sábado, 26 de abril de 2014

Crônica de uma má notícia


Fredric March, in Dr.Jekyll and Mr.Hyde, 1931



O apresentador introduz a notícia.
A música sobe o tom e os pontos do Peoplemeter.
Vende bem sua diatribe, o apresentador.
Para alegria e conforto dos anunciantes, dos publicitários, dos acionistas, dos…

Por alguns minutos, o apresentador é minha alma e eu a sua sombra
Neste breve tempo, pouco nos lixamos para os fatos,
Pouco nos lixamos para a vida.
Quem haveria de se importar com qualquer cuidado, qualquer desvelo
Diante desse exuberante e apaixonado cinismo?

Ah, o espetáculo e a notícia e o mundo cão.

O apresentador já é parte da família, o meu galã
Trago-o na sala, acima dos olhos, solene,
O meu astro de cinema, o meu ponto de fuga
Gozo quando seu martelo tilinta afeto,
Cascavela simpatia, estima e honestidade,
Benevolência que desconheço e desconfio
Exista assim de modo tão fácil e banal.

Mas tudo bem, não somos feitos de perguntas, o apresentador e eu.
E pra que perguntas, se temos, eu e ele, todas as respostas.
– Quem arriscaria supor que haja qualquer intenção
Que não a de que “apenas o amor constrói
E contra caspas apenas o inofensivo xampu de babosa vai bem, obrigado?

Ah, o espetáculo e a notícia e a roda vida e a liberdade de expressão.

O enigma que nos tornamos – o apresentador eu,
Revela uma única e solitária questão: sou mesmo muito feio
E parece irreversível minha indecorosa e natural perversidade.


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