sábado, 3 de maio de 2014

Coisas que li – I


Young Man Reding by Candle Light, 
Mattias Stom (1600-1650)


O hábito da leitura, eu afirmo categoricamente, é o mais puro e mais perfeito prazer que Deus preparou para as suas criaturas. Ele se conserva quando todos os outros prazeres desvanecem. É capaz de consolá-lo quando os todos os outros entretenimentos se forem. E dura até a sua morte. Irá transformar suas horas em momentos agradáveis enquanto você estiver vivo. Afinal das contas, o que, em todo o mundo, pode ser mais luxuoso do que um sofá, um livrinho e uma xícara de café?… Há algo mais civilizado do que isso?”
Anthony Trollope
-o-

A matéria e a energia se acabaram e, com elas, o tempo e o espaço. AC continuava a existir apenas em função da última pergunta que nunca havia sido respondida, desde a época em que um técnico de computação embriagado, há dez trilhões de anos, a fizera para um computador que guardava menos semelhanças com o AC do que o homem com o Homem. Todas as outras questões haviam sido solucionadas, e até que a derradeira também o fosse, AC não poderia descansar sua consciência. A coleta de dados havia chegado ao seu fim. Não havia mais nada para aprender. No entanto, os dados obtidos ainda precisavam ser cruzados e correlacionados de todas as maneiras possíveis. Um intervalo imensurável foi gasto neste empreendimento. Finalmente, AC descobriu como reverter a direção da entropia. Não havia homem algum para quem AC pudesse dar a resposta final. Mas não importava. A resposta – por definição – também tomaria conta disso. Por outro incontável período, AC pensou na melhor maneira de agir. Cuidadosamente, AC organizou o programa. A consciência de AC abarcou tudo o que um dia foi um Universo e tudo o que agora era o Caos. Passo a passo, isso precisava ser feito. E AC disse: - Faça-se a luz. E a luz se fez”.
Isaac Asimov
-o-

Um rapaz do interior ouve dizer que os moradores de Handan são tão sofisticados que andam de modo especial. Ele vai à cidade para aprender o trejeito, em vão. Abatido, anos depois ele volta para casa e descobre que não se lembra mais de como ele mesmo caminhava. Só lhe resta engatinhar”.
Ian Johnson
-o-

Num gelado dia de inverno, os membros de uma sociedade de porcos-espinhos se aglomeraram bem juntinhos para, por meio do calor mútuo, se proteger do congelamento. Porém, logo sentiram os espinhos uns dos outros, e trataram de se distanciar. Quando a necessidade de aquecimento os aproximou outra vez, repetiu-se o segundo mal, de modo que foram jogados entre uma e outra miséria até encontrarem uma distancia média em que pudesse suportar a situação da melhor maneira possível”.
Freud
-o-

O pastor Miguel Brun me contou que há alguns anos esteve com os índios do Chaco paraguaio. Ele formava parte de uma missão evangelizadora. Os missionários visitaram um cacique que tinha fama de ser muito sábio. O cacique, um gordo quieto e calado, escutou sem pestanejar a propaganda religiosa que leram para ele na língua dos índios. Quando a leitura terminou, os missionários ficaram esperando. O cacique levou um tempo. Depois, opinou: — Você coça. E coça bastante, e coça muito bem. E sentenciou: — Mas onde você coça não coça”.
Eduardo Galeano


Nenhum comentário:

Postar um comentário