sábado, 18 de outubro de 2025

inocência e ignorância

 

A Morte de Sócrates, Jacques-Louis David, 1787



quando era menino temia o homem do saco; hoje temo o comunismo (ambos comem criancinhas).


na infância, o bicho-papão habitava minha imaginação; hoje seu rosto ilustra manchetes de telejornais.


sentia medo do escuro a criança que’u era; hoje temo o brilho das bombas às 5 horas da tarde.


sonhava com fadas e heróis, finais felizes para sempre; hoje na ansia de seguir os pés me rumam para trás.


e encontro mainha, vestido de chita, dedos de cebola - pai, filho, espirito santo...


mainha passou, a polícia chegou; envergonhado, me refugia o desencanto.


a ideia que assombra é a mesma que liberta; a pedra que atiro noutro é a mesma que me acerta. 



sábado, 11 de outubro de 2025

crônica de um tempo perdido

 

Léon Bazille Perrault, O combate das crianças, 1889



3 coisas que não consigo provar:

inexistência de deus

imortalidade da alma

vida após a morte


no entanto, meu vizinho consegue,

com o auxilio da força bruta,

enfiar pela minha goela abaixo

seus argumentos de fé


para evitar

que atinja o limite da cólera

e me machuque ainda mais

digo sim!

existe uma divindade absoluta

em um reino metafísico

acima das nuvens

que me ama


(e?)


se for um bom menino

quando morrer

irei passar a eternidade

a contemplar sua glória


(e?)


porém, se pisar na bola

queimarei para sempre

no fogo de um inferno

exclusivo, amém?


recolheu suas armas

fez sinal que estava de olho em mim

e foi almoçar em família,

ele e seu vaso biônico


mostrei-lhe o dedo

dei-lhe banana

apresentei-lhe meus culhões

e acabei por descobrir

que não existe reencarnação:


o velho Buda, liberto

acaba de sussurrar ao meu ouvido

que se não for aqui

será agora


corri para assistir,

no streaming mais próximo,

ao tiroteio no ok curral


 

sábado, 4 de outubro de 2025

metamorfose

 

Metamorfose, Manuel Rivera, 1959




há uma horda de indecentes

enlouquecidos e raivosos

tão ocos quanto o ódio,

(esse vazio existencial),

a detonar tudo

nessa loja de cristais

que habitamos

 

em outdoors garrafais exclamo:

gente, o inimigo sou eu

ó glória!

sou o abismo que me encara

na faixa de pedestre.


vê? crimes e castigos

coreografados

diante do espelho,

para além do recalque,

exibem Narciso, esse amante

violento a fazer do caos

o espetáculo da temporada


na margem oposta,

falo línguas e

garimpo moedas psicodélicas

deslembrado da senha


conserto: antes

que a borboleta assassina

ávida de escapar,

me assuma, dispo-me

enlouquecido

do imperioso desejo de ser