The Plague, Arnold Böcklin, 1898
Yu é um velho assustado.
Caminha arrastando seus enormes testículos. Horrivelmente magro, sem
nenhum fio de cabelo no corpo, queixa-se do eterno cansaço. O velho
Yu é um laibon: quem deveria construir pontes entre o céu e
a terra. Mas Yu vive separado da sua aldeia. E bem longe da caverna
onde um dia entrou para recolher guano e usar como fertilizante na
sua lavoura.
“Engai tudo dá,
mas ele não gosta quando a gente pega coisa sem permissão. Neterkob
foi criado pra isso. Pra ajudar na ponte. Mas Yu não tem forças e
agora tem que carregar seu corpo feio por aí”.
Na fronteira entre o
Quênia e a Tanzânia, chovem histórias sobre homens que expelem
sangue por todos os orifícios do corpo até a morte. Histórias que
Yu desdenhou. Ali todos sabem que nas entranhas da montanha Kitum
moram milhares de espíritos ruins que gostam de roubar a seiva e a
alma humana. Yu pode ter escapado da terrível morte mas paga um alto
preço por ter tocado naquela merda sagrada.
“O pequeno virá
destruir o grande”.
Nas profundezas do tempo,
algo aconteceu. Algo invisível despertou no fundo da caverna fria,
escura e úmida. Algo foi morar nos intestinos dos resistentes
morcegos. Um minúsculo filamento capaz de codificar sete proteínas,
dotado de mecanismo que engana o sistema imunológico dos organismos
que infecta, nasceu. Mas não nasceu do nada. Desde muito estava dito
que algo viria combater o mal que viceja na superfície do planeta.
“Seriam os
estrangeiros? Será por isso que Engai e Olapa detestam
estranhos. Pois é, os forasteiros chegaram com suas máquinas.
Máquinas famintas. Máquinas que arrastaram árvores que arrastaram
terra que arrastaram bichos... Máquinas que fazem feridas no corpo da terra... Máquinas que despertam demônios... "
O homem de olhos
vermelhos caminha entre o vivo e morto. O homem de olhos vermelhos
não chega a ser um homem. É uma coisa. Um passado tenebroso. Yu nunca o viu, mas sabe que
está próximo. Chegará a qualquer momento. Yu não tem medo mas
pensa que se pudesse voltar…
“Agora compreendo a
raiva de Engai. O espírito ruim veio roubar a beleza dos
masai”.
Diante da fogueira, Yu
busca iniciar uma conversa com a sombra da sombra de Neterkob.
Mas percebe que é tarde. Neterkob não o ouve mais. Neterkob
partiu. Todos partiram. Até as vacas. Só sobrou Yu e o homem dos
olhos vermelhos. E o encontro será inevitável. A Yu resta aguardar
o acerto das contas finais.
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