Fréderik Peeters, Portraits as Living Deads, 2008
A moça
morava na periferia. Todo dia caminhava até a rua do comércio para
procurar emprego e olhar as vitrines. Emprego estava difícil –
muito – e olhar as vitrines era de graça.
Um dia,
passando em frente a uma barraca de camelô, viu exposto um cachecol.
Não era um cachecol comum, era aquele cachecol. Enorme, cinco
cores... flores e animais bordados. Quanto? Uma mixaria, cabível à
bolsa da moça que sonhava em trabalhar e estudar pra ser alguém na
vida. Comprou a peça e voltou para casa, desempregada mas feliz. A
escolher a melhor ocasião na qual usar aquela novidade que,
certamente, a destacaria em qualquer ambiente.
Naquela
noite sonhou. Um sonho terminado em pesadelo. Uma mulher enforcada
com seu lindo cachecol. Acordou ofegante e nem esperou o dia
amanhecer, a moça. Buscou a irmã mais nova e, suada, deu-lhe o
cachecol de presente. A garota sonolenta e sorridente colocou a peça
em volta do pescoço e imediatamente sobreveio-lhe uma ânsia de
vômito seguida de desmaio. Assustada, a moça arrancou a peça do
pescoço da irmã. Durante todo o dia a menina reclamou de uma forte
dor de garganta. Que não sumia, nem mesmo após o uso de conhecidas
pomadas e unguentos.
Naquele
tarde, a melhor amiga veio visitá-la e soube da história. Do poder
maléfico que a linda peça exercia sobre quem a usasse. Brincou que
não era possível. E quis usar o cachecol. Pra quê! Foi como se uma
coleira de fogo estivesse atada ao seu pescoço e gemeu e gritou,
sufocada pela dor.
Chateada,
a moça decidiu devolver o cachecol. Mas o camelô não estava mais
lá. Uma mendiga, ao ver o objeto implorou, aos berros, que tirassem
aquilo de perto dela. A moça perguntou se ela conhecia aquele
cachecol. A pobre mulher, enlouquecida, proferindo palavras
desconexas deu a entender que àquela peça estava relacionada uma
história macabra. História de um crime medonho. A moça,
intrigada, prestou atenção nalgumas palavras, correu até a
biblioteca da escola do seu bairro, procurou a professora
responsável e clamou por auxílio, precisava de ajuda para descobrir
o que estava por trás daquele mistério.
Não foi
difícil. À professora bastou a menção de duas ou três palavras.
Acessou o velho computador e verificou fragmentos da história.
Leitura de alguns recortes de jornais velhos, consulta a uma revista
de época e alguns telefonemas, foi o bastante para aquele enredo
ganhar consistência e veracidade.
Resumo:
final dos anos 60, Lourdes, uma mulher bonita e independente, era
casada com Hélio – homem muito ciumento. Certa noite, esposa e
marido discutem. Num acesso de raiva, ele a enforca com seu próprio
cachecol e consegue escapar da justiça humana.
No começo
da manhã, a moça aguardava a abertura do portão do cemitério da
colina. Não foi difícil encontrar o túmulo da desventurada Lourdes.
Seu retrato havia sofrido a ação do tempo mas ainda se podia
verificar que fora uma mulher de muitos encantos. Diante do vaso com
meia dúzia de rosas murchas, a moça depositou o cachecol sem dizer
palavra.
Naquela
noite, dormiu feito anjo. E sonhou. Um sonho tranquilo. Um sonho em
que era visitada por uma agradecida Lourdes.
Fugindo de brechós!... (rs)
ResponderExcluirBela lenda urbana!
Um abraço!