sábado, 10 de agosto de 2019

Finalmente, respeito


Fantasia de Soldado Romano, Nicolaes Maes, 1675



Ele avisou e nós ficamos naquela… Estávamos todos acostumados a tratar as coisas na base da galhofa, do deboche. A verdade é que ninguém acreditava mais na palavra de ninguém. A vida continuaria a de sempre, não fosse ele falar a vera e ganhar a eleição.
No primeiro dia de governo, baixou um decreto, terceirizando as forças armadas. No final do ano, com o maciço investimento da indústria de armas (nacional e estrangeira), exército, marinha e aeronáutica – conduzidos com a eficiência da iniciativa privada – apresentaram índices de desenvolvimento surpreendentes.
A medida foi tão eficaz que zerou a taxa de desemprego. Os militares ofereciam agora emprego bem remunerado, em todos os níveis da hierarquia, para quem quisesse trabalho e aventura. Baseados em campanhas publicitárias agressivas, apenas os covardes não foram transformados em fardados. Todo e qualquer cidadão agora tinha a possibilidade de ostentar uma farda elegantíssima e uma reluzente Glock .40 na cintura.
Nunca na história do mundo, viu-se um poderio surgir assim do nada, em tão pouco tempo. O país transformou-se, da noite pro dia, numa potência guerreira. E para testar a capacidade de combate fizemos logo a nossa guerra civil: sul contra o norte. Em meia hora liquidamos a fatura. O sul dividiu a terra em capitanias, colocou grandes empreiteiras no comando e foi curtir a vitória com a sensação de dever cumprido e muito futuro pela frente.
Evidente que vinha mais coisa por aí. Sabíamos que ele tinha em mente algo maior, que não pararia por ali. Sonhava alto e parecia que nada o impediria de colocar a máquina a serviço de um objetivo realmente digno da nossa vocação de país grande.
A maioria do empresariado estava com ele… Os grandes bancos, a grande imprensa, a totalidade do Poder Judiciário, Polícia Federal, Ministério Público… No Congresso foi barbada aprovar a Nova Lei Maior - inteiramente redigida por seu vice, um general a serviço da moral, dos bons costumes e do embranquecimento da raça. Em questão de dias (parece que já a tinha pronta) nos entregou a mais enxuta e severa de todas as nossas Constituições.
Mas e o grande lance? Quando seria dada a ordem? Eram estas as grandes perguntas percorrendo todos os corredores, becos e ruas sem saída. Não foi preciso esperar muito, a ordem veio… Para romper com velhos hábitos, o dia Z chegou.
Invadimos primeiro os vizinhos com forças mais bem armadas e treinadas. Depois, fomos avançando um a um até que, finalmente, todos ruíram. Ninguém conseguiu impedir o banho de sangue e a limpeza étnica que se seguiu para nunca mais haver fronteiras ou oposições. O continente fora unificado e toda a riqueza passou a ter um único dono.
Consolidada a nova potência militar, a história agora seria outra. O mundo finalmente nos respeitaria. Foi aí que a Grande Liga Setentrional nos chamou para conversar...


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