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sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

a história do bem viver

 

O Mazzini Moribundo, Silvestro Lega, 1873



foi uma vez

pras bandas do oriente

era uma tribo de criadores de cabras

cujo pai de todos adoeceu…


sem esposa que lhe cuidasse

(se esquecera de casar outra vez)

à espera da hora final,

desaparecia sobre o leito


na sombra do meio dia fatal

os descendentes, reunidos em torno dele,

ansiosos para ouvir quem tomaria seu lugar

(cada um a querer pra si a honra

de comandar os destinos do clã)

e herdar uma montanha de bens

passíveis de serem trocados por prazeres


antes do último suspiro, o ancião

lembrou moribundo

que ao comunicar sua condição

a todos os filhos e filhas

recebeu a mesma resposta: se cuide!

mas apenas um devolveu:

posso ajudar em alguma coisa?


chamou pra si a mão daquele filho

a abraçou sobre o peito,

e antes que sumisse para sempre,

deu-lhe o anel da família

sussurrando o segredo

da história do bem viver e cuidar.


 

sábado, 28 de janeiro de 2023

a tragédia de um ninguém

 

I Can See the Whole Room and There's Nobody in It, Roy Richtenstein, 1961


incapaz de derramar uma lágrima

riu da agonia,

da dor,

tripudiou da miséria

e, alheio, sentiu-se ungido:

crente que teria sobrevida

além e acima do caos


ignorante da própria pequenez,

investiu contra tudo e todos

distraído da condição humana:

imperfeita, fraca, frágil… falível


eis que a munição acaba

e as mãos, unhas e dentes das vítimas

inscrevem na História

o patético fim de um arrogante


e esta pena assinala,

diante da eternidade,

a tragédia desse ninguém

condenado a viver atormentado

por seus delírios de grandeza


 

sábado, 27 de março de 2021

difícil humanidade

 

Hand of Fate, Achraf Baznani, séc.XX


não sei do amanhã

quem sabe?… aliás,

tenho medo do dia seguinte.

daí a ideia de escrever

notas urgentes

(súplicas de presença)

antes que a ausência me retire

para sempre

de perto dos meus amigos

e me jogue longe dos meus irmãos…


ah, palavras, preciso mostrar quem sou

além de toda manhã


quanto mais vivo, a cada instante,

o mecanismo de apagamento

não me quer nem morto

quer saber se desejo deletar ou não

a história, minha história...

por isto aplaino a lembrança

afio a memória

teço histórias impossíveis

e acordo todo dia

pronto para trabalhar

minha difícil e dolorida humanidade