sábado, 28 de setembro de 2013

Criatura sem criar dor



Metamorphose Interrompue, Wolfgang Paalen, 1936



Um bom começo é sempre começar
Toinho de Abdera,
in, To Fántasma tou Kinímatos,
425 a.C


Temos intenções sobre tudo, todos.
As minhas são claras: apropriar-me, satisfazer-me e...
Devolva o resultado!
De preferência um pouco mais desperto que antes.
Correndo o risco de intoxicar-me, de criar um inferno,
Ergo o olhos e vejo vocês, em última instância.
Não há como não pensar em vocês,
Não há como não levá-los em consideração.
Mesmo tu, hei tu! tu mesmo, sim, tu, que estás tão longe, tu:
Que tem o poder de devorar-me,
De impedir que a chuva caia sobre a minha cabeça, até tu
E até tu que não vejo, que não faço a menor ideia,
Que até desconfio, que nem imagino,
Que não faz parte do meu escopo...
Mesmo que tudo comece aqui, há de terminar aí.
Dois pontos de uma mesma curva.
Absurdo seria se isto não fosse.
Então, por que o espanto?
Meu singular e plural, meu universo, assim.
Só tu pode dizer o que, quem sou.
Autoimagem não é o bastante.
É só um lado da coisa.
Viver no reino das imagens excludentes, conflitantes, é drama.
Espelho que não corresponde ao reflexo.
Reflexo que não corresponde aos fatos.
Ah, como gostaria de torná-los todos ricos, fortes e bonitos.

- Não olhes para mim assim, torcido, nem faça de conta que não estou aqui, porque estou aqui, bem aqui, então diga qualquer coisa, vai, diga, diga não, aprenda a dizer não, não dói, não dói mesmo, diga, diga não, não, não... Só diz não quem sabe dizer sim. Diga sim, vamos diga: sim. Como é difícil dizer sim. E não. Sim e não. Não e sim. Eu viveria uma eternidade se soubesse pronunciá-los. E morro neste instante se não olhares pra mim.

(Viver é exercitar-se na arte de controlar instintos. Aqueles nossos velhos. E hoje estou completamente vazio de mágicas. Em busca de um motivo, senhores: seguir um enredo, tatear no escuro, encontrar o interruptor, descrever detalhes, criar conflito, desenlace, ficar na expectativa... Ó começo, meio e fim! Não necessariamente nesta ordem. Apenas metódico e sistemático. Na altura e na largura. Na superfície-profundidade, quantas dimensões existem? Existem tantos universos quantos conjuntos matemáticos? Não são estes a prova daqueles? Este desafio posto diante da página em branco poderá levar-me a qualquer lugar só para dizer: taí... Tôaqui. Mesmo que escape sentido. Fazer ou não sentido? Eis. Uma ordem. Uma direção. Um caminho. Uma ilha onde aportar, finalmente. Tudo se resume. Isto é. E eu sei o quanto é duro fazer isto tudo sozinho. E eu sei o quanto é penoso fazer isto pra ninguém).

- Dá-me, senhor, uma história. (Cuidado com as palavras!) Uma simples história. E eu moverei o mundo mesmo que à base desta metafísica poética afinal não tenho (Atenção!) vocação pra nada. Mentira: aprendi a desenhar.



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