sábado, 17 de fevereiro de 2024

The End

 

Man in a Chair, Francis Bacon, 1952


Ora bolas, não me amole

O que eu quero? Sossego!”

Tim Maia


Nasci, cresci, me desenvolvi e creio que vou morrer num ambiente altamente tóxico – neurótico de nascença.

Senão vejamos: dos 17 aos 60 anos trabalhei, em média, 9 horas por dia, passava cerca de 2 horas dentro de um transporte coletivo e todo mundo achava normal chegar em casa, morto de cansado, jantar qualquer porcaria ou restos do dia anterior, porque não havia tempo, dinheiro ou disposição pra fazer algo melhor e ter como perspectiva cochilar diante da televisão, garrar num sono desgrenhado e ser chutado da cama pelo despertador para repetir a dose na manhã seguinte, como se não houvesse amanhã, porque a jornada devia ser cumprida chovesse ou fizesse sol.

Hoje, aposentado, mal consigo dar dois passos sem que me doam todas as fibras nervosas do meu esculhambado corpo, enxergo que os mesmos que aplaudiam minha diligência em ser um cidadão exemplar, ordeiro e trabalhador dos 17 aos 60, agora vivem a me encher o saco com exortações apocalípticas para que obedeça orientações médicas, nutricionais e faça exercícios regulares porque só assim poderei curtir e aproveitar o melhor da melhor idade e, principalmente, evitar onerar ainda mais o SUS em busca de cuidados médico-hospitalares.

Vocês me digam, caso sejam nativos dalgum planeta fora deste sistema planetário onde as leis físicas me obrigam a não ter qualquer esperança além de ser tragado por um buraco negro ou sofrer as consequências da explosão do nosso sol: é ou não é motivo bastante para que eu procure a primeira igreja evangélica e compre, em suaves prestações, um lugarzinho no céu e aguarde o arrebatamento em pleno carnaval em Salvador?

Conclusão: sem pressa, vou deixar rolar a filosofia do the end: viver cada instante como se fosse último – óbvio que fazendo de um tudo para não atrapalhar o tráfego (tal qual na profecia chicobuarqueana), afinal, sei lá, mesmo sem entender patavina de física, sociologia ou literatura, penso que já sei bem onde sinto cócegas, arrepios de tesão e, fundamentalmente, onde me dói o calo.


 

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