domingo, 14 de fevereiro de 2010

Terceiro Encontro

Sabe, é assim, terceiro encontro: quer dormir lá em casa hoje? Assim, na lata? Melhor não, direto assim não, tem que ir com calma, como manda o figurino, mas ela não manda nenhum sinal, não sei, não consigo imaginar o que está se passando na cabeça dela, estou indo em frente, ansioso, com uma vontade louca de saber o que ela pensa de tudo isto, se está de fato desejando mais alguma coisa ou isto é só mais um encontro entre duas pessoas que finalmente conseguiram ir além de uma simples troca de olhares por sobre as divisórias que as separam oito horas por dia sem saber muito bem o que esperar uma da outra, mas isto é apenas a coisa mais natural do mundo, coisa que acontece quando pinta aquela atração, sei lá, quando os olhares vão ficando cada vez mais insistentes, mais flagrantes e dissimulados, até que finalmente, naquela hora, meio assim, desavisada, mas estratégicamente planejada, chega a hora do cafezinho, eu e ela ali, sozinhos, diante da máquina de café, mexendo e remexendo o açucar no fundo do copo de plástico, conversa vai, conversa vem, assim meio como não se quer nada, só jogando verde, a conversa indo e vindo, caçando assunto, interesses, vontades, nada de desejos secretos, embora uma ou outra isca vá nesta direção com o próposito futuro de surpreender, fazer alguma coisa que chame a atenção, que marque, que distinga e quando a gente pensa que não, sai, assim meio sem querer aquela frase, que no momento parece frase pronta de ator, com aquele olhar quarenta e dois, mas tudo bem, todo este tempo, ali, um ao lado do outro, separados por um divisória, a tempos querendo dizer aquilo, e quando ela, a frase, consegue sair a gente nem acredita que disse vamos sair juntos qualquer dia, existe uma certa atração, alguma química, sei lá, a tempos venho tentando dizer isto e é nesta hora que a gente se surpreende, quando o inesperado acontece, embora eventualmente possamos estar preparados para certas singularidades, para a perda de validade de todas as leis, tais como a esperada concordância ser exatamente o seu oposto, ou algo ainda muito mais incerto tal como um simples sorriso, um sorriso pendente, um sorriso como resposta, um sorriso que não diz que sim nem que não, que deixa a gente meio sem chão, sem saber onde jogar o copinho plástico e decide, mecanicamente, amassar, fazer uma bolinha e ficar ali, no corredor, diante da máquina de café, brincando, jogando de uma mão para outra aquela bolinha nhec nhec, meio tonto, meio patético, e aí a gente se dá conta que alguma coisa não foi dita, que os olhares estavam emitindo sinais errados, que tudo não passava de um grande equívoco ou que se está sendo precipidado, não, precipitado nada, nunca se é precipidado quando se chega a este ponto, ao ponto dos olhares só faltarem falar e eles falam, não é? Será possível que eu tenha me enganado, não estava tudo claro àqueles olhares, que não faltava mais nada, que só faltava aquela frase, mas que coisa, porque fui dizer a bendita frase?, não era nada disso, não era para ser assim, claro, nada de roteiro, nada de lógica tradicional, as coisas deveriam acontecer de maneira casual, assim como não se quer nada, deixar ao acaso, entrar em sintonia e deixar que o universo conspire a nosso favor, claro, era isso, tinha que ser assim, só podia ser assim, nada de ser direto, nada de demonstrar insegurança, nunca demonstrar insegurança, pelo menos não no começo, não com aquela frase, não naquela fase, onde tudo é mistério, insegurança pode, mas só depois, com a intimidade talvez, mas não agora, não no início, não na hora da saída, juntamente quando ela não me olha, não diz tchau, não diz nada e desce primeiro, conversando animada com duas colegas, e eu pensei, perdi, dançei, fiquei a ver navios, mas não mostrei, não demonstrei nenhum interesse, nenhuma preocupação, fiz de conta que nada tinha acontecido, mas estava chovendo e ela parou e não acompanhou as colegas, e ficou ali, friccionando os braços, debaixo da marquise do prédio, sem sombrinha à mostra, ela estava sem sombrinha, e eu percebi a deixa, era uma deixa ou não? Claro que foi, tanto foi que ao abrir meu imenso guarda-chuva e olhei na sua direção, ela sorriu e eu não hesitei, perguntei quer carona e ela não recusou, aceitou de cara, eu não esperaria que recusasse, estava torcendo a nosso favor, acho que ela também, porque enlaçou o braço no meu e eu senti parte do seu corpo quente junto ao meu, foi um instante e tanto e foi naquela hora que senti que não tinha mais nada a dizer além de perguntar se já tinha visto o último filme do Woddy Allen porque sabia que teríamos com o que nos distrair durante aquela viagem que acabara sendo o nosso primeiro encontro e agora estou aqui, ansioso, de novo incerto se precipito ou não outra resposta lacônica. Quer saber, deixa como está. Talvez eu a convide, lá pelo quarto ou quinto encontro, para passar um fim de semana da praia.


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