sábado, 22 de agosto de 2015

Pedido

The Happy Donor
Rene Magritte, 1966



Manuel, meu lindo Manel, me leva embora pra Pasárgada…

Que quero lembrar das ruas com nomes poéticos
Das bolinhas de gude, dos gibis, dos barquinhos de papel
Do Parque das Borboletas que não tinha borboletas mas tinha macacos
Da fonte luminosa que era um estouro na minha juventude.

Que não quero esquecer do tempo de escola, do primeiro tênis
Das brincadeiras de médico, da primeira vez que vi mulher nua
Da primeira paixão, do aperto de mãos na matinê do Cine Glória
E da amargura da primeira decepção não me deixe esquecer

Que quero ter em mim as histórias da época que os bichos falavam
A esteira no terreiro, as cantigas de roda, o passa anel
O arroz com carne do sol frita na panela de barro da vizinha
Que enchia a boca da gente de água e o coração de felicidade.

Que não quero apagar os sinos da igreja, da missa em vermelho e branco
A mágoa que sentia por não carregar o crucifixo na frente da procissão
De mudar culposamente o sentido do Ave-Maria
Pois aos meus ouvidos pequenos a mãe de deus era uma pobre velhinha.

Por favor… É para que fique comigo os loucos, as prostitutas
A primeira professora… Sim, e aquele rapaz que enlouqueceu de repente
E metia medo na gente sacudindo uma capa de vampiro, toda noite
Nas escadas da catedral, aluado com um desesperado discurso…

Quero tanto me lembrar dos namoricos, dos flertes, do poema em troca de beijo
Da música dos Beatles, das farras entre amigos, do primeiro porre…
Lembrar-me da comida de feira, das noites de lua, da ilha desconhecida
Do cajá, da graviola… E da galega gostosa não me deixe esquecer também não.

Ah, pé de manga do meu quintal, fala pro bom Bandeira, fala… Fala pra ele me levar.
Que o deixo guiar meu velho velocípede, que faça dele um avião no céu da minha meninice.



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