isto signifique, e parece significar muito, transformou para sempre o cara num gênio da humanidade. Mas todo gênio tem lá sua cota de tolice. E a de Pascal equipara-se a sua genialidade. O que nos deixa com 50 por cento de possibilidade de considerá-lo ora como um sábio ora como néscio. Ou seja, caímos numa antinomia da razão.
Um dia Pascal teve um visão e converteu-se a uma doutrina chamada jansenismo, que entre outras coisas afirmava que já que o ser humano pecou há de carregar para todo o sempre a marca do pecado. Então tudo que o ser humano fizer será ruim, pois foi corrompido na origem. Só Deus pode ofertar a graça de alguma boa ação praticada pelo ser humano. Portanto, o ser humano peca por conta da sua natureza corrompida mas, apenas com a graça de Deus é capaz de fazer alguma coisa boa. Outra consequência deste argumento é que Cristo não morreu pela humanidade mas apenas por aqueles agraciados por Deus com a possibilidade de realizarem boas ações. Temos aqui a doutrina da Predestinação. Deus dá a graça a quem ele quer, a quem ele não quer... já era!
Bem, mas qual foi a aposta do Pascal? Sigamos o seu cálculo:
- Se você acredita em Deus e nas Escrituras e estiver certo, será beneficiado com a ida ao paraíso.
- Se você acredita em Deus e nas Escrituras e estiver errado, não terá perdido nada.
- Se você não acredita em Deus e nas Escrituras e estiver certo, não terá perdido nada.
- Se você não acredita em Deus e nas Escrituras e estiver errado, você irá para o fogo eterno.
Quer dizer, você tem 50 por cento de chance de se dá mal, e 50 por cento de se dá bem. E nada do que você possa fazer irá te ajudar nessa fração que falta para provocar o desempate desta conta. Nem o sacrifício do Cristo pode te salvar, porque ele veio para salvar apenas aqueles que Deus já tinha determinado anteriormente com a sua graça. Então, como fazemos para obter a graça de Deus? Calvino pega a deixa e diz que só pela prosperidade podemos alcançar a graça de Deus. Quanto mais próspero você for na sua existência terrena mas a graça de Deus se derrama sobre você, porque se você enriquece é porque Deus te deu a graça de ficar rico. Enfim, só os muito, muito, mas muito ricos mesmos podem alcançar a graça de Deus.
Para mim só sobra a esperança que Deus leve em conta que tempo é dinheiro, afinal já vivi bilhões de segundos nesta vida.


Um comentário:

  1. Paulo,
    primeiro obrigado por aparecer lá no blog,e parbéns, você consegue traduzir com clareza e fina ironia complicadas questões filosóficas.
    Virei "cliente"...

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