sábado, 6 de maio de 2017

Cariátide

Pórtico do Museu de São Petersburgo
Entrada Histórica



Dois humanos se encontraram diante de uma cerrada névoa. No ponto que estavam não se enxergava um palmo adiante do nariz.
Um deles sugeriu subir nos ombros do outro para ver se conseguiria avistar o horizonte e que depois trocariam de posição. O primeiro concordou e o segundo subiu em suas costas e lá se estabeleceu.
Por vezes, o primeiro tentou saber o que se passava acima da sua cabeça e o segundo respondia que logo desceria; que logo o outro subiria para ver com os próprios olhos o que tinha para ver; que aguardasse mais um pouco; que logo seria a vez dele usufruir das maravilhas que lá em cima se projetava.
E o tempo passou, e a medida que o tempo passava o segundo construiu sob os ombros do primeiro, uma casa, depois uma rua, depois uma cidade, depois um país, depois uma nação e assim foi até construir uma cultura com todos as benesses e mazelas que o engenho pode oferecer; além disso, casou-se, multiplicou-se, legando a seus filhos o nobre encargo de prosseguiram com a edificação da Obra.
E o primeiro sempre a perguntar quando trocariam de posição e sempre recebia como resposta que tivesse paciência; que esperasse um pouco mais; que havia ainda alguns retoques, alguns ajustes, que logo, logo poderia subir e completar aquilo que havia ajudado a criar. Que se orgulhasse disso, a posteridade lhe seria grata.
O primeiro também casou-se, multiplicou-se e os seus filhos não tiveram alternativa senão seguir o pai, colocando seus ombros a serviço da Construção.
Com o tempo, aquilo se tornou normal, virou tradição. Havia os de baixo que sofriam e os de cima que usufruíam e ninguém sabia explicar porque as coisas eram daquele jeito.
Um dia, o primeiro, acabado, gritou basta. Disse que não dava mais, que dali pra frente o segundo procurasse outro para sustentar aquela excrecência.
Lá do alto, o segundo, irritado, bradou: Não podes desistir, humano sem compaixão. Se deixares de sustentar a Obra, todo o nosso esforço terá sido em vão. É isso mesmo que queres, destruir a Civilização?
E o primeiro não aguentando mais, deixou que seus ossos fossem transformados em coluna de sustentação para mais uma área em desenvolvimento.
Moral da história: O interesse é a mãe da justiça. 


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