sábado, 12 de dezembro de 2015

Biografia III


Batucada, Carybé, 1951


O mais difícil não é um ser bom e proceder honesto,
dificultoso mesmo é um saber definido o que quer
e ter o poder de ir até o rabo da palavra.
Guimarães Rosa 
Grandes Sertões: Veredas



Vivi um tempo bom
Errado muitas vezes, erros credos, erros crassos
Erros de corar o guarda, de envergonhar deputado…
Mas tive o privilégio da presença poética política
Trindade xamânica-orgânica-romântica: Chico, Caetano e Gil
Três bardos em um, três homens amados e uma mesma mulher
Amante irmã unha carne corpo alma destino, nós zilhões, comuns
Que fugimos da cegueira como o diabo da cruz, focados no futuro
Instante que não dá nem dará deus a nós chovedores aprendizes
Mestres da refletida alegria e da tristeza partilhada na saudade
Banda Expressa do lado de cá, abaixo do Equador
Bossa e balanço, arranha-céus iê-iê-iê folhetim e festivais…

Vivi um tempo bom
Serra Maestra, Caribé, Darci Ribeiro e o velho Teotônio
Adeus às armas companheiros e a aposta na transição
Lenta, gradual e segura, nesse particular conversa morena
Cantiga inzoneira a levar-me de volta para casa onde Elomar
O idioma sublime da caatinga me faz chorar abraçado ao meu quinhão
E que nem Mastroianni numa fita do Fellini finalmente
Tudo me será acrescentado: Ariano, Amado, Pessoa, Drummond, Bandeira,
Calvino, Machado, Graciliano, Borges… Na minha Ilhéus desconhecida,
Vitória da Conquista glauberochiana das multiplicidades cozidas
No atávico tempero astuto das princesas que descem a ladeira
E empoderam os olhos dos plebeus que leem Neruda em plena praça…

Vivi um tempo bom
Animado por esse júbilo, pobre que seja, cético assim
Desse jeito improvisado, improvável, impossível
Esse amor que deságua nos verdes mares dos meus olhos
Maravilhados veem Merlim e Morgana entrelaçados partirem
Na direção do depois, Lampião e Bonita naquela estrada
Estrela além do além, Peri e Ceci imortais demais para esquecerem
De tanger toadas de cometas em finais de campeonato disputadíssimas
Na travessia desse longo dia, folego do amanhã, Carnaval quântico,
Últimos tempos poéticos, nós, artistas todos, nascidos e renascidos,
Na utópica Iracema, Rapa-Nui fixada no céu, minha escola,
Pártenon inevitável de Todos os Santos, São Saruê amém…

Vivi um tempo bom
Eis aqui uma doce profecia.



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