sábado, 8 de abril de 2017

O Sapo Cururu e a Princesa Magnólia

O Sapo, Tarsila do Amaral, 1928



Presta atenção nessa lenda, vou contar do jeitinho que ouvi. Numa ilha bem distante, pertinho donde mora o sabiá, era uma vez a princesa Magnólia que gostava de jogar futebol. Um dia, na hora de marcar um gol, deu uma bicuda tão forte que a bola caiu num lugar sinistro chamado Lagoa da Perdição. Grita daqui e dali, ninguém quis saber de ajudar. A princesa abriu o maior berreiro, chorou tão alto que tudo mundo correu pra longe protegendo os ouvidos. Ficou apenas o sapo-cururu, que foi quem primeiro me contou essa história.
Começa assim. O sapo, meu amigo, passava pelo charco no instante em que Magnólia começou o chororô e percebeu que era uma boa oportunidade para conseguir o que queria. Chegou até ela e disse que mergulharia nas águas turvas da lagoa e traria de volta, são e salvo, o brinquedo dela. A princesa, enxugando as lágrimas na barra do vestido, gritou que ele fosse logo, que ele era servo e que, portanto, tinha obrigação de ajudá-la. Se não trouxesse a bola o mais rápido possível chamaria os guardas do seu pai pra prendê-lo por desobediência.
Aqui entre nós, todo mundo sabe que o batráquio não tinha obrigação nenhuma de ajudar seu ninguém. A gente ajuda porque tem vontade, porque tem compaixão, porque não aguenta ver outra pessoa sofrer. Mas, foi por aflição que o sapo decidiu ajudar. Um problema grave ocorria. Sua namorada estava vivendo uma situação difícil e ele precisava fazer o que fosse preciso para livrá-la do mal que a afligia. Porém, precisava fazer as coisas direito, livre de erros. Por isso achou melhor não falar o motivo que o trouxera àquelas paragens, falou apenas que recuperaria a bola se a princesa lhe desse uma tigela de ambrosia. Magnólia ficou com uma pulga atrás da orelha. Estaria o sapo dizendo a verdade? Em meio à dúvida, não teve alternativa senão concordar com o pacto: se o sapo trouxesse a bola, teria o quanto de ambrosia pudesse carregar.
Cururu mergulhou na lagoa espessa e ao chegar ao fundo levou um baita susto ao encontrar Boiaçu, a Cobra Grande. A serpente, que tinha engolido a bola de propósito, disse que devolveria em troca de um favor. E contou-lhe uma história. No passado fora uma linda moça que casou com um rapaz bonito e cheiroso que, no começo, parecia bem legal mas logo revelou-se um tremendo “casca grossa indiferente aos seus sentimentos. O sujeito, com o tempo, começou a tratá-la mal. Ameaçava-a sempre com pancadas se não fizesse o que ele queria. Certa vez, tomado de raiva, deu nela com um cabo de vassoura que lhe deixou uma marca feia nas costas. Os pais dela gostavam demais do moço, diziam que ele era muito esforçado, trabalhador e por isso não acreditavam nas queixas da filha. Falavam que ela precisava deixar de ser patricinha; se adaptar à realidade; que casamento era assim mesmo, que com o passar do tempo o amor chega e aí todo mundo é feliz para sempre. Pois é. Mas foi só os velhos baixarem à sepultura para todo mundo descobrir o verdadeiro motivo do carcamano ter se casado com ela: a herança. Tão logo passou o luto, o malvado contratou um feiticeiro que, imediatamente, a transformou naquela serpente rancorosa, desterrando-a para os confins daquela água parada. Desde então, vivia separada da sua filhinha – a doce e terna Magnólia. Se conseguisse fazer com que a filha a abraçasse, todo feitiço seria desfeito e a justiça restaurada.
Com a bola debaixo do braço, o anuro nadou de volta à superfície. Assim que a princesa recebeu o brinquedo, botou sebo nas canelas e picou a mula na direção de casa, largando o sapo a ver navios. E agora? Gia, sua namorada, prisioneira na caverna do implacável Ciclope do Olho Redondo, estava lá a espera que ele arranjasse um bocado de ambrosia para saciar a fome do gigante. Se não aparecesse com o resgate até as duas horas do dia seguinte, adeus amor, adeus família, adeus mundo… Também ele iria para o tacho.
