sábado, 17 de março de 2018

quantos você matou hoje, senhor homem de bem?


Google Imagens, tratada por Silvio Nunes



bota as cartas na mesa: - ele não mudará...
… continuará levantando às cinco, levando o filho à escola e chegando sempre quinze minutos adiantados na sua estação de trabalho.
… continuará tomando seu cafezinho, trocando meia duzia de palavras com seus vizinhos de baia... produzirá relatórios, participará de reuniões e ouvirá do chefe severas recomendações para que cumpra as metas senão já sabe, né.
… continuará sentido a pressão, engolindo seco e perguntando-se pra que metas, pra quê, se o que vive é uma eterna emergência… pra que planejar, gastar horas a fio produzindo cálculos, elaborando planilhas, cronograma se se passa todas as jornadas resolvendo pepinos e criando outros.
… mesmo tendo pensamentos fora da curva, não mudará porque continuará almoçando em míseros sete minutos, tempo suficiente para empurrar os bocados goela abaixo sob goles nervosos de refrigerante com 5,1% de suco natural da fruta, ele que acredita em tudo que a propaganda e a mídia diz.
… e sairá depois da hora, hoje, amanhã, sempre e apesar de não ter pela sogra nenhuma estima, sabe que sem ela para pegar a criança na escola a vida seria um inferno, afinal a a patroa age igualzinho a ele… aliás os dois fazem bem estarem casados, tamanha identidade de propósitos e nenhuma vocação para serem felizes.
… e olhará para o tablet com a esperança de algum contentamento em páginas pornôs mas o sexo e a culpa o fará pensar no filho… sabe que mesmo que ligue para a criança pedindo desculpas, no final irá perguntar qual joguinho o filhão quer que o papai leve de noite para casa… sabe que o mino não evitará rancores pelas inúmeras ausências e incapacidade de ser pai.
… porque sente-se culpado por ter vendido a alma por um preço muito além do que realmente vale… ele que não vale o que ganha, não vale, sabe que não vale e o pior é que não consegue dar finalidade ao dinheiro porque simplesmente não tem tempo para pensar no que fazer com todo aquele dinheiro que ganha a mais… então, poupa, poupa para talvez, no futuro comprar… comprar… comprar qualquer coisa… dar um carro do ano para o filho, mandá-lo pra melhor faculdade estrangeira… dar voltas ao mundo… viajar… ir para a puta que o pariu, para a porra de qualquer lugar… chegar pro agente de viagem e dizer: me vê aí uma passagem para paris que eu estou afim de comer um croissant de merda na beirada daquela bosta do rio sena.
… não ele, filho de ninguém que chegou onde chegou graças a luta da mãe ignorante, malamada, desprezada, maltratada, fudida e mal paga, que teve que fazer das tripas coração pra dar-lhe de comer, vesti-lo, aguentar seus calundus, suas manhas, seus desejos idiotas, suas lambanças… fazendo todos os seus gostos e depois se culpando pela merda de vida que não soube viver.
… não mudará porque a realidadezinha que o diabo criou para ele é a cópia cuspida e escarrada do paraíso que sua mãe sonhou… pena que ela não tenha aguentado o tranco e morrido antes de ver o que ele conseguiu… de ver o que ele ainda pode conseguir, mais adiante, se continuar engolindo seco e disfarçando como faz todo santo dia.
… porque sente-se parte de uma maioria… sente-se como um dente de uma engrenagem… sabe que iguais a ele existem milhões e todo dia milhares são fabricados e jogados nesses mundinhos particulares, onde trabalharão, terão filhos, ganharão mais que precisam, não saberão bem o que fazer com a riqueza que possuem, temerão o mundo em volta, gastarão por impulso, acumularão, acumularão e se esvairão num imenso poço de nada, mau hálito e canceres, onde nem a mais ácida das drogas conseguirá livrar a cara do sujeito… pelo contrário, tudo parece aguçar o sentimento de inutilidade, de coisa nenhuma… tudo contribui para potencializar o desejo de sair atirando por aí com uma arma letal, a mais letal que o dinheiro possa comprar… mas, como é um merda, o cocô do cavalo manco do bandido escroto, vai deixando por isso mesmo e dando esporro na empregada, no rapaz do almoxarifado, na moça do supermercado… censurando e punindo o diferente, o gay, a feminista, o gordo, o feio, o miserável que pede esmola no farol, a puta preta e pobre que faz ponto naquela praça onde sonha um dia plantar uma estátua sua comendo a bunda de uma estrela de cinema… como mudar tudo isso?… essa doença… como curar?… como tolerar essa sombra que cobriu a casa, senão pelo prazer de cometer atrocidades com o homem de bem que ele ostenta toda manhã quando ao entrar e sair do escritório?



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