sábado, 19 de novembro de 2011

Soltem a Magdala - Capítulo 5


Jean-Antoine Waltteau (1684-1721) Comediantes Italianos


No capítulo anterior vimos que aquilo que não tem remédio, remediado está. Afinal, na hora do aperto todos correm para o mercado em busca de um bom e velho escambo.

Magdala – (Numa cela pobre porém limpinha, rabiscando versos) “Sou donzela bem nascida/ Pra vida bem viver/Meu sonho é tão bonito/ eterno amanhecer/ Que minha vida nada tenha de arremedo/ A esperança, irmãos, há de vencer o medo”.
Volupo – Vê quanto sofre esta pobre criança!
Devassa – Estaríamos bem melhor se estivesse emparedada.
Volupo – Um pouco de compaixão, mulher. Padeço, não vês que padeço? Hoje vejo que acima de tudo é preciso cantar.
Devassa – Se você pensa que vou dançar conforme a música...!
Volupo – Vamos pegar leve com ela, entendido?! Só precisamos ampliar seus horizontes.
Devassa – Contanto que seja nossa a perspectiva!
Volupo – Magdala, querida, sou eu, titio, lembra?
Magdala – Quem sois, quiqueres?
Volupo – Vim para mostrar-lhe o mundo, filhinha!
Magdala – “Ah, vislumbrar os doces prados da minha terra”.
Devassa – Tá bom, chega de gongorismos, vais direito pro chuveiro que a inhaca tá braba.
Magdala – “Sentir novamente o aroma dos campos e ladeiras deste meu imenso rincão. Andar de déu em déu, ouvir o eco do meu sussurro clamando pelo amor que me espera”.
Devassa – Louquinha, louquinha.
Volupo – Consequência do drama romântico... Que fazer?!
Devassa – Vejo que vamos ter que investir pesado na repaginada.
Magdala – “Famintos de justiça, não temais, meu verso será vosso pão”.
Devassa – É lasca!
Volupo – Vamos ter que tirar umas gordurinhas. Burocrário, prepara a mesa de operações.
Magdala – “Ó manhãs de primavera, minha retinas orvalhadas sorriem inocentes de toda dor”.
Devassa – Vamos ter que tirar mais que gorduras.
Burocrácio – Tudo pronto, chefe!
Volupo - Anestesia geral!
Devassa – Vamos ter que extrair alguns ranços.
Volupo – Bisturi!
Devassa – Cuidado com a bolsa!
Burocrário – Devagar. Assim vai ficar liberal demais.
Volupo – Pronto. Agora vamos transplantar algumas inovações.
Devassa – Cadê os modelos importados?
Burocrário – Na mão. Fotografia autografada da Doris Day beijando o Rock Hudson, fio do encharpe da Isadora Duncan...
Volupo – Talvez algo mais...!
Burocrário – Já sei: música do Vandré, discurso do Caetano...
Volupo – Péra, péra, péra... algo mais espiritual...
Devassa – Que tal um santinho do reverendo Moon.
Volupo – Gente, é preciso charme, ela não pode ficar capenga!
Devassa – Bota um desenho do Clodovil!
Volupo – Tá fibrilando, tá fibrilando... cheque o nível de oxigenação!
Burocrácio – 1.8 XL.
Volupo – Só mais um ou dois grampos...
Burocrácio – Fita crepe!
Volupo – Vai dá pro gasto. Tchan, tchan, tchan... Parla, meu bem, parla!
Magdala - O povo é soberano e sua vontade é lei.
Burocrácio – Chiiii... fedeu!
Volupo – Acho que exagerei na dose do cloranfenicol.
Burocrácio – Sugiro dar uma mexidinha nas disposições transitórias.
Prejudicados – (Off) “Só tem um jeito/ Pra sair do rolo/ É agora ou nunca? Magdala lá/ Ela é certinha/ Mais bonitinha/ Magdala já”.

Continua... 


4 comentários:

  1. Boa tarde. É bom observar uma criação literária, assim de primeira mão. Parabéns estou lendo todos os capitulos.
    Um abraço

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  2. ...Que me importa a magdalena. Se tudo que escreves é ótimo e eu gosto, mas agora o que não estou gostando meu rei é do teu sumiço. Saudades deixastes...
    Irismar Souza

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  3. A trama está-se complicando. Magdala vai para as cabeças, até aposto!

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  4. Putz, peguei na metade. Vou ter de acompanhar tudo. Está bom isto, mais à frente também farei minhas apostas. Apostar é sempre bom.

    Abraço, caro Paulo.

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