Pula daqui e dali, não passou desapercebido aos guardas do palácio que o levaram à presença do Rei. O monarca tapou o nariz com um lenço de seda, fez cara de poucos amigos e ordenou que o jogasse fora. O sapo pediu licença para falar umas palavras e foi aquele furdunço. Ninguém nunca tinha ouvido um bufo marinus falar. O vizir, um traste muito do puxa-saco, cochichou no ouvido do rei que aquilo era um achado, um talento daqueles significava dinheiro, muito dinheiro no bolso da majestade, que pensasse em apresentações daquele fenômeno em feiras, circos, teatros, televisão, cinema… Sua Majestade ficaria ainda mais rico se soubesse explorar aquela oportunidade. E o rei sorriu e não sentiu mais nojo. Ordenou que preparassem uma festa onde o braquetápulos seria apresentado à Corte. Cururu vendo que tinha acabado de entrar noutra roubada, teve que pensar rápido num jeito pra conseguir pegar a ambrosia e dar o fora dali rapidamente.
Quando os guardas o estavam levando para tomar banho e trocar de roupa, Magnólia atravessou o corredor e não acreditou no que viu. Como é que o sapo tinha conseguido entrar no palácio? Aproximou-se e disse aos guardas que deixassem que ela mesma conduziria o convidado aos aposentos, que ela mesma escolheria a traje que o amigo usaria no baile daquela noite. Deixados a sós, Magnólia quis saber qual era a dele. Ora, respondeu ele, estava apenas tentando resolver um problema cabeludo e se ela tivesse um pouquinho de gratidão o ajudaria nessa hora de angústia. A princesa admirou-se e sentiu vergonha. Arrependida, decidiu que o ajudaria mas com a condição que lhe contasse toda a verdade, qual o motivo dele querer pra si o alimento mais caro do mundo.
Meu amigo resolveu abriu o bico e contou tudo. Que tinha se encontrado com Boiaçu e ficou sabendo dos maus tratos para com a rainha, sua mãe. Apenas ela, e mais ninguém, poderia anular o feitiço. Como aquilo era possível, perguntou Magnólia. Sua mãe havia morrido, o pai lhe dissera. Mentira, gritou o sapo. É só ir até a lagoa que a verdade será revelada. A princesa, que era uma manteiga derretida, correu chorando para o mato. Como ter certeza das coisas? Só havia um jeito: ir fundo na história. Temerosa, meio sem jeito, aproximou da lagoa e sussurrou: Mamãe… E, animada gritou: Estou aqui, mainha! Boiaçu, botou a cabeça fora d’água e sentiu que seu sofrimento tinha acabado. Mãe e filha correram para o abraço e um clarão iluminou as duas: o feitiço estava desfeito.
Agora, era preciso castigar o rei, por sua maldade. Magnólia pediu às amigas formiguinhas que elas trouxessem o monarca até ela. Quando ele chegou e viu mãe e filha juntas, pediu perdão por ter sido tão cruel, alegou que fora enfeitiçado mas, de nada adiantou suas súplicas, foi sentenciado a perder tudo e a perambular pelo mundo ganhando a vida com o suor do seu rosto.
De volta ao palácio, princesa e rainha decidiram presentar o sapo com uma tonelada de ambrosia, o bastante para que ele salvasse a amada. Magnólia quis beijar o amigo pensando que ele se transformaria num príncipe mas, Cururu achou melhor não, aquilo era apenas uma história de trancoso. Onde já se viu bicho virar gente? Mais fácil gente virar bicho, isso sim. 
Finalmente, livre de problemas, meu amigo casou-se com Gia, a Prudente. Tiveram duas lindas meninas, Rhinella e Marina e todos viverão felizes para sempre, se você, que leu ou ouviu o meu conto, passar adiante essa história. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário