sábado, 21 de dezembro de 2013

A Tradição Relativa XI


Nu Kua, Susanne Iles, 2001


A Criação do Humano


No princípio não havia nada. Tudo era escuridão e caos. O universo era um imenso ovo e dentro dele, em deliciado equilíbrio, estavam o Yin e o Yang. Havia, também, dentro do ovo, um terceiro elemento, desenvolvendo-se em total silencio: P’an Ku.

Após dezoito mil anos, P’an Ku despertou e viu-se cercado pela mais densa escuridão. Enfurecido, pulou e gritou. Com um golpe vigoroso rompeu o ovo. Separados, Yin e Yang deram inicio à existência. O mais pesado e turvo desprendeu-se e afundou, transformando-se em terra. O mais leve e etéreo subiu, formando o céu. P’an Ku ficou entre eles para evitar que se juntasse a trouxessem a escuridão de volta. Quando percebeu que não havia mais escuridão, que o azul do céu e o marrom da terra eram estáveis, deitou-se e, tranquilo, morreu.

Seu corpo imenso deu origem as montanhas; do seu olho esquerdo, surgiu o Sol; do seu olho direito, a Lua; sua respiração tornou-se o vento; sua voz, o trovão; seus pelos, as florestas; dos seus músculos, surgiram as terras férteis; dos seus dentes e ossos, as rochas e os minerais; das criaturas que habitavam seu corpo, tais como pulgas e bactérias, surgiram os animais; do seu suor, a chuva; e, do seu sangue, os lagos, os rios e os mares.

O sangue e o suor de P’an Ku, misturados, deram origem a Nü Wa, metade humana, metade serpente.

Certo dia, Nü Wa caminhava pelos campos e, ao observar as montanhas, as florestas e os animais, reparou que tudo era lindo porém, sentiu-se triste. Percebeu que as montanhas, as aves e os animais não a entendiam e que precisava de iguais para pôr fim à sua solidão.

Com este propósito, pegou lama da beira do rio e moldou uma pequena figura, semelhante ao seu reflexo na água. Ao soprar alguns resíduos, a pequena estatueta ganhou vida. Empolgada com o seu sucesso, se pôs a modelar mais e mais figuras que, por terem vindo da terra, foram, por ela, denominados humanos.

Após aprenderem a fala e conviverem breve tempo com Nü Wa, os humanos, cheios de curiosidade, agradeceram e partiram para conhecer a Terra. Porque a solidão de Nü Wa nunca acabava, continuou ela a modelar humanos. Porém, o mundo é grande demais e nunca deixa de parecer vazio. Cansada, pegou um cacho de flores da Arvore do Céu e mergulhou na lama. Depois sacudiu com força. As gotas de lama transformaram-se em humanos. Assim, Nü Wa conseguiu produzir um número maior de pessoas até ficar satisfeita com a quantidade criada.

Num dia de descanso, Nü Wa decidiu dar uma volta no mundo para verificar como os humanos estavam se saindo. Ficou surpresa ao reparar que os primeiros que ela havia criado estavam caídos no chão, com os cabelos brancos e sem vida. Viu que se quisesse manter o mundo povoado teria que modelar indefinidamente criaturinhas de barro. Isto seria sua ruína pois nunca mais teria descanso na vida.

Foi aí que teve a brilhante ideia de modelar figuras de ambos os sexos. Fez com que os humanos se reproduzissem entre si e, desta forma, formassem descendência que, para sempre, povoariam a Terra.

Depois de ter admirado o que fez, Nü Wa deitou-se e até hoje dorme no fundo do Rio Amarelo.


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