sábado, 17 de agosto de 2013

Lendas Urbanas - 6. O Cachecol Amaldiçoado

Fréderik Peeters, Portraits as Living Deads, 2008



A moça morava na periferia. Todo dia caminhava até a rua do comércio para procurar emprego e olhar as vitrines. Emprego estava difícil – muito – e olhar as vitrines era de graça.

Um dia, passando em frente a uma barraca de camelô, viu exposto um cachecol. Não era um cachecol comum, era aquele cachecol. Enorme, cinco cores... flores e animais bordados. Quanto? Uma mixaria, cabível à bolsa da moça que sonhava em trabalhar e estudar pra ser alguém na vida. Comprou a peça e voltou para casa, desempregada mas feliz. A escolher a melhor ocasião na qual usar aquela novidade que, certamente, a destacaria em qualquer ambiente.

Naquela noite sonhou. Um sonho terminado em pesadelo. Uma mulher enforcada com seu lindo cachecol. Acordou ofegante e nem esperou o dia amanhecer, a moça. Buscou a irmã mais nova e, suada, deu-lhe o cachecol de presente. A garota sonolenta e sorridente colocou a peça em volta do pescoço e imediatamente sobreveio-lhe uma ânsia de vômito seguida de desmaio. Assustada, a moça arrancou a peça do pescoço da irmã. Durante todo o dia a menina reclamou de uma forte dor de garganta. Que não sumia, nem mesmo após o uso de conhecidas pomadas e unguentos.

Naquele tarde, a melhor amiga veio visitá-la e soube da história. Do poder maléfico que a linda peça exercia sobre quem a usasse. Brincou que não era possível. E quis usar o cachecol. Pra quê! Foi como se uma coleira de fogo estivesse atada ao seu pescoço e gemeu e gritou, sufocada pela dor.

Chateada, a moça decidiu devolver o cachecol. Mas o camelô não estava mais lá. Uma mendiga, ao ver o objeto implorou, aos berros, que tirassem aquilo de perto dela. A moça perguntou se ela conhecia aquele cachecol. A pobre mulher, enlouquecida, proferindo palavras desconexas deu a entender que àquela peça estava relacionada uma história macabra. História de um crime medonho. A moça, intrigada, prestou atenção nalgumas palavras, correu até a biblioteca da escola do seu bairro, procurou a professora responsável e clamou por auxílio, precisava de ajuda para descobrir o que estava por trás daquele mistério.

Não foi difícil. À professora bastou a menção de duas ou três palavras. Acessou o velho computador e verificou fragmentos da história. Leitura de alguns recortes de jornais velhos, consulta a uma revista de época e alguns telefonemas, foi o bastante para aquele enredo ganhar consistência e veracidade.

Resumo: final dos anos 60, Lourdes, uma mulher bonita e independente, era casada com Hélio – homem muito ciumento. Certa noite, esposa e marido discutem. Num acesso de raiva, ele a enforca com seu próprio cachecol e consegue escapar da justiça humana.

No começo da manhã, a moça aguardava a abertura do portão do cemitério da colina. Não foi difícil encontrar o túmulo da desventurada Lourdes. Seu retrato havia sofrido a ação do tempo mas ainda se podia verificar que fora uma mulher de muitos encantos. Diante do vaso com meia dúzia de rosas murchas, a moça depositou o cachecol sem dizer palavra.

Naquela noite, dormiu feito anjo. E sonhou. Um sonho tranquilo. Um sonho em que era visitada por uma agradecida Lourdes.




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