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sábado, 7 de junho de 2025

Saída à Direita

 

Charge de Izanio Façanha, publicada na Coluna Esplanada (DF)

Com a colaboração do meu ghostwriter “Garganta Profunda” 

 

Era uma vez um alguém que pregava Lei e Ordem certo de que regras são como sardinhas: ótimas para os outros, mas ele mesmo jamais se sujeitaria ao cheiro.

Ah, os defensores da lei e da moralidade… até a lei chegar neles.

A mesma voz que estrondava “bandido bom é bandido morto” agora embarca, num avião da Patriot Escape Airline, rumo a um autoexílio regado a pix da malta — aqueles que babam por justiça seletiva e amam inventar malabarismos mentais para chamar covardia de heroísmo.

Porque o fascistoide de estimação nunca aceita o jogo quando perde. Se a democracia o condena, a democracia é “um erro”. Se a Justiça o alcança, a Justiça é “esquerdista”. Se a fuga é a única opção, então “Deus quis assim”.

Quando a Justiça — aquela entidade teimosa que insiste em funcionar de vez em quando — condenou “maria ninguém” a dez anos de prisão, ela não hesitou: “por que cumprir a lei quando posso criticá-la em live no interior dum apartamento de luxo emprestado por um bilionário, nos confins da velha Miami de guerra”?

Seus seguidores, é claro, logo encontraram explicações dignas de roteiro de filme B: “Está em exílio político, missão diplomática”.

E lá se vai ela, de mala cheia e princípios vazios, para uma terra de promissão e impunidade — porque patriotismo, no fim das contas, sempre foi só um disfarce para “minha vantagem primeiro”.

Enquanto isso, seus colegas de parlamento continuavam a votar leis “antifuga de criminosos” — uma ironia que, se for tempero, certamente estragará o feijão.

E o gado aplaude: “Coitada, vítima do sistema!” O mesmo sistema que ela jurou combater, até ele começar a funcionar.

A “maria ninguém”, agora “vítima ativista” internacional, posta fotos sorridente no seu “exílio”, enquanto condena “a ditadura da toga que assola o Brasil a soldo do comunismo. O detalhe? Seu visto era de investidora — porque nada combina mais com patriotismo do que converter dinheiro público em passaporte dourado.

Moral da história: Se a Justiça bater à sua porta, tenha um aeroporto de reserva. E, se possível, chame isso de “resistência”. Funciona.



sábado, 9 de novembro de 2024

sou anjo

 

São Mateus e o Anjo, Caravaggio, 1602


sim creio: sou um

alguns não são

uns mais que outros… e se deus

escreve certo por linhas tortas

todos, no fundo, o são

ou, pelo menos, dormem como tal

a religião o tempo todo nos diz como devemos viver dormir levantar escovar os dentes pentear os cabelos vestir roupa tomar café sair pegar trânsito bater ponto trabalhar almoçar trabalhar mais voltar pegar trânsito chegar em casa moído não falar nunca do que sente do que atormenta do que tá pegando porque o bicho pega sim quando pegar soltar os cachorros em cima da família porque todo mundo repete de olhos fechados que é preciso acreditar em mágica e a gente descrente acredita

nesse negócio de dizer que não somos anjos porque anjo nascemos e vamos morrer anjo mesmo que não cheguemos a nenhum céu porque já tivemos um

e prometem acabar com toda confusão crime piração engôdo mentira humilhação desde que tenhamos fé nas nossas ofertas e

acreditemos no dever combater tais coisas que atazanam o mundo

com tanta fé que penso que a coisa já estaria líquida e certa e a gente teria descoberto Xangri-Lá

que tá lá no sul lugar que nunca conhecerei porque não tenho condições de ser veranista que banca descanso sossego distância das tais coisas que falei

e isto basta pra gerar opinião sobre tudo como se fosse um dever como se viver fosse uma coisa só

e querem porque querem que seja assim mas é o caos assim tal qual uns conhecidos que exigem que a gente viva em ordem unida a bata continência para bandeira de país estrangeiro porque esse é o único jeito de resolver nossos problemas e só restará aquela velha ideia de que somos todos pecadores mas alguns são mais pecadores que outros logo…

sou anjo


 

sábado, 12 de outubro de 2024

Homens da minha vida

 

Escrita, Zhang Ziaogang, 2005


Minha primeira paixão? Pateta (o amigo do Mickey). Em seguida encontrei Cavaleiro Negro, Zorro, Jerry Lewis, Elvis Presley… Cinema e quadrinhos, quadrinhos e cinema… amor à primeira olhada num tempo de descoberta da palavra escrita e da projeção anímica.

Um dia li um livro do Monteiro Lobato (não lembro o título), e uma passagem me chamou atenção: um aparelho nos fazia viajar à pré história da humanidade. Explodiu minha cabeça… Mal sabia que, adiante, conheceria a televisão: profético!

Nos anos 60, época do ginásio, tive um professor de português que me mostrou o porquê participar de protestos e passeatas… entendi o afeto que nutri por ele quando mais tarde encontrei Robin Williams na Sociedade dos Poetas Mortos.

Clint Eastwood tornou-se o durão mais amável quando me apresentou Os Imperdoáveis. Também me cativaram, pelo charmoso modelo de masculinidade, Marcello Mastroianni, Marlon Brando, Al Pacino, Robert De Niro… Todos melhores amigos de qualquer adolescente que deseja ser amado por todas as mulheres do mundo.

Não me peçam explicações, mas nunca gostei do Superman, Batman ou qualquer outro super-herói. É que sempre acreditei mais no possível que no improvável. Talvez por isto, a figura religiosa de Deus nunca tenha sido objeto das minhas preocupações, embora tenha, na infância, servido à Igreja na posição de coroinha (logo repugnado pela aspereza da barba do sacristão e os charutos fedorentos do senhor bispo), mas descobri que os autoproclamados representantes da divindade, jamais correspondem àquilo que colocam na boca do seu deus, mas como são os únicos que falam Dele, acaba que o Todo Poderoso termina com a moral mais suja que pau de galinheiro.

Mas amei muitos semideuses, principalmente quando me foram apresentados pelo carinho do professor Junito Brandão em suas histórias assombrosamente vibrantes de seres inaugurais e mitológicos.

O professor Joseph Campbell me desvendou As Máscaras de Deus e com ele percebi a mecânica que movimenta esta criação ardilosamente humana.

Isaac Asimov me fez entender, com A Última Pergunta, que amar é sobretudo conhecer.

Borges e suas Ficções foi amor da primeira linha à última linha; As Cidades Invisíveis fizeram tanto carinho na minha alma que ainda hoje penso em sair de porta em porta a perguntar podem dedicar um instante para ouvir a palavra do Ítalo Calvino.

Reservo um cantinho secreto do meu ser para o Pessoa, quase um heterônimo de mim mesmo.

Graciliano Ramos foi outro que, com suas Vidas Secas, São Bernardo, Histórias de Alexandre e A Terra dos Meninos Pelados, não me deixou alternativa senão amá-lo.

Em meio a tantos implacáveis fuderosos fodásticos narradores da fantástica vida real – Shakespeare, Amado, Garcia Marques… é em Machado de Assis que me encontro, certo de estar, na companhia de alguém que sente e conhece a verdadeira, bela e contraditória experiência humana. 



sábado, 11 de maio de 2024

num mundo de poetas

 

Ilustração para o Dia do Poeta, 
Revista LPM (Lugares, Pessoas e Mundo), 
22 de outubro de 2018 


(poema trabalhado pelo ChatGPT a partir da Pequena Crônica, publicada em 28/10/23, revista e finalizada pelo autor)


 

ilumine o tempo com histórias

longe das frases de efeito,

acerte o papo

e acene levemente com a cabeça ao dizer sim

firme onde você está…

tente esse instrumento,

que a melodia te levará longe.

 

a vida gira como um moinho,

você é a semente na terra

em meio a jardins de espinhos existe inspiração

seus segredos são seus,

os dela são dela

guarde-os em sussurros e sombras,

lá onde dormem as confidências.


sozinho indo por aí,

abrace um oceano de passagem

e se deixe navegar 

para onde os poetas te guie


abrace as flores, sinta os espinhos, morra

mas renasça no auge do momento

e se tudo o mais falhar, culpe as teclas

porque é na dança das palavras,

no eco das estrofes,

que encontrarás teu caminho, a tua luta.


cante tuas estórias, viva tua história,

num mundo de poetas,

ao qual todos nós pertencemos,

e jamais culpe a poesia pelos nossos desencontros

pois em cada verso

floresce a vida nova que celebramos.



sábado, 17 de fevereiro de 2024

The End

 

Man in a Chair, Francis Bacon, 1952


Ora bolas, não me amole

O que eu quero? Sossego!”

Tim Maia


Nasci, cresci, me desenvolvi e creio que vou morrer num ambiente altamente tóxico – neurótico de nascença.

Senão vejamos: dos 17 aos 60 anos trabalhei, em média, 9 horas por dia, passava cerca de 2 horas dentro de um transporte coletivo e todo mundo achava normal chegar em casa, morto de cansado, jantar qualquer porcaria ou restos do dia anterior, porque não havia tempo, dinheiro ou disposição pra fazer algo melhor e ter como perspectiva cochilar diante da televisão, garrar num sono desgrenhado e ser chutado da cama pelo despertador para repetir a dose na manhã seguinte, como se não houvesse amanhã, porque a jornada devia ser cumprida chovesse ou fizesse sol.

Hoje, aposentado, mal consigo dar dois passos sem que me doam todas as fibras nervosas do meu esculhambado corpo, enxergo que os mesmos que aplaudiam minha diligência em ser um cidadão exemplar, ordeiro e trabalhador dos 17 aos 60, agora vivem a me encher o saco com exortações apocalípticas para que obedeça orientações médicas, nutricionais e faça exercícios regulares porque só assim poderei curtir e aproveitar o melhor da melhor idade e, principalmente, evitar onerar ainda mais o SUS em busca de cuidados médico-hospitalares.

Vocês me digam, caso sejam nativos dalgum planeta fora deste sistema planetário onde as leis físicas me obrigam a não ter qualquer esperança além de ser tragado por um buraco negro ou sofrer as consequências da explosão do nosso sol: é ou não é motivo bastante para que eu procure a primeira igreja evangélica e compre, em suaves prestações, um lugarzinho no céu e aguarde o arrebatamento em pleno carnaval em Salvador?

Conclusão: sem pressa, vou deixar rolar a filosofia do the end: viver cada instante como se fosse último – óbvio que fazendo de um tudo para não atrapalhar o tráfego (tal qual na profecia chicobuarqueana), afinal, sei lá, mesmo sem entender patavina de física, sociologia ou literatura, penso que já sei bem onde sinto cócegas, arrepios de tesão e, fundamentalmente, onde me dói o calo.


 

sábado, 20 de janeiro de 2024

Póstempo

 

Gods of the Modern Wolrd-The Epic of American Civilization, 
José Orozco, 1934


Um amigo pergunta o que penso do ChatGPT. 

Temos um novo oráculo na praça. Mas ainda prefiro o I Ching, é mais poético além de exigir considerável esforço de processamento neural. 

Alguém entra no papo e diz que é preciso saber perguntar, que uma pergunta bem formulada já contém em si a resposta, que é uma ferramenta maravilhosa e coisa e tal… 

Lembro daquele robozinho que busca a mãe no filme do Spielberg. 

Que a inteligência artificial é uma realidade, permite que nos tornemos artistas plásticos, músicos, que façamos projetos arquitetônicos, jogos de guerra… Os escambaus a quatro, além de muito trabalho escolar – o que alivia em muito a pressão sobre o professorado. 

O que sobrará do meu cérebro para ser estudado caso me doe para alguma faculdade de medicina? 

Meu temor é acordar máquina que range… 

Preocupa-me a escolha de qual óleo amaciar minhas juntas e conduítes venosos, diante de uma prateleira cheia de substâncias trans, gorduras altamente saturadas, ácidos graxos e outros inúmeros combustíveis para minhas células plásticas eternamente duráveis.

Não consigo explicar mas do nada inventei uma desculpa dramática e consegui escapulir completamente da conversa e fui jogar point and click na parede lá de casa.


 

 

sábado, 25 de novembro de 2023

Receita Poética


Um Alquimista, Adrian van Ostade, 1661


por Tristan Tzara, poeta dadaísta


Ingredientes:

Um jornal

Tesoura

Uma caixa


Preparo:

Escolha um artigo do tamanho que você deseja dar a seu poema.

Recorte-o.

Recorte em seguida algumas palavras e deposite-as na caixa.

Agite a caixa suavemente.

Tire em seguida um recorte.

Copie numa folha à parte.

Repita o processo até não restar mais nenhum recorte na caixa.

Findo os recortes, ordene-os até que um sentido desperte em ti.


Satisfeito, eis teu poema… 

Passível de infinitas ordenações e sentidos. 

Agora é sentir-se um poeta original e gracioso.

Porém incompreendido pelo público.


 

sábado, 11 de novembro de 2023

O manifesto

 


Dall-E, 10/11/23



Em 3070, um grupo de arqueólogos encontraram, nos Arquivos Gerais do Estado, desprovido de qualquer catalogação, o documento que reproduzo abaixo. Quem o escreveu, a quais objetivos e interesses ele servia, perguntaram-se os cientistas diante de uma montanha de incertezas. Três anos após a descoberta, alguns consideram a possibilidade daquilo ter sido uma brincadeira de algum servidor numa crise de tédio em uma repartição. Outros afirmaram que, se brincadeira, era de muito mau gosto. Mas, dado que toda polêmica se torna obsoleta quando surge um novo fato capaz de galvanizar a opinião geral, o documento acabou esquecido em alguma gaveta, em razão do divórcio de um casal de celebridades da cena artística. E assim passou mais um século, até que num belo dia surge, nas redes sociais, um vídeo com um gaiato lendo, do alto de um púlpito, para uma plateia ruidosamente descontrolada, um texto que, jurava de pés junto, ter sido ditado a ele, numa tarde reflexiva, numa grama verde, debaixo de uma árvore frondosa, de sombra amena e bons frutos, por uma entidade divinal criadora de tudo e de todos. Sabendo que direito autoral é extinto setenta anos após a morte do autor, e que o conteúdo deste documento é tão absurdo que somente poderia ter sido escrito numa época de barbárie e ignorância (condição política impraticável no século XXIII, afinal a consciência humana atingira níveis extraordinários possibilitando a resolução de todos os problemas sociais) impossível levantar-se contra o sujeito acusação de furto, roubo, apropriação indébita ou qualquer ilícito do gênero. Contudo, o documento e o episódio nos alerta que é preciso ser forte, manter as barbas de molho e a pulga sempre atrás da orelha, já que o bom senso nos avisa que loucos e doidos os há até no paraíso. Segue o texto...

 

MANIFESTO PELA MORAL, BONS COSTUMES, COM DEUS ACIMA DE TUDO E DE TODOS

 

Em tempos de verdades, nuas, cruas e bestiais, praticamos uma política descaradamente sem vergonha, sem freios, papas na língua ou controle de qualidade… portanto, para uma sociedade livre de maricas, propomos:

- Dividir o mundo entre o bem e o mal e nos fixarmos acima dos dois com uma boa margem de segurança;

- Inventar diariamente um bode expiatório e colar nele a pior imagem que temos de nós mesmos;

- Atacar alguns pornograficamente, e defender desavergonhadamente outros;

- Demonizar as minorias;

- Nunca brigar diretamente nossas brigas, ter sempre uma tropa de jagunços para dar um fim na questão;

- Culpar sempre a vítima;

- Terceirizar a morte de, pelo menos, um prejudicado por dia;

- Humilhar os sobreviventes, sem trégua e sem remorso, até que desistam de si e passem a acreditar que, longe de nós, não há salvação;

- Disseminar ódio e nojo a tudo que for singular, diferente e/ou divergente;

- Jamais dar satisfação a quem quer que seja, afinal nossa liberdade é sagrada e ninguém paga nossas contas;

- Manter e aprofundar o sistema de classes e a isto chamar de meritocracia;

- Transformar em virtude tudo o que em nós for banal, venal e/ou imoral;

- Ter sempre à mão uma mídia que infantilize e imbecilize o maior número de mentes disponíveis;

- Sempre que formos flagrados em malfeito, apontar imediatamente o malfeito de outro;

- Fazer de um tudo para destruir o estado sem que isto nos impeça, no entanto, de tirar dele o máximo proveito;

- Explorar, mas explorar muito, sem deixar de acusar os explorados de preguiçosos, vagabundos e indolentes;

- Jamais assumir nossa torpeza ou nossos erros de português, porque o segredo do sucesso está em acreditar piamente na própria mentira;

- Jamais viver sozinhos nosso próprio inferno… dar um jeito de compartilhá-lo com o maior número possível de sujeitos.


 


sábado, 18 de fevereiro de 2023

Crônicas Pandêmicas 4

 

Google Imagens, Motim PM Ceará 2020


Cid Gomes estava certo? Na época, disseram que ele iniciara o enfrentamento das milícias e coisa e tal.

O contingente policial militar cearense, de armas em punho, misturados a milicianos (e quem sabe talvez até com facções criminosas), a partir de um comportamento tipicamente fascista, decretam o fechamento da sociedade, ameaçaram cidadãos, roubaram veículos públicos, furaram pneus de viaturas e motos de patrulha… Tudo em nome de suas reivindicações salariais. Não foi uma greve, foi motim. Que mais reivindicava um militar que ganhava, em fevereiro de 2020, no posto de soldado, 3.700 reais mensais?

(Para que possam sentir o drama… um professor cearense ganhava, em início de carreira, 1.587 reais por mês enquanto o trabalhador médio na terra de Alencar e sua musa Iracema, recebia algo em torno de 1.400 reais mensais).

Policiais militares no Brasil jamais ficaram ou ficam do lado certo das coisas. A formação desses caras não permite isto. Afinal, são treinados para acumular o máximo de raiva, insensibilidade, incivilidade e depois soltos na rua, armados até os dentes, para decantar, em qualquer um que se lhes atravesse o caminho, o ódio em que foram doutrinados. Passam por um treinamento de guerra cujo inimigo somos nós, os cidadãos comuns que, teoricamente, juram todo dia proteger. É assim no Ceará, no Rio, no Rio Grande do Sul, em São Paulo…

(Ah, São Paulo, tu que inventaste a fórmula combater o bom combate não que os teus gestores permitem que policiais invadam escolas e surrem alunos como se estivessem numa sala de tortura do famigerado DEOPS, simplesmente porque a lei foi desrespeitada).

Não é do feitio da polícia investigar: polícia simplesmente condena e pune. O Judge Dredd, filme com Silvestre Stallone, inspira mais esses indivíduos que a nossa Carta Magna e todos os tratados de Ética. Eis o mais terrível entulho herdado do nosso passado escravocrata que foi queimado mas permanece mais vivo que nunca, positivo e operante, solto na pirambeira, descendo o cacete, humilhando e matando.

Algum dia teremos uma polícia de verdade, atuando na causa cidadã e não agindo tal qual gangues de jagunços fardados?

O Cid Gomes se enganchou numa retroescavadeira, derrubou o portão de um batalhão e acabou levando dois tiros, mas isto não resultou numa revolução, como disseram muitas vozes na ocasião. De lá pra cá tudo continua como dantes no quartel de abrantes. A tormenta passou, mas não se viu nenhuma palha sendo levantada no sentido de mudar o sistema como se faz segurança pública no Brasil. Cadê os sujeitos arretados para colocar na pauta a extinção das polícias militares?

O grupelho fascista, desafeto mor da cidadania, foi apeado do poder, mas tal qual o neoliberalismo econômico praticado por nossa autoridade monetária atual, as cabeças da Hidra continuam serelepes e os progressistas ainda não aprenderam a queimar as cabeças dessa quimera.


sábado, 26 de março de 2022

A guerra que nos vive

 

War, Marc Chagall, 1915



Partiria. Atenderia ao chamado, decidiu.

Que o esperasse, com uma torta de frango sobre a mesa, pediu e jurou, diante dos olhos tristes da mulher, que retornaria assim que o conflito terminasse.

A ela (enquanto ajudava na arrumação da mochila) ocorreu que o caos não duraria para sempre…

Até riu, e contentou-se, tudo passa, fixou!


Mas o esperado demorou…

E o tempo, implacável, se sucedeu em opressiva inutilidade.

Então, as mãos cansaram, os seios murcharam… os dentes caíram até


Numa desavisada manhã, sem que nenhum estrídulo de sirene arranhasse o ar, a própria esperança se extinguiu e o relógio cessou a vigília.


O que era vivo faleceu e o que tinha perecido insistia em viver.


Enfardado de cicatrizes e remorsos, o maltrapilho homem cruzou o vão da porta morta.

Automática, a vista perscrutou a sala fúnebre e ao sentar-se à mesa defunta sentiu que o abandono era sua única companhia.

E ali, habituado ao vazio conquistado, compreendeu que morrera no instante em que partira.


Lá fora, a guerra zurrava